Tempo
|
A+ / A-

Ordem dos Médicos

Urgências pediátricas no limite? "Há serviços que estão a segurar as coisas pelas pontas"

19 out, 2021 - 00:16 • André Rodrigues

Presidente do colégio de pediatria da Ordem dos Médicos afasta cenário de generalização. Reconhece, no entanto, que a sobrecarga nos centros de saúde, nomeadamente por causa do acompanhamento aos infetados por Covid-19, está a condicionar a resposta às viroses infantis.

A+ / A-

A Ordem dos Médicos alerta que a falta de resposta por parte dos centros de saúde está a levar a que várias famílias recorram diretamente às urgências pediátricas hospitalares.

Em declarações à Renascença, o presidente do colégio da especialidade de Pediatria, Jorge Amil Dias, reconhece que há unidades hospitalares que estão a sentir dificuldades na gestão das urgências pediátricas, mas garante que, para já, não estamos perante um cenário generalizado.

E dá exemplos: "o Centro Hospitalar e Universitário do Algarve e o Hospital de Leiria", que são recorrentemente referidos como hospitais com falta de recursos humanos e cujos serviços "estão a segurar as coisas pelas pontas, porque há um recurso mais frequente às urgências dos hospitais, porque os centros de saúde e os médicos de família estão ocupados com vários outros doentes, nomeadamente com doentes infetados por Covid-19".

Na última semana assistiu-se a uma tendência evolutiva do número de casos de infeção pelo novo coronavírus e esta segunda-feira, tanto o valor de incidência como o índice de transmissibilidade (Rt) voltaram a subir em relação a sexta-feira.

Questionado sobre se estes dados revelam uma possível trajetória preocupante que, tal como no passado, possa deixar a resposta do SNS no limiar da rutura, o presidente do colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos recusa "fazer futurologia", mas avisa que as dificuldades sentidas noutros invernos, seguramente vão repetir-se.

"Esperemos que a questão da Covid não venha complicar as contas, mas vejo o futuro próximo com grande dificuldade, porque há um espaço importante a cobrir com recursos médicos que estão a faltar no SNS", diz.

Por agora, Jorge Amil Dias diz não ter conhecimento de que as síndromes virais pediátricas, típicos do outono, sejam mais graves, mas reconhece que os sucessivos confinamentos do último ano e meio, provocados pela pandemia, atrasaram a exposição das crianças aos testes de imunidade, designadamente nos infantários, onde as infeções do trato respiratório, apesar de não serem graves, transmitem-se com grande facilidade.

Cansaço e desmotivação nos centros de saúde

O presidente da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiares (USF-AN), Diogo Urjais, admite que a pandemia expôs fragilidades que já existiam nos cuidados de saúde primários, mas o esforço dos profissionais permitia contornar as dificuldades.

Um ano e meio de pandemia depois, este responsável recorda que, sobretudo nas fases mais agudas, "os cuidados de saúde primários vigiaram 90% dos infetados com Covid-19, apesar de todas as tarefas e de toda a sobrecarga, os centros de saúde deram uma resposta perfeitamente efetiva".

"Há um misto de cansaço e desânimo entre os profissionais", diz Diogo Urjais que diz não ver, da parte da tutela, um esforço eficaz para solucionar o problema da falta de recursos humanos no setor da saúde.

Por outro lado, o presidente da USF-AN lembra que a pandemia ainda não acabou e aos centros de saúde continuam a ter de dar resposta.

"Para além desta sobrecarga, temos de pensar que temos cada vez mais utentes sem médico de família, que não estamos a conseguir cativar médicos de família no SNS e isso é que é uma questão importante e há contextos muito complicados, muito difíceis aos quais a tutela não tem dado o apoio necessário", acrescenta.

Num quadro em que a pandemia ainda não tem fim à vista, as lacunas são inevitáveis e a essas somam-se hábitos que se tornaram vícios, como, por exemplo, o recurso primordial às urgências hospitalares, que resulta da perceção de uma menor eficácia dos centros de saúde.

Para Diogo Urjais, a explicação é, aparentemente, simples: "se for a um serviço de urgência e, mesmo que não tenha indicação de que o seu caso é de urgência, sair de lá com análises realizadas, com um exame qualquer pedido, o quê que vai acontecer da próxima vez? Vai recorrer precisamente ao serviço de urgência e isso é um sinal errado".

É uma questão de "literacia": "temos de perceber em quê que estamos a funcionar mal, onde temos de trabalhar em conjunto para que os cidadãos percebam que não há nenhuma necessidade de recorrer às urgências, porque não ganham nada com isso, muito pelo contrário", remata o presidente da USF-AN.

Diogo Urjais diz ser urgente aplicar a lógica da complementaridade entre cuidados de saúde primários e hospitais para evitar sobrecargas desnecessárias nos serviços e adaptar as respostas às necessidades específicas de cada região, sobretudo numa altura em que se aproxima a época da gripe e o Inverno cuja conjugação resulta numa das fases mais delicadas do calendário em matéria de cuidados de saúde.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+