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Espaço Júlia RIAV

Maioria dos idosos que pedem ajuda são vítimas de violência doméstica por parte dos filhos

11 abr, 2021 - 15:08 • Lusa

"Os idosos são as vítimas mais difíceis porque há uma grande culpa" e questionamento sobre terem errado na educação dos filhos, o que faz com que tenham "muita dificuldade em denunciar" a violência de que são alvo, revela a responsável pelo Espaço Júlia, Inês Carrolo.

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A maioria dos idosos que chegam ao Espaço Júlia RIAV (Resposta Integrada de Apoio à Vítima), em Lisboa, são vítimas de violência doméstica por parte dos filhos, confirmaram os responsáveis pelo equipamento.

Por essa razão, a responsável pelo Espaço Júlia, Inês Carrolo, afirmou, em declarações à agência Lusa, que "os idosos são as vítimas mais difíceis porque há uma grande culpa" e questionamento sobre terem errado na educação dos filhos, o que faz com que tenham "muita dificuldade em denunciar" a violência de que são alvo.

O chefe João Dias, da 1.ª Divisão da PSP, revelou que, se os filhos forem também os seus cuidadores, surgem novas questões para os idosos como: "Se eu sair daqui para onde é que eu vou? Quem vai tomar conta de mim?".

No Espaço Júlia, o número de denúncias de violência doméstica a idosos diminuiu quase 7% em 2020 face a 2019, de acordo com dados fornecidos pela instituição.

Durante o último ano, 27 pessoas com mais de 65 anos recorreram às instalações na Alameda de Santo António dos Capuchos, em comparação com 29 no ano anterior.

Estes números não incluem as pessoas que recorreram ao equipamento já com processos em desenvolvimento.

A PSP verificou que este tipo de denúncias aumentou com a crise, mais particularmente a partir de 2012 devido à intervenção da "Troika" no país.

"Muitas famílias perderam a casa e os idosos acolheram os seus filhos e netos. Muitas vezes, com três gerações juntas, a única fonte de rendimento é a pensão do idoso. Em casas pequenas, o clima foi-se agravando", explicou João Dias.

Já foram muitos os casos a passarem por este ponto de atendimento especializado e incontáveis marcas de agressão, desde marcas de pontapés em que "a bota ficou marcada na perna" até a arranhões no braço.

João Dias adiantou que é importante perceber que, no caso de pessoas com mais de 65 anos, "um simples empurrão pode provocar a queda e a fratura de um osso, e em pouco tempo a sua morte".

Entre os muitos casos que lhe passaram pelas mãos, Inês Carrolo lembrou o de uma mulher que lhe pediu para não baterem no filho enquanto outras que dizem que os "perdoam por ajudarmos a prendê-los", sublinhando que são testemunhos que "marcam muito" a equipa.

"Muitas vezes essas pessoas [idosas] chegam aqui e aquilo que querem é que a polícia ralhe com eles [agressores]", sejam os filhos ou companheiros, "e falam quase em confidência", contou João Dias, sublinhando a importância de falar sobre o que lhes está a acontecer e tentar desconstruir a situação.

Ao contrário do que acontece com vítimas mais novas, a maior parte dos idosos, depois de realizada a denúncia, querem voltar para casa, onde estiveram a vida toda.

São, por isso, casos excecionais os das vítimas que vão para lares, até porque os técnicos e a PSP procuram respostas na comunidade.

"Não fazemos nada que a vítima não queira, é o primeiro princípio: o da autonomia da vontade", sintetizou a responsável pelo equipamento.

Inaugurado no dia 24 de julho de 2015, o Espaço Júlia integra técnicos de apoio à vítima da Freguesia de Santo António e agentes da PSP, em parceria com o Centro Hospitalar de Lisboa Central. .

O próprio nome do equipamento é uma homenagem a Júlia, idosa que vivia nesta mesma rua e que no dia 25 de setembro de 2011, aos 77 anos, num ato de violência doméstica, foi assassinada pelo marido, com quem estava casada há mais de 30 anos.

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