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Crianças e jovens não votam, mas querem ser ouvidas pelos seus autarcas

19 nov, 2021 - 06:40 • Ana Carrilho

Inquérito da UNICEF, realizado em simultâneo com a campanha para as autárquicas de 26 de setembro, deu a palavra aos que ainda não votam, mas têm opinião e querem participar na vida das suas comunidades.

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As crianças e jovens muito raramente ou nunca dão a sua opinião quando os adultos tomam decisões sobre a comunidade onde vivem. E quando ouvem, não fazem caso das suas sugestões. Esta é a conclusão de um inquérito online realizado pela UNICEF Portugal com mais de 9.300 crianças e jovens entre os seis e os dezoito anos, de todas as regiões do país e de diversos contextos socioeconómicos e culturais. Realizado em simultâneo com a campanha eleitoral para as Autárquicas de 26 de setembro, deu a palavra aos que ainda não votam, mas têm opinião e querem participar ativamente na vida das suas comunidades.

A saúde mental da sua geração, a discriminação, a internet e redes sociais foram as principais preocupações manifestadas. Sem esquecer outros bens e serviços essenciais como a habitação, o acesso à saúde, transportes e acessibilidades ou a carência de apoios para famílias mais vulneráveis.

Os resultados são anunciados na véspera do Dia Mundial dos Direitos da Criança. Portugal assinou a Convenção dos Direitos da Criança em 1990 mas a diretora da UNICEF em Portugal diz que ainda há muito a fazer para tornar realidade o direito à participação, que decorre da Convenção.

Poucos ouvem o que as crianças têm para dizer

Três quartos das 9.300 crianças que participaram neste inquérito responderam que nunca ou muito raramente têm oportunidade de dar opinião quando dos adultos decidem sobre a comunidade onde vivem. E 80% revelaram que quando os ouvem, quase nunca ou nunca levam as suas sugestões em linha de conta.

Ainda assim, 38% admitem que, às vezes, o presidente da câmara ou da junta de freguesia pensam nas crianças quando decidem.

“Há apenas uma pequena minoria que é ouvida e é preciso inverter estes números”, diz a diretora Beatriz Imperatori, em declarações à Renascença. “Os 80% que são ouvidos te que passar a ser a norma os 20% que ainda não são ouvidos, mas que gostaríamos que também fossem incluídos nestes processos.”

Esta responsável diz ainda que o inquérito não foi feito por só por adultos; incluiu também um Conselho Consultivo de Crianças e Jovens com 18 elementos. Têm histórias de vida diferentes e incluem também crianças em acolhimento institucional, a viver em contextos de vulnerabilidade económica e social, de etnia cigana, com deficiência ou refugiados.

Saúde mental é a grande preocupação

Beatriz Imperatori confessa que não ficou surpreendida com as preocupações apontadas pela grande maioria dos participantes no inquérito, mas nunca pensou que a saúde mental ocupasse o primeiro lugar.

Mais de um quinto dos inquiridos (20,8%) considera que um dos maiores desafios que a sua geração enfrenta é a saúde mental. “Já calculávamos até porque sabíamos que a pandemia teve um forte impacto, mas não esperávamos que fosse a primeira. O que nos vem dizer é que é precisa uma resposta concreta - não um olhar - um apoio a todas estas crianças e jovens. Quer dizer que não há como escapar e não dar instrumentos de apoio a todas estas pessoas”, alerta Beatriz Imperatori.

Já 16% dos participantes estão preocupados com a discriminação das crianças e jovens e 11,6% declaram ter dificuldades em relação à internet e às redes sociais.

Jovens querem participar e “não é um pedido de Natal”

A par do inquérito online e no mesmo período, cerca de 900 crianças participaram em 60 sessões de discussão em todo o país. Nesses encontros partilharam também preocupação com as condições habitacionais, saneamento básico, acesso à saúde especialmente dos idosos, falta de apoios económicos e sociais para famílias carenciadas. Mas também a falta de equipamentos desportivos e espaços de lazer, as acessibilidades e transportes.

Portugal assinou a Convenção dos Direitos da Criança há mais de três décadas, mas a diretora da UNICEF frisa que ainda há um longo caminho a percorrer. E que o Estado tem muitas obrigações a cumprir.

“Gostávamos de obter um compromisso para que estes mecanismos de participação se tornem uma norma instituída e não uma excecionalidade engraçada. Não é um pedido de Natal, digamos assim, mas porque é uma obrigação do Estado português, que há 31 anos assumiu essa responsabilidade. Portante, tem a obrigação de fazer acontecer este direito e de passar do texto à prática.”


À atenção do/a Sr.(a) presidente da Câmara e da Junta de Freguesia:

Sobre a participação cívica…

- As crianças também são cidadãs e, tal como os adultos, merecem ser ouvidas

- Um dia iremos ser nós a escolher e seria bom começar agora a sermos ouvidos e a criarmos boas opiniões

- Os adultos devem ouvir a opinião dos jovens pois estes serão os futuros moradores daquele local. Se os mesmos crescerem com boas recordações, a probabilidade de permanecerem lá é maior

- Temos uma visão do mundo diferente. As crianças têm ideia mais inovadoras. Têm visões mais simples e criativas das coisas, os adultos complicam demais

- A Câmara municipal devia vir à escola escutar os alunos

- Quero ajudar na criação e divulgação de um banco de voluntariado de jovens para a limpeza das praias

As preocupações…

- Quando me sinto mal e preciso de desabafar gosto quando me ouvem e ajudam-me a superar os problemas

- Gostava que houvesse mais locais em que as crianças pudessem ser apoiadas por psicólogos quando se sentem tristes e desanimadas

- Gostava que minimizassem as atitudes racistas na escola, colocando cartazes e que fizessem palestras sobre isso

- Os jovens de hoje em dia estão mais ativos nas redes sociais, logo visualizam mentiras. Sobre: o “corpo ideal”, a aparência, a vida/família perfeita e os relacionamentos saudáveis, que nos leva a uma comparação e a uma inferiorização

- Nas freguesias que temos visitado e onde habitamos temos reparado que não existe saneamento e gostaríamos que agilizassem o processo. Lembramos que o saneamento é um fator importante na saúde dos habitantes

- Gostava que na minha aldeia houvesse uma paragem de autocarro e não tivesse de andar durante tanto tempo para apanhar o transporte para a escola

- Passadeiras em mais número e com iluminação

- Substituição dos contentores tradicionais por subterrâneos. Esta solução oferece economia de espaço, é mais higiénico e mais durável

- Gostamos de sentir que pertencemos à comunidade e que temos voto na matéria.

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