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Pedrógão Grande. Ex-autarca e ex-vereador condenados a prisão efetiva

31 jan, 2022 - 11:41 • Teresa Paula Costa , Liliana Monteiro

Juíza sublinhou que os "arguidos traíram a palavra solidariedade e que não vale tudo para ter acesso a fundos". Ambos vão recorrer.

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O ex-presidente da Câmara de Pedrogão Grande Valdemar Alves, e o ex-vereador Bruno Gomes, foram condenados esta segunda-feira a penas efetivas de prisão de 7 e 6 anos, respetivamente.

O tribunal de Leiria leu o acórdão do processo que julgou as suspeitas de irregularidades na reconstrução de habitações após os incêndios de 2017 e no final afirmou que os arguidos traíram o conceito de solidariedade, lembrando que não vale tudo para obter fundos.

Valdemar Alves foi condenado por 13 crimes de prevaricação de titular de cargo político e ainda de outros 13 crimes de burla qualificada, alguns na forma tentada. Bruno Gomes, por seu lado, foi condenado por 11 crimes de prevaricação e 13 de burla qualificada. De fora ficaram os crimes de falsificação dos quais os arguidos foram absolvidos.

Dos restantes arguidos, ao todo 26 (requerentes da reconstrução de imóveis como se de primeira habitação se tratasse), 12 foram condenados por falsificação de documento e burla. As penas foram inferiores a 5 anos e por isso suspensas mediante o pagamento de uma indemnização cível de 100 euros por mês. Três deles ficam ainda obrigados a restituir à Cruz Vermelha os bens de apetrechamento de dois imóveis reconstruídos. Apenas uma funcionária de uma Junta de Freguesia viu aplicada a pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa por igual período, sem qualquer condição.

Estes 11 condenados, assim como os dois principais arguidos, terão de pagar solidariamente indemnizações ao Fundo Revita (109.383,20 euros); à parceria União das Misericórdias Portuguesas/Fundação Calouste Gulbenkian (185.233,33 euros) e à Cruz Vermelha (111.579,01 euros).

Catorze arguidos foram absolvidos por diversas razões: por se ter provado que não residiam nos imóveis à data dos incêndios por razões de saúde; não tinham vontade de praticar crime e não se provaram factos ou a entidade responsável pela reconstrução não estava sujeita às regras do Fundo Revita.

Arguidos surpreendidos

À saída do tribunal Valdemar Alves mostrou-se muito surpreendido com a decisão. “Não há nada a dizer. Vou recorrer, tem de ser! São coisas muito pesadas. Foi uma surpresa, não tenho palavras. Vai ser uma caminhada muito longa”, fazendo antever vários recursos.

Já a defesa de Bruno Gomes, representada pelo advogado Vitor Faria, não tem dúvidas quanto ao recurso. “Não estávamos à espera de uma decisão com esta gravidade e este peso. Vamos ler o acórdão com atenção para elegermos o que iremos invocar no recurso que vamos interpor. Ficou tudo perplexo com esta decisão”.

A advogada da Cruz Vermelha Portuguesa, Paula Cremon, considerou ter havido condenações violentas e disse que o processo ainda vai no adro.

"Tanto quanto resulta deste acórdão há condenações violentas, há absolvições", afirmou Paula Cremon, explicando que as absolvições terão que ser aceites "por aquilo que elas são, [pela] inexistência de prova ou a acusação com alguma deficiência, ou pelos menos que vieram a conseguir por parte dos arguidos, em sede própria, a demonstração da bondade das suas acusações".

Afirmando que "contra factos não há argumentos", a defensora da Cruz Vermelha Portuguesa" vincou, no entanto, que o processo não está terminado".

Ministério Público vai recorrer

O Ministério Público reconheceu que a decisão hoje anunciada está em linha com o que foi pedido.

Em declarações à agência Lusa a procuradora da República Catarina Lopes afirmou que "as penas de prisão efetiva foram na linha do que o Ministério Público pediu em sede de alegações finais. Quanto à parte da absolvição, o Ministério Público vai ponderar eventual recurso".

O julgamento começou em 26 de outubro de 2020 e teve 26 sessões, com a desta segunda-feira.

Em 19 de julho de 2018, a revista Visão noticiou que meio milhão de euros de donativos destinados à reconstrução de casas de primeira habitação terão sido desviados para casas não prioritárias, isto é, de segunda habitação.

No mesmo dia, a então presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, Ana Abrunhosa, disse à Lusa que iria "encaminhar esses casos o mais rapidamente possível para o Ministério Público". Ainda nessa data, o Ministério Público (MP) anunciou a abertura de um inquérito.

Em 1 de julho de 2019, a Polícia Judiciária divulgou que finalizou a investigação, com 44 arguidos, tendo proposto acusação. Quatro dias depois, o MP anunciou que deduziu acusação contra 28 arguidos. No despacho, foi ainda determinado o arquivamento ou separação de processos quanto aos restantes 16 arguidos.

Três arguidos - Valdemar Alves, Bruno Gomes e o construtor civil João Paiva - pediram abertura de instrução e, em 6 de março de 2020, uma juíza de instrução criminal decidiu levá-los a julgamento, "atenta a acusação deduzida pelo MP, também por referência a arguidos que não requereram a instrução".

Neste julgamento prestaram depoimento 55 testemunhas de acusação e 38 de defesa, e quatro dos 28 arguidos prestaram declarações.

O incêndio que deflagrou em 17 de junho de 2017 em Pedrógão Grande, distrito de Leiria, e que alastrou a concelhos vizinhos, provocou 66 mortos e mais de 250 feridos, sete dos quais graves, e destruiu meio milhar de casas, 261 das quais habitações permanentes, e 50 empresas.

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