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​Acolhimento de jovens deve ter portas de “vai e vem”, não apenas de “vai e boa sorte”

18 fev, 2022 - 16:32 • Filomena Barros

Celebra-se esta sexta-feira, pela primeira vez em Portugal, o Dia do Acolhimento, para sensibilizar sobre a discriminação positiva de crianças e jovens que vivem ou viveram em casas de acolhimento.

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Por iniciativa da Plataforma PAJE - Apoio a Jovens (Ex)acolhidos, assinala-se, pela primeira vez, o Dia do Acolhimento, que representa uma oportunidade para sensibilizar a sociedade, os decisores políticos, lembrar “os milhares de trabalhadores da infância” e ainda “dar voz aos jovens com historial de acolhimento, esses sim os verdadeiros especialistas”, sublinha João Pedro Gaspar, o mentor e presidente da direção da instituição.

Há cerca de 390 casas de acolhimento que recebem crianças e jovens retirados das suas famílias. Podem ficar até aos 25 anos, se estiverem a estudar, mas a partir dos 18 anos já podem optar pela saída. Essa saída para a vida autónoma nem sempre corre bem e, por isso, é preciso garantir mais acompanhamento e também um eventual regresso.

João Pedro Gaspar explica que o projeto-lei que está no Parlamento visa isso mesmo: “passa por permitir que os jovens que aos 18 anos decidam sair, mas que percebam depois, na realidade e no terreno, que realmente não estão preparados para uma vida de autonomia ainda, ou porque situações a que são alheios acontecem, como estar à experiência no trabalho ou porque rapidamente a pandemia entra numa fase em que há em confinamento e eles são dispensados, e tivemos durante a pandemia uma série de situações que nos fazem acreditar que esta moratória, este período de carência fazia todo o sentido, para que durante alguns meses, os jovens que, eventualmente de forma precipitada, assumam sair do acolhimento, possam regressar, no caso das coisas não correrem bem, e o acolhimento ter portas de “vai e vem” e não apenas portas de “vai e boa sorte!”.

Promover a discriminação positiva

O diploma – que pretende criar o estatuto/figura do ex-acolhido - estava para ser discutido na especialidade, quando a Assembleia da República foi dissolvida. O dirigente da PAJE garante que vão insistir. A ideia é “promover a discriminação positiva e sensibilizar os decisores políticos, para os jovens que são vítimas precoces, e que em algumas portarias poderiam ser discriminados, como os ex-reclusos e as vítimas de violência doméstica, com alguma majoração para terem acesso a estágio profissional, etc”.

Atualmente, a lei não permite o regresso à casa de acolhimento, depois do jovem de 18 anos decidir sair. João Pedro Gaspar sublinha que o acompanhamento deve começar ainda antes da saída da instituição, seria só para alguns jovens, para evitar que caiam em situações de exclusão.

“Faz toda a diferença nas trajetórias. Temos menos probabilidade de serem sem-abrigo, profissionais de sexo ou de terem problemas com a justiça… Porque nós não sabemos, em Portugal, quantos reclusos é que passaram pelas casas de acolhimento, mas eu sei quantos é que visito nas várias prisões do país. Costumo dizer, na brincadeira, aos mais amigos, que tenho mais cartões de visitante de estabelecimentos prisionais do que cartões multibanco, da Carregueira ao Linhó, de Paços de Ferreira a Coimbra ou a Leiria… nós temos vários jovens que estão a braços com questões sociais e que viveram em casas de acolhimento”, reconhece João Pedro Gaspar, que trocou a engenharia pela psicologia da educação e fundou a PAJE.

A Plataforma, com sede em Coimbra, tem âmbito nacional, e assume o papel de acompanhar os ex-acolhidos. “O que vamos vendo, nos cerca de 300 que já apoiámos, é a falta de alguém que acredite neles, que lhes dê um incentivo, que lhes dê o apoio psicológico necessário, de alguém em quem eles confiem”.

O padrinho Éder

A transição para a vida autónoma significa, sobretudo, ter um emprego e, até agora “já conseguimos ajudar e manter 60 postos de trabalho, por isso, as entidades empregadoras têm também aqui um papel determinante, no sentido da tal discriminação positiva”.

“O desafio é mesmo esse: tentar compreender um bocadinho mais do que é o acolhimento, perceber que vivências e trajetórias de vida são estas, e acreditar que realmente quem já conseguiu ultrapassar tantas questões anteriores, certamente merece uma oportunidade de alterar as estatísticas e ter trajetórias que nos envaidecem a todos”, refere o responsável.

João Pedro Gaspar revela que “Éder (jogador de futebol) é um ex-acolhido, é padrinho da PAJE, o nosso sócio número 100, e que muito nos ajuda a manter esta oportunidade para ir apoiando crianças e jovens que cresceram em casas de acolhimento”.

O Dia do Acolhimento (assinalado na 3ª sexta-feira de fevereiro) pretende juntar entidades, jovens acolhidos e ex-acolhidos em diversas iniciativas.

João Pedro Gaspar deseja também que este dia sirva para “inspirar os jovens que estão acolhidos, e explicarmos-lhes que o destino pode destinar, mas a decisão é de cada um, esta é uma frase que nos é muito grata”.

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