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Dia Internacional dos Direitos da Criança

“Tenho voto na matéria”. Jovens querem ajudar a melhorar comunidades

20 nov, 2021 - 11:30 • Ana Carrilho

Os resultados do inquérito da UNICEF foram debatidos na Universidade Católica, num evento em que participaram vários membros do Conselho Consultivo de Crianças e Jovens e vereadoras das cidades de Lisboa, Cascais e Guimarães.

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O inquérito “Tenho voto na matéria”, lançado pela UNICEF Portugal, a coincidir com o período de campanha eleitoral para as autárquicas, mostrou que os autarcas nunca ou muito raramente consultam as crianças e jovens nas decisões que tomam para os seus concelhos, mesmo que envolvam os mais novos. E, quando os ouvem, não têm em conta as suas sugestões.

Mesmo assim, pouco mais de um terço dos 9.300 inquiridos admitiu que os seus presidentes de Câmara ou de junta de freguesia, por vezes, pensam nas crianças quando decidem.

Para divulgar oficialmente os resultados, a UNICEF organizou um debate na Universidade Católica – entidade que realizou o inquérito – em que participaram vários membros do Conselho Consultivo de Crianças e Jovens e três vereadoras das cidades de Lisboa, Cascais e Guimarães.

O diálogo foi facilitado, porque todas elas integram o grupo de 22 “Cidades Amigas da UNICEF” e já têm mecanismos de audição e participação dos mais novos nas decisões que tomam. Ainda assim, ambas as partes aproveitaram para perceber o que podem melhorar nesse relacionamento e como é que podem influenciar a ação dos outros quase 300 municípios – uma forma de assinalar o Dia Internacional dos Direitos das Crianças, que se assinala neste sábado, 20 de novembro.

As crianças são o futuro, mas têm direito ao presente

“Quantas vezes valorizaram a opinião das crianças?”, quis saber Adriana, uma jovem de 16 anos, nascida em Lisboa, mas a viver há três anos numa aldeia alentejana.

A pergunta foi relativamente fácil de responder para qualquer das vereadoras.

Adelina Pinto, de Guimarães, explicou o processo de “empoderamento” que o município tem desenvolvido, de forma a que todas as crianças tenham capacidade de participar, “já que há contextos socioeconómicos diversos que influenciam a maior ou menor participação, em muitos casos porque não sabem como o fazer”.

Guimarães começou por iniciativas com artes performativas, música e desporto. Avançou como Orçamento Participativo, em que as propostas são feitas pelas próprias crianças e jovens, sendo adotada pela Câmara o que tem maior votação.

O Ecoparlamento, em que se juntam alunos de todos os agrupamentos escolares do concelho, reúne-se regularmente. Ali expõem-se os problemas, discutem-se soluções, ficando depois a autarquia com a responsabilidade de executar a que for aprovada.

A vereadora da Educação de Guimarães revelou ainda que há uma grande aposta na formação de professores e funcionários para o fomento da participação cívica e ativa dos mais novos. E há também um Plano Municipal para a Juventude, em que participam toda as organizações juvenis do concelho.

Adelina Pinto mostra-se absolutamente convencida que “as crianças que são ouvidas serão jovens e adultos mais capazes. Por outro lado, considera que é preciso mudar o ‘mindset’: “não se pode continuar a dizer e a fazer as coisas porque as crianças são o futuro; elas têm direitos hoje e a sua opinião tem que ser respeitada.


Em Cascais já existem assembleias que se reúnem em contexto escolar e um Orçamento Participativo destinado às propostas dos mais novos. No entanto, a vereadora Carla Semedo desmistifica a ideia de que este é um município “rico”: “há meninos a passar grandes dificuldades e uma das tarefas é fazer com que percebam que têm na autarquia um parceiro para os ajudar. E esse já é um passo para a sua participação cívica”.

É nesse sentido que vai o Plano de Ação para a Promoção dos Direitos das Crianças, “que pretende integrar a voz dos jovens de forma transversal nas decisões da Câmara”.

Lisboa, por seu turno, tem, com a nova vereação liderada por Carlos Moedas, um Comissário para a Juventude, que vai fazer a ponte entre as crianças e jovens e o executivo camarário. Nesta sessão, acompanhou a vereadora Laurinda Alves, que não hesitou em lembrar que aos direitos também correspondem deveres. “As crianças têm o direito a participar e a ser ouvidas, mas também têm o dever de ouvir os outros, o que muitas vezes não acontece”.

Na capital, a vereadora dos Direitos Humanos e Sociais confessa que gostaria de ter regularmente “assembleias de cidadãos mais jovens, não só de adultos. Como aconteceu hoje de manhã”, referindo-se à sessão organizada pela autarquia em que participaram dezenas de crianças de escolas do ensino básico do concelho e falaram abertamente sobre os problemas que sentem e gostariam de ver resolvidos. “Gostaria de desenvolver esta cultura do encontro”.


E quando questionadas sobre como podem incluir os jovens nas decisões políticas, a vereadora Carla Semedo deixou claro que, com a sua intervenção, estes jovens já estão a fazer política – “é uma atitude cívica, já estão bem conscientes das desigualdades e do ambiente à vossa volta”.

“Quando as crianças têm oportunidade de participar, como mostrou o Inquérito ‘Tenho voto na matéria’, todos ganham e não podemos desperdiçar esse potencial. Já muito se faz, mas é preciso fazer muito mais”, frisou Marta Santos Pais, representante do Secretário-Geral das Nações Unidas para a Violência Contra as Crianças.

“Abram as portas do vosso gabinete aos jovens dos vossos municípios. Porque não convidam um jovem para vos acompanhar um dia inteiro, digamos, uma vez por mês, conhecer o vosso trabalho e para os ouvir?”, foi o desafio/sugestão que Mónica Dias, professora da Universidade Católica, que coordenou a realização do inquérito deixou às vereadoras dos três municípios.

Aos jovens presentes, lembrando-lhes a consciência cívica que já têm, desafiou-os a “passar palavra”, a convidar um amigo e outro que ainda não seja amigo, para participar nos projetos em que estão envolvidos.

Participação “aguçou” vontade de ir mais longe

O entusiasmo provocado pelo debate entre adultos e jovens que decorreu durante duas horas foi evidente e, à Renascença, dois dos participantes manifestaram vontade de se tornarem mais ativos.

Guilherme, com 14 anos e a frequentar o 9.º ano num colégio em Alverca, está habituado a ser ouvido pelos pais e que as suas opiniões sejam tidas em conta nas decisões familiares. O mesmo não acontece fora de portas.

Apesar de dizer que, pessoalmente, nunca fez nenhuma tentativa de contacto com a sua Câmara (Vila Franca de Xira) conta o caso de um amigo que enviou sucessivos e-mails a pedir mais iluminação para um parque. Sem sucesso. Só houve resposta quando foi o pai desse amigo a fazer o contacto. “Não ligaram ao nosso pedido (de criança/jovem) mas quando foi um adulto já responderam”.

Guilherme admite que até aqui não partilhava muito as suas preocupações com os mais velhos, mas daqui para a frente, será diferente. Ganhou mais consciência de que é tão importante para as crianças ouvirem as opiniões dos adultos como para os adultos, ouvir o que pensam as crianças.

Promete ser mais interventivo, incentivado pela enorme participação de crianças e jovens no inquérito em cuja preparação também participou.

E revela que já esperava os resultados em relação às preocupações manifestadas: a saúde mental no topo, seguida da discriminação e da internet e redes sociais.

“Já tinha essa noção, de conversas com amigos, da discriminação. E depois, as redes sociais são um grande problema porque os jovens passam muito tempo agarrados à internet. E essas duas influenciam a saúde mental”, afirma.

Completamente surpreendida com estas prioridades mostrou-se Adriana, de 16 anos, nascida em Lisboa, mas a viver há três anos numa aldeia alentejana. “Não sabia que havia tantas crianças conscientes destes problemas. Mais uma razão para as valorizarmos e ao que elas têm a dizer e a sugerir”.

Adriana é uma das jovens que já tentou várias vezes contactar o presidente da sua autarquia (Cuba), sem sucesso. Sabe muito bem o que é “não ser ouvida” e, por isso, depois de gorado o sonho da dança por motivos de saúde, já definiu outro objetivo para a sua vida: seguir Relações Internacionais e Ciência Política e tornar-se uma ativista “em representação de todas as crianças, jovens, adultos e especialmente, mulheres”.

Mostrou-se muito contente com o que soube que está a ser desenvolvido nestas três autarquias para envolver as crianças e jovens nas decisões. Espera que estas boas práticas se alarguem a mais concelhos, incluindo o seu.

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