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“Se põem essa taxa, menos jornais se vão vender”

07 jun, 2021 - 17:52 • Liliana Carona , Cristina Branco , Filipe d'Avillez

A decisão da distribuidora Vasp de impor uma nova taxa é encarada como uma machadada no negócio dos vendedores de jornais e revistas.

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A empresa distribuidora de publicações Vasp anunciou que face "às quebras de vendas na imprensa e sem resposta por parte do governo", vai cobrar a partir de julho uma taxa aos quiosques pela distribuição de jornais e revistas.

Na região interior, onde segundo a Vasp, as quebras são maiores, os proprietários de quiosques e papelarias já acusam há vários anos dificuldades em vender jornais e em Viseu, cidade que tem um único quiosque tradicional, o anúncio de uma taxa é uma má notícia.

“Mil folhas, já não há”, aponta Maria das Dores, 57 anos, para a vitrine que divide atenções com os jornais. Carlos Guimarães, 70 anos, revela que só lê o “Correio da Manhã” para fazer palavras cruzadas, acrescentando que “é um jornal com ação”.

É meio-dia e ainda há jornais para vender, mas Maria das Dores não está confiante. “Se até ao meio-dia não os vender, já não os vendo, mas também se vendesse só jornais, era melhor ir para casa”, considera, mostrando-se preocupada com a anúncio de uma taxa cobrada pela Vasp. “Já vai ser mais complicado, os jornais já não dão muito lucro, se vem mais uma taxa, não vai ser fácil, é só taxas e mais taxas”, adivinha a responsável do Quiosque da S. José, que Maria das Dores garante ter sido o único que sobreviveu à passagem do tempo naquela cidade. “Já se vendeu mais. Vendo os jornais da cidade, os desportivos e o ‘Correio da Manhã’”, assume.

Previsto pela Vasp está a cobrança de um porte diário de 1,50 € nas entregas realizadas de segunda a sábado e 1€ nas entregas de domingo, mais IVA. Eduardo Cardoso, 70 anos, da Papelaria Prelúdio, fundada em 1991, não acredita que a taxa seja implementada. “Penso que será muito difícil as pessoas aderirem ao pagamento de mais 1,50€ quando os jornais já são caríssimos e há muita dificuldade em vender jornais, se põem essa taxa, menos se vão vender. As pessoas vão à internet e têm todas as informações que querem. Hoje passam-se dias que quase não vendemos jornais, devia ser o contrário, as pessoas mais tempo em casa, lerem mais, mas não, é o contrário”, lamenta.

No Quiosque da Paróquia de S. José, Maria das Dores, pede cada vez menos jornais, meia dúzia de cada título, mas mesmo assim ainda sobram. Já não compram tanto como antigamente, a internet, as redes sociais, a juventude não compra, os mais velhos é que compram”, conclui.

Na internet está uma petição pública com quase duas mil assinaturas e onde se pode ler o apelo: “não podemos concordar com os custos de transporte diários que a Vasp nos quer imputar. Um porte diário de 1.50€ nas entregas realizadas de segunda a sábado e 1.00€ nas entregas de domingo, (acrescendo o IVA à taxa legal em vigor), são custos que não podemos suportar. O transporte das publicações não é efetuado nas melhores condições, muitas publicações chegam danificadas ou simplesmente não chegam aos estabelecimentos. Vendedores de jornais e revistas, os nossos soldados de papel que estiveram na linha da frente e que agora a Vasp quer matar”.

A Vasp, empresa dedicada à distribuição de publicações, surgiu em fevereiro de 1975 e a origem ficou relacionada com as dificuldades sentidas pelo semanário “Expresso” (atualmente o jornal de maior circulação em Portugal) na sua distribuição.

Menos jornais, mais "fake news"

E a Associação Portuguesa de Imprensa manifesta grande preocupação com a decisão da VASP passar a cobrar a distribuição de jornais e revistas.

João Palmeiro lamenta que o Governo não tenha atendido ao pedido de apoio à distribuição já apresentado e antevê uma diminuição no acesso dos cidadãos à aquisição de títulos: “Durante o ano passado, quando nós propusemos ao Governo medidas de apoio ao setor, chamámos a atenção para que as medidas de apoio incluíssem a distribuição. É uma preocupação muito grande para nós ver que haja uma diminuição na capacidade de acesso dos cidadãos à aquisição de jornais e revistas.”

João Palmeiro fala em desilusão com a forma como o Governo não manifesta o devido interesse: “Eu diria que acima de tudo esta não-preocupação direta com aquilo que se está a passar na distribuição está a criar uma desilusão e um sentimento de frustração muito grande”.

A Associação Portuguesa de Imprensa deixa um alerta: o menor acesso a jornais e revistas nos pontos de venda pode contribuir para uma maior procura digital onde prolifera a desinformação e o fenómeno das fake news’: “Alguém que vai à procura do seu jornal, não encontra o ponto de venda, ou o ponto de venda deixou de vender jornais, à terceira vez já não vai comprar o jornal.”

“Hoje em dia tem alternativas digitais, até, e infelizmente, como todos sabemos, muito mais sujeitas a questões relacionadas com a desinformação e o tráfego de notícias falsas, que acabam por substituir essa necessidade que as pessoas têm de obter uma informação a partir de títulos em que acreditam”, conclui.

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