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Estado Islâmico

Os irmãos Yasser e Ammar. O que já sabemos sobre os jihadistas que viveram quatro anos em Portugal

03 set, 2021 - 18:44 • Redação

Desde 2017 que os serviços de informação nacionais têm "debaixo de olho" os dois iraquianos. As denúnicas partiram de vítimas que estão radicadas em Portugal, mas viveram em Mossul na mesma altura em que a dupla praticou alguns crimes ao serviço do Estado Islâmico.

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A detenção ocorreu na quarta-feira e foi levada a cabo pela Unidade Nacional Contraterrorismo (UNCT) da Polícia Judiciária (PJ), que colaborou com o Ministério Público (DCIAP) na investigação. Foi o culminar de pelo menos três anos em que os dois irmãos estavam a ser seguidos e investigados pelas autoridades nacionais.

No tempo em que estão no nosso país arranjaram trabalho e integraram-se. Há suspeitas, contudo, de que pelo menos um deles pudesse estar envolvido no planeamento de ataques em países europeus. Portugal não seria um alvo.

Quem são os irmãos iraquianos detidos?

Os dois cidadãos iraquianos são irmãos e têm 32 e 34 anos. Segundo o jornal "Público" o mais novo, Yasser, será mais sociável. No nosso país, começou por trabalhar num restaurante e passou para o call center de uma empresa prestadora de serviços de um motor de busca.

Teve facilidade em aprender português, fez amizades, e começou a namorar.

Já Ammar, de 34 anos, teve mais dificuldade em adaptar-se ao país. Ainda tem dificuldades com o português. "Trabalhou dois anos numa empresa digital, revendo fotografias, vídeos e textos que violassem termos de uso. E meio ano numa plataforma digital de distribuição de comida, gerindo contas. Ficou desempregado no Verão de 2020 e desde então parecia ainda mais perdido do que o costume", escreve o mesmo jornal.

Viviam os dois numa habitação na Grande Lisboa.

Como e porque é que vieram para Portugal?

Entraram no país em março de 2017. Saíram de Mossul, a terceira maior cidade do Iraque e antigo bastião do Estado Islâmico, um ano antes. Foram de carro até Idlib, na Síria, e daí seguiram a viagem a pé para a fronteira com a Turquia.

Seguiu-se uma nova etapa que passou por Istambul, onde terão sido apanhados pela polícia e conduzidos a Esmirna, na costa do Mar Egeu.

Num barco a abarrotar chegaram a Lesbos, na Grécia.

Os dois falam bem inglês, e por isso voluntariam-se como intérpretes e mediadores culturais, auxiliando técnicos de organizações internacionais fazendo a ponte com requerentes de asilo. Foi de lá que, através da Unidade de Asilo Grega, pediram para entrar Portugal, em setembro de 2016.

Não havia indícios anteriores ao pedido de acolhimento?

Segundo o Público, até à data da sua chegada a Portugal nenhuma suspeita pairava sobre os irmãos.

Segundo o mesmo jornal, sem qualquer sinal de situações que constituíssem “um perigo para a segurança nacional ou para a ordem pública”, a então directora do SEF, Cristina Gatões, acolheu os requerimentos. E, em março de 2017, os irmãos puderam aterrar em Portugal e receber autorizações de residência provisória.

Como é que as autoridades suspeitaram desta dupla?

Em julho de 2017, na Delegação Regional de Leiria da PJ, um cidadão iraquiano denunciou-os como sendo militantes do Estado Islâmico. Afirmava que Ammar ocupara um lugar de algum destaque em Mossul. O SEF partilhou essa informação com a Polícia Judiciária, que abriu um inquérito.

Três meses depois, em Outubro, o Serviço de Informação e Segurança (SIS), através da cooperação internacional com outras polícias, soube que quatro indivíduos do Estado Islâmico estariam decididos a cometer um ataque na Alemanha.

Foi feita a associação aos dois irmãos. As autoridades nacionais começaram a considerar que Ammar poderia constituir um risco para a segurança interna da Europa.

E o que fizeram as forças policias portuguesas?

Um relatório de informação do SIS, de novembro de 2018, já revelava que Ammar seria “um risco para a segurança interna”. Nesse relatório – que continua classificado–, o SIS dá conta de uma possível ligação ao Estado Islâmico e um provável ataque terrorista num país da Europa.

Definia o irmão mais velho como tendo um “comportamento hostil” dizendo que recusava "a integração na sociedade portuguesa”.

As autoridades policias portuguesas têm enfatizado a dificuldade em obter informações e colaborar com os órgãos de investigação no Iraque.

Segundo o "Expresso", apesar de terem interposto um pedido de asilo, este nunca chegou a ser concluído, não lhes tendo sido atribuído por Portugal o estatuto de refugiados. “Os timings e os prazos do processo de proteção humanitária foram sendo articulados de acordo com o interesse da investigação”, escreve o mesmo jornal, que acrescenta que a ideia era de reduzir a mobilidade dos iraquianos por ausência de documentação definitiva.

Planeavam algum ataque em território nacional?

Manuela Santos, diretora da Unidade Nacional Contra Terrorismo da Polícia Judiciária, garante não haver qualquer indício de crimes praticados em Portugal. “No território nacional, não há notícia de atividade criminosa”, disse. “Temos a indicação de que participaram em ações no Iraque”, avança.

Do que é que são acusados?

Estão indiciados pela “prática de crimes de adesão e apoio a organização terrorista internacional, de terrorismo internacional, e contra a humanidade”. “As provas recolhidas indiciam que os dois homens assumiram distintas posições na estrutura do ISIS/Daesh” e estão também sob investigação das autoridades judiciárias iraquianas.

O que é que se sabe do que faziam estes dois homens em Mossul?

Estes dois suspeitos terão estado em Mossul em 2016 e os elementos recolhidos indicam que pertenciam às fileiras das milícias do Estado Islâmico . A investigação já identificou algumas ações violentas concretas dos suspeitos, como por exemplo, espancamentos que foram levados a cabo pelos dois irmãos no Iraque .

“Temos ações concretas [de agressões] já identificadas, mas não são essas que relevam para este fim. Só o facto de aderirem à organização terrorista já é sinalizado nos termos da nossa lei contra terrorista”, explicou ao "Observador" a diretora da UNCT.

A prova recolhida durante as buscas realizadas permitiu perceber que os “dois indivíduos assumiram distintas posições na estrutura do Daesh”.

O que determinou o juiz de instrução?

Vão ficar em prisão preventiva por decisão do juiz de instrução criminal.

Qual será a estratégia da defesa dos irmãos iraquianos?

O advogado Varela de Matos anunciou esta sexta-feira que vai recorrer ao Tribunal da Relação da medida de coação de prisão preventiva. "Negaram as acusações de pertencerem ao Daesh. Estão ansiosos, preocupados, estão integrados na sociedade e recusam a pertença a qualquer associação terrorista", sublinhou o representante legal dos iraquianos.

Qual tem sido a postura das autoridades iraquianas?

Há um pedido de extradição por parte do Ministério Público da República do Iraque, país onde há pena de morte. Aquele país enviou uma carta rogatória da República do Iraque dirigida à organização das Nações Unidas especializada pela responsabilização de pessoas ligadas a essa organização terrorista

E poderão ser extraditados?

Existe uma salvaguarda no ordenamento jurídico português de que uma pessoa nunca poderá ser extraditada para um país onde em teoria lhe possa ser aplicada a pena de morte.

“Há essa salvaguarda para eles. A constituição portuguesa proíbe a extradição de qualquer cidadão para um país onde em teoria lhe seja aplicada pena de morte”, afirmou o advogado Varela de Matos.


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