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Projeto Rede CARE

APAV apoiou cerca de 1.600 crianças vítimas de violência sexual nos últimos cinco anos

27 abr, 2021 - 01:00 • Lusa

Relatório da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima constata, ainda, que o uso prolongado da internet, tanto no ensino à distância como para falar com os amigos, deixou as crianças e jovens mais expostos a crimes sexuais online e a agressores que aproveitaram a menor supervisão parental.

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Quase 1.600 crianças que foram alvo de violência sexual receberam ajuda da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) nos últimos cinco anos, sobretudo raparigas entre os 8 e os 17 anos, na maior parte vítimas de abuso sexual.

Segundo os dados mais recentes do projeto Rede CARE – Apoio a Crianças e Jovens Vítimas de Violência Sexual, a que a Lusa teve acesso, 1.599 crianças tiveram o apoio especializado da APAV nos últimos cinco anos, 432 delas em 2020, um número que foi sempre aumentando anualmente desde a criação da rede em 2016.

Nesse primeiro ano foram apoiadas 195 crianças e jovens, tendo o número aumentado para 251 em 2017, 304 em 2018, 417 em 2019 e 432 em 2020, o que significa que entre 2016 e 2020 o número de crianças ajudadas pela APAV através deste projeto aumentou quase 122%.

Em declarações à agência Lusa, a coordenadora da rede explicou que, apesar de os crimes de natureza sexual não serem os mais reportados, continuam a ser crimes com “impacto muito significativo não só nas crianças e jovens, mas também nas famílias”, defendendo, no entanto, que estes números demonstram uma maior consciencialização para o problema.

“Passa-se aqui também uma maior sensibilização para esta problemática e uma quebra de barreiras porque normalmente estamos a falar de uma situação de violência muito vetada ao segredo e à manutenção dentro do círculo mais restrito possível”, apontou Carla Ferreira, justificando que o aumento no número de crianças apoiadas resulta do trabalho de prevenção feito ao longo destes cinco anos.

Por outro lado, apontou que o facto de as crianças e jovens terem ficado mais tempo em casa, na sequência do confinamento por causa da Covid-19, e mais ligadas à internet, também pode explicar o aumento do número de casos sobretudo por causa de crimes como pornografia de menores ou aliciamento de menores para fins sexuais.

A responsável sublinhou que se trata de um fenómeno que “continua e vai continuar a acontecer”, e que, frequentemente é perpetrado por pessoas que a criança conhece, “a maior parte das vezes dentro da própria família”.

Os dados da APAV mostram que em 51% dos casos, a situação de violência sexual aconteceu dentro da família, sendo que dentro desta percentagem estão casos em que o autor da agressão foi o pai ou a mãe (18,5%), padrasto ou madrasta (12%), avô ou avó (4,6%), tio ou tia (5,3%), irmão ou irmã (2,3%) ou outro familiar (8,2%).

Mesmo quando a agressão se passou fora do seio familiar, o que aconteceu em 40,8% dos casos que chegaram à APAV, houve 12,4% situações em que o agressor era conhecido da criança ou jovem vítimas.

O perfil feito pela APAV mostra que em 79,8% dos casos a vítima era do sexo feminino, contra 19% em que eram rapazes, sendo que em 90,5% dos casos os agressores eram homens.

Confinamento ligado à internet aumentou risco de crimes sexuais contra menores

O relatório da APAV constata, por outro lado, que o uso prolongado da internet, tanto no ensino à distância como para falar com os amigos, deixou as crianças e jovens mais expostos a crimes sexuais online e a agressores que aproveitaram a menor supervisão parental.

Em declarações à agência Lusa, a coordenadora da Rede CARE apontou como uma das razões para esse aumento o facto de as crianças e jovens terem ficado mais tempo em casa, na sequência do confinamento por causa da Covid-19, e mais ligadas à internet.

“Não vamos diabolizar a internet porque tem sido muito útil nestes períodos, quer para o ensino quer para manter contacto com a família e os amigos, mas de facto há uma maior exposição a este contexto que se não for supervisionado pode ser de risco”, apontou Carla Ferreira, acrescentando que foi percecionado “um crescendo das situações acontecidas no contexto online”.

A responsável apontou que se as crianças estão mais tempo ligadas à internet, seja para estudar ou para estar em contacto com os amigos - atividades que normalmente fariam presencialmente, em contexto de escola – “o risco é maior” desde logo por uma eventual menor supervisão parental.

“Quer porque os pais não fazem ideia de como fazer essa supervisão, quer porque, por exemplo, os pais estão a trabalhar em casa e ou estão a trabalhar ou a supervisionar”, salientou.

Carla Ferreira sublinhou que os crimes online não são uma novidade gerada pelo confinamento por causa da pandemia da Covid-19, mas admite que este contexto tenha provocado uma “maior precipitação” na ocorrência deste fenómeno.

“Este crescendo foi mais acentuado e se calhar seria mais gradual e teve a ver com o aproveitamento de vários fatores de risco: quem pratica aproveita-se da menor supervisão, e de maior proximidade com a vítima para iniciar e manter a situação”, explicou a responsável.

De acordo com a coordenadora da Rede CARE, a APAV identificou sobretudo dois tipos de fenómenos dentro dos crimes através da internet: a pornografia e o aliciamento de menores.

Carla Ferreira explicou que há situações de partilha de imagens das crianças e jovens, às vezes feitas pelas próprias, em que as imagens são partilhadas, num primeiro momento apenas com uma pessoa, mas depois de forma massiva nas redes sociais.

Foram também identificados casos de ‘sextortion’, ou seja, quando são enviadas imagens de natureza sexual a pedido de alguém e depois esse alguém ameaça divulgá-las se a criança ou jovem não lhe enviar mais imagens ou até dinheiro.

Além destes casos, há ainda situações de aliciamento, em que é feito contacto com a criança e rapidamente são descobertas as rotinas do menor e os sítios que frequenta para ser tentado um contacto presencial ou envio de imagens e o aliciamento para algo de natureza sexual.

A responsável adiantou, por outro lado, que a APAV tem vindo a trabalhar, e espera conseguir implementar nos próximos meses, um projeto de “prevenção estruturada e universal” desde o pré-escolar ao ensino secundário e profissional.

Carla Ferreira defendeu que é importante começar a prevenção o mais cedo possível porque isso vai evitar não só vítimas, mas também potenciais situações de agressão.

“Vai ensinar competências, dotar as crianças e jovens de noções mais claras sobre o que é violência e violência sexual, que comportamentos se podem ou não ter e a prevenção é fundamental porque não previne apenas a existência de vítimas, também previne potenciais situações de agressão”, sublinhou.

De acordo com a responsável, este programa estará adaptado a cada grau de ensino e tem como objetivo “dotar as crianças de competências para identificar situações abusivas”, de modo que essas situações terminem o mais rápido possível e não se prolonguem no tempo.

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