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Entrevista

PSP preocupada com “recurso muito mais fácil à violência”

11 nov, 2021 - 09:38 • Celso Paiva Sol

O intendente Nuno Carocha revela que os cidadãos têm recorrido mais à violência para resolver questões fúteis e fala de uma polícia em "permanente adaptação a novas formas de criminalidade e às movimentações da população".

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Com o país desconfinado, os números da criminalidade regressaram aos níveis pré-pandemia, embora se mantenha a tendência geral de redução que já vinha de trás. Mas a PSP está preocupada com a cada vez maior violência dos crimes.

Na área da Polícia de Segurança Pública, que cobre os principais centros urbanos, regista-se uma diminuição de 1,5% na criminalidade geral participada. Em entrevista à Renascença, o intendente Nuno Carocha admite, ainda assim, que tem havido por parte dos cidadãos um maior recurso à violência para resolver questões fúteis, o que aliás explica os casos mais graves registados neste desconfinamento. Em relação às críticas de facilitismo ou falta de planeamento da polícia, o porta-voz desmente categoricamente.

Que dados existem sobre a criminalidade em 2021?

A criminalidade registada nos meios urbanos em 2021, quando comparada com 2020, regista uma quebra que é sensível. Cerca de 1,5% na criminalidade geral e cerca de 10% no crime grave e violento.

Se recuarmos ainda mais e compararmos 2021 com 2019 ou mesmo com 2018, chegamos à conclusão que a criminalidade regista quebras assinaláveis. Ao contrário da proatividade policial que retomou muito rapidamente os números das janelas temporais pré-pandemia.

Qual o efeito do desconfinamento na evolução dos números?

Há um regresso da criminalidade normal. Há o regresso dos valores da sinistralidade rodoviária até um assumir das tendências pré-pandemia. Uma grande predominância dos crimes contra a propriedade, algum acréscimo dos crimes contra as pessoas – ofensas à integridade física, por exemplo.

Parece haver uma maior predisposição de algumas pessoas em resolver pequenos diferendos com recurso à violência. Recordo, por exemplo, aquele caso do Porto, do jovem que acabou por falecer quando estava na fila para entrar numa discoteca, tendo sido agredido de uma forma absolutamente gratuita por uma questiúncula na fila de espera.

Nesta primeira fase de desconfinamento, apesar de haver menos criminalidade, parece haver por parte de algumas pessoas um recurso muito mais fácil à violência. De resto, havia um tipo de criminalidade que já estava a aumentar e que acompanhava as novas tendências de consumo: a cibercriminalidade, o roubo de identidade, o phishing, a utilização fraudulenta dos dados de outras pessoas para fazer aquisições, levantamentos ou transferências de dinheiro.

Quando toda a população confinou, os padrões de consumo quase foram obrigados a virar-se para o online, obviamente que a criminalidade acompanhou esta nova tendência de consumo e registaram-se números bastante elevados.

PSP alerta para o efeito, por vezes negativo, que as redes sociais têm na perceção da criminalidade.

Através dos muitos sistemas de videovigilância que operamos em todo o país, cerca de 700 câmaras, identificámos que havia uma tendência entre os jovens e, sobretudo, na criminalidade da noite, para filmarem, registarem, partilharem e demorarem a reportar pelo 112 os crimes que estavam a verificar.

Começamos a falar sobre isso nos órgãos de comunicação social e nas redes sociais, alertando para a necessidade de, não podendo intervir para cessar o crime, a pessoa não se devia preocupar em registar e partilhar, mas sim comunicar às autoridades. Antes de usarem as redes sociais para partilhar com quem quer que seja, partilhem com a polícia.

Depois dessa nossa intervenção, notámos uma clara inversão. Começámos a receber muito mais vídeos, muito mais contactos nas nossas redes sociais da criminalidade que era constatada por parte dos cidadãos. Este é comportamento de cidadania que esperamos.


A sensação que ficou nos primeiros dias de desconfinamento foi de um regresso muito confuso e mais violento que o normal...

No início houve algum alarme com situações muito noticiadas que causaram choque: pessoas que foram violentamente agredidas e algumas acabaram por falecer. Embora nunca haja um bom motivo ou justificação para agredir ou tirar uma vida, as motivações que fomos conhecendo desses crimes eram muito sui generis, pois envolviam questões muito mundanas, por causa de namoradas ou bebidas.

É um motivo de preocupação para nós. Adequámos muito rapidamente o policiamento e conseguimos resultados assinaláveis no sentido de conter esse choque e de continuarmos a transmitir confiança e segurança a todas as pessoas.

A PSP, as restantes forças e serviços de segurança em geral foram acusadas de terem sido surpreendidas, de não terem avaliado corretamente o previsível regresso à noite. Houve algum facilitismo?

Não, de todo. Obviamente que traçamos diversos cenários, pré-posicionamos os nossos meios e direcionamos todas as nossas forças - não é um eufemismo - para os cenários de maior instabilidade. Relembro as cerca de 60 detenções por roubo nas zonas do Cais do Sodré, Santos e Bairro Alto. Quando começou a haver notícias sobre os roubos com extrema violência já tínhamos começado a monitorizar as pessoas que os praticavam, tínhamos começado a investigar e realizado dezenas de detenções.

Naquele caso fatídico do Porto, por exemplo, das cinco pessoas que estiveram envolvidas nas agressões, três foram logo detidas por policias que estavam próximo daquele local, e as outras duas – nomeadamente o jovem suspeito de ter desferido os golpes fatais – foram também detidas numa janela temporal muito reduzida.

Obviamente que para quem é vítima deste tipo de crimes, esta apresentação já não vem resolver nada, mas também é impossível à PSP garantir que vamos ter polícias prontos a reagir em todos os arruamentos, 24 horas por dia. Isso é impossível. Mas estávamos presentes na rua desde a primeira hora do desconfinamento, ninguém esperou por nada para reagir, fizemo-lo desde o primeiro momento.

Agora que o país desconfinou e a criminalidade voltou aos níveis pré-pandemia que adaptações foram feitas?

Há um regresso à normalidade da polícia que está relacionada com uma constante adaptação às movimentações da população, a novas formas de estar e a novas formas de criminalidade.

Dou aqui um exemplo concreto. Assim, que iniciámos o desconfinamento começamos a registar um grande crescimento num novo crime que é o furto de catalisadores para recolher os materiais preciosos que se encontram no seu interior. De imediato, a PSP centralizou a investigação de todos os processos que tinha em mãos, culminando numa grande operação em que recuperámos mais de 100 mil euros desses minérios e 600 catalisadores que tinham sido furtados.

Estamos em permanente adaptação às novas formas de estar das pessoas. Começaram a ir para a noite rapidamente começámos a estar muito mais presentes na noite. Quando no início do desconfinamento se registaram grandes ajuntamentos em determinadas zonas, vedámos esses arruamentos, começámos a controlar entradas e saídas e a contabilizar o número de pessoas que estavam dentro dessas áreas publicas.


Comentários
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  • Ivo Pestana
    11 nov, 2021 RaM 11:04
    Existe um sentimento de impunidade e as polícias sabem as causas, mas outros não as querem ouvir.

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