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Cultura

Lento recomeçar na Cultura. "Estamos a faturar cerca de 10% do que faturávamos"

17 jun, 2021 - 13:13 • Vítor Mesquita

Um ator regressa ao palcos depois de mais de um ano a decidir que contas pagaria primeiro. Uma empresa de som e luz com tudo apagado e que agora se levanta. Numa altura em que a Cultura dá os primeiros passos no regresso à atividade, com concertos, teatro, dança e outros eventos, a Renascença lança um olhar sobre meses de dificuldade que demoram a ser ultrapassados.

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Imagem de um protesto em Lisboa do setor artístico durante a pandemia. Foto: Rodrigo Antunes/Lusa
Imagem de um protesto em Lisboa do setor artístico durante a pandemia. Foto: Rodrigo Antunes/Lusa
Foto: Mário Cruz/Lusa
Foto: Mário Cruz/Lusa

Malas em cima de malas, está tudo alinhado. Os cabos estão pendurados na parede do armazém, as luzes apagadas. O único ruído vem das empresas ao lado. Não há funcionários nas instalações. “Estão todos a trabalhar”, refere o empresário Nuno Ribeiro.

É o proprietário da AudioRent, empresa de aluguer e venda de equipamento audiovisual, que, apesar do regresso à atividade, está ainda longe do ritmo de 2019. Habituado a realizar eventos como concertos, festivais como o Serralves em Festa, espetáculos de dança, a festa de um conhecido hipermercado e congressos, não sente ainda um grande impacto.

"Nós estamos a faturar cerca de 10% do que faturávamos. E neste momento não me interessa sequer a faturação, interessa-me continuar a ser sustentável”, afirma.

Em 15 anos, o único em que registou prejuízos foi 2020. Nuno Ribeiro aderiu aos apoios do Estado, definiu com os trabalhadores um corte salarial enquanto estavam em casa. Não ter dívidas foi um trunfo para a empresa, apesar do choque da paragem. "Nós já tínhamos cerca de um milhão de euros de trabalho marcado. O país fechou dia 15 e nós no dia 8 já tínhamos fechado devido ao cancelamento de todos os trabalhos".

Ainda assim, a estratégia passou por manter os dez funcionários, com Nuno Ribeiro a admitir contratar um outro. "Nós mantivemos os postos de trabalho todos. Estivemos em lay-off, pagámos o ordenado a 100% e ainda continuamos a fazê-lo. Estamos até a pensar em contratar outra pessoa".

O empresário acrescenta que, "quando há momentos menos bons, surgem sempre oportunidades. Como muitas empresas despediram muitos técnicos é uma oportunidade para se ir buscar profissionais qualificados, o que nem sempre é fácil".

O próximo grande trabalho da empresa é o Festival ao Largo, em Lisboa. O que tem surgido e consegue aceitar traz a necessidade de mão de obra. "Estamos a fazer um evento para a Companhia Nacional de Bailado, em Mértola e um Congresso para o IPO, na Fundação Dr. António Cupertino de Miranda, no Porto. No entanto, na semana passada, não tivemos qualquer trabalho. Para Mértola houve necessidade de contratar mais duas pessoas", conta.

Profissionais que aguardam um contacto de empresas como a AudioRent para regressar a ativo, depois de mais de um ano de paragem, que deixou marcas. Nuno Ribeiro nota, por exemplo, que houve alterações nos funcionários, em termos motores. "Nesta fase de arranque, quem esteve mais de um ano em casa não está tão rotinado, está mais desorganizado. Nós fomos para Mértola trabalhar um dia antes do que seria habitual. Tudo por uma questão de organização, para as pessoas terem tempo, porque estiveram paradas".

O empresário prevê “alguma dificuldade nas empresas que têm que pagar as suas dívidas, nomeadamente, quando começar o pagamento das moratórias”. Acrescenta um outro receio, após identificar o que classifica de concorrência desleal. Nuno Ribeiro teme que a necessidade de faturação de muitas empresas em dificuldade leve a uma baixa de preços, que torne o mercado insustentável e impossibilite concorrer a trabalhos em condições que permitam tornar o negócio sustentável

"Mais mantas" para poupar na eletricidade

O ator Rui Spranger prepara-se para a estreia de uma peça em Matosinhos, "Namoro a Quatro, Pessoa Ophélia, Álvaro e Íbis, de Teresa Rita Lopes", de 17 a 20 de junho, na Sala da A.R. Aurora da Liberdade. Um trabalho que chega depois de um ano quase no vazio.

"No ano passado, quando veio a pandemia, os meus dois únicos meses de trabalho, abril e maio, foram à vida. Isso é sempre uma incerteza." Apesar de reconhecer que os últimos apoios do Governo permitiram respirar um pouco melhor, lembra que o problema da intermitência continua a ser um entrave.

A pandemia acabou por dar-lhe mais visibilidade, mas o ator considera que a emergência é inimiga de uma solução eficaz. Rui Spranger conta que "ia fazer um trabalho em julho, e caiu. Há uma dificuldade enorme com os espaços, muitos projetos à procura de espaços, que são poucos, é uma lotaria". Acrescenta que o problema é como vai ser para o ano. Acabou por haver um reconhecimento de que a produção, o que existe com qualidade no país, é muito superior ao que costumavam ser os apoios que o Estado dava", mas a incerteza prevalece.

Dúvidas diferentes teve no início da pandemia. A Covid-19 obrigou a uma estratégia que impedisse uma queda descontrolada no fosso da orquestra. "Felizmente, ainda tenho a possibilidade de ter uma renda relativamente baixa. Depois tenho família que me apoiou na fase inicial. Em casa as despesas reduziram, aumentaram na eletricidade. Foi preciso ter cuidado, usaram-se mais mantas. Vive-se na corda-bamba. Quando desconfinamos fui tendo algum trabalho e as coisas começaram a compor-se", revela

Entre confinamentos e desconfinamentos, "havia uns meses em que tinha que optar e decidir que contas iria pagar no momento e as que deixaria para pagar mais à frente. Felizmente, acho que em breve vou conseguir pagar as dívidas. Mas sei que há colegas que continuam com enormes dificuldades. Eu sei, eu vejo, recebo na associação as dificuldades das pessoas. Há muitos colegas que se vão aguentado graças aos cabazes da União Audiovisual e da Segurança Social. Tive sorte, há projetos do ano passado que estão a acontecer agora, tenho trabalhos até outubro, depois daí é a incógnita total".

A associação de que fala Spranger é a Apuro - Associação Cultural e Filantrópica, da qual é fundador e diretor criativo. Desde 2012 apoia artistas em situação de intermitência.

"Neste momento continuamos a apoiar, há maior folga financeira. Tivemos o apoio do Fundo de Solidariedade com a Cultura. Veio esse dinheiro, tivemos outros donativos. Neste momento estamos com dez processos. Os apoios podem ir dos 150 aos 300 euros por mês. Fazemos também encaminhamento de situações de dificuldade para a Segurança Social, prestamos ainda apoio jurídico, ajudamos colegas com as candidaturas a apoios. No ano passado apoiámos cerca de 50 pessoas, técnicos, produtores, pessoas da área do espetáculo, daria também para assistentes de sala, todas as pessoas que estão nesta situação de intermitência". Profissionais que ainda não recuperaram da queda.

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