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Casamentos violam recolher obrigatório? Governo não esclarece e empresários confirmam festas fora de horas

22 jul, 2021 - 08:54 • Beatriz Lopes , João Cunha

De acordo com a lei, os concelhos de elevado risco devem respeitar o dever de recolhimento a partir das 23h00, mas a lei não esclarece se os casamentos são uma exceção. Médicos de saúde pública alertam que eventos familiares têm sido responsáveis por "um número relevante de casos" e pedem "regras mais claras".

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O setor dos casamentos não está a respeitar a norma do recolhimento obrigatório a partir das 23h00. Apesar de a medida estar em vigor em 90 concelhos devido à atual pandemia, muitas festas de casamento prolongam-se fora de horas.

À Renascença, o presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Congressos, Animação Turística e Eventos (APECATE), António Marques Vidal, confirma que os casamentos têm decorrido sem restrições de horário, alegando que "a lei não é clara".

"Em teoria, o espaço deveria fechar. Mas, na prática, há um vazio que não está claro. A própria lei não esclarece e, até hoje, essa questão nunca nos foi colocada, portanto, há aqui um vazio de entendimento. Na prática, o que tem acontecido é que cumprindo aquelas regras, os casamentos prolongam-se mais", sublinha.

Nesta altura, sublinha o presidente da APECATE, o setor dos casamentos tem de cumprir regras como "a testagem obrigatória, a limitação de pessoas por sala e a proibição de danças", mas "não há nenhuma lei que imponha que um casamento tem de acabar às 23h00", alerta.


Casamento na Estufa Fria até às 03h00. Empresa garante que leis foram respeitadas

Ao contrário do que se possa pensar, as festas de casamento fora de horas não têm ocorrido apenas em quintas remotas. Ao que a Renascença apurou, no passado sábado, a 17 de julho, uma festa de casamento na Estufa Fria, em Lisboa, com 167 convidados, prolongou-se até cerca das três da manhã.

À Renascença, José Eduardo Sampaio, presidente da Casa do Marquês, entidade que gere o espaço de eventos, descarta responsabilidades e defende que todas as leis foram respeitadas.

"A liberdade de circulação das pessoas não compete a quem organiza eventos. Nós só somos responsáveis por aquilo que acontece dentro do espaço. E, nesse sentido, nós respeitámos as regras. A partir desse momento, quem tem de prestar contas são os cidadãos que tomam as decisões que entendem".

José Eduardo Sampaio questiona ainda: "Será que o vírus explode a partir das 22h30 ou 23h00? Ele está adormecido e chega a essa hora e começa a infetar toda a gente? Penso que é altura de pararmos um bocadinho, procurarmos construir em vez de constantemente estarmos a destruir."

O presidente da Casa do Marquês garante ainda que, "como é habitual, a Câmara Municipal de Lisboa foi informada da realização do evento através de e-mail".

Já a CML, proprietária da Estufa Fria, esclarece à Renascença que, sendo o espaço concessionado, apenas é informada, não lhe cabendo autorizar o evento. "A exploração do espaço é da inteira responsabilidade do concessionário que informa a CML da realização do evento", esclarece.


Polícia empurra esclarecimentos para a DGS. Governo nada esclarece

Perante as dúvidas dos empresários e a ausência de respostas, a Renascença procurou saber junto da Polícia de Segurança Pública (PSP), das autoridades de saúde e do governo se as festas de casamento têm ou não alguma exceção na lei que permita que as festas entrem pela madrugada, apesar do recolher obrigatório. Até ao momento, não há uma resposta clara das autoridades.

Em comunicado, a PSP diz desconhecer que haja limitação de horários para a realização de casamentos. " Da legislação em vigor não se afigura resultar claramente haver uma janela temporal em que os eventos referidos possam ocorrer ou, de outra forma, um limite horário a partir do qual o evento não possa decorrer".

Ou seja, para a polícia, as festas de casamento podem ser uma exceção ao dever de recolhimento a partir das 23h00. No entanto, a PSP sugere "contacto com a Direção Geral da Saúde para esclarecer os termos de licenciamento dos eventos".

Contactada pela Renascença, a DGS alega que não lhe cabe decidir nem fiscalizar e remete para o governo.

Desde o início da semana, a Renascença contactou o Ministério da Saúde, o Ministério da Presidência e o Ministério da Administração Interna, mas, até ao momento, nenhum soube justificar o que permite que as festas de casamento não cumpram as normas.


"Lei é para todos", avisa especialista. Médicos de saúde pública pedem regras mais claras

Na opinião de Paulo Otero, especialista em Direito Administrativo, a obrigatoriedade de recolher obrigatório a partir das 23h00 abrange as festividades de casamento, devendo a lei ser igual para todos.

"Se as pessoas não podem estar em restaurantes, se as pessoas não podem estar em sítios que têm um número muito mais reduzido de pessoas, por maioria de razão, não poderão estar em casamentos onde o recolher obrigatório às 23h se impõe a todos os cidadãos", sustenta.

Já o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia, alerta que eventos como casamentos estão na origem de muitos surtos de Covid-19 e defende, por isso, que o governo deve ser mais claro na legislação.

"Há necessidade de criar regras mais claras para os eventos de massa. Sabemos que esses eventos têm sido responsáveis por algumas cadeias de transmissão com um número relevante de casos. E, portanto, era absolutamente fundamental que essas regras se tornassem claras para que todos os operadores económicos pudessem saber o que devem cumprir e até para promover alguma equidade com outras atividades, por exemplo no âmbito da restauração, e que têm regras diferentes".

O presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde sublinha que só com regras mais claras é que será possível "conter o número de casos" e permitir que "os eventos possam funcionar nas melhores condições de segurança".

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