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Notícia Renascença

Comissão de proteção de dados abre inquérito a autarquias por violação de sigilo de doentes com Covid-19

23 abr, 2020 - 19:48 • Liliana Monteiro

Cidadãos infetados queixaram-se de ver "os seus dados pessoais, incluindo de crianças, expostos nas páginas e nas redes sociais da responsabilidade da autarquia local, após a confirmação do diagnóstico" de Covid-19. Comissão de Proteção de Dados divulga nota que deixa recado a municípios e autoridades policiais.

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A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) recebeu várias queixas de cidadãos que consideram que o seu direito à privacidade foi divulgado pela publicação de dados de infetados por Covid-19 por parte das câmaras municipais.

De acordo com o que um responsável da CNPD disse à Renascença, e também com o que foi publicado numa nota da CNPD, têm chegado àquela comissão “queixas de cidadãos que veem os seus dados pessoais, de identificação e contacto, incluindo de crianças, expostos nas páginas e nas redes sociais da responsabilidade da autarquia local, após a confirmação do diagnóstico de Covid-19”.

Perante as queixas, a CNPD decidiu abrir processos por cada queixa recebida, tal como está legalmente previsto.

Fonte da CNPD diz à Renascença que não pode adiantar quantos são os processos na totalidade, mas sublinha que as queixas têm sido “muito frequentes”. Segue-se agora o procedimento normal de verificação dos factos e obtenção de prova que deverão levar ainda algum tempo. No final dessa averiguação, a queixa que não tiver provimento será arquivada, já as que ficarem provadas podem culminar com contraordenações que podem ir da simples advertência à coima do município.

Na nota divulgada na página oficial, a Comissão de Proteção Nacional de Dados diz também que, pelo menos num dos casos foi também identificada a etnia do doente. A mesma nota também acrescenta que “algumas autarquias locais não expõem os dados pessoais dos infetados, mas disponibilizam informação discriminada por freguesia, sem acautelarem o diminuto número de casos, os quais facilmente reconduzem, especialmente em pequenas localidades, à identificação dos doentes”

É o caso, por exemplo, da Câmara de Alenquer, que deu conta no seu perfil no Facebook, de que foi contactada formalmente pela CNPD porque chegou a divulgar diariamente dados de infetados por freguesia, quando algumas freguesias tinham apenas um infetado, e identificando o local onde a pessoa em questão trabalha, ainda que não divulgasse o nome. Tratando-se de freguesias pequenas e numa zona rural, a pessoa era facilmente identificável pelos vizinhos.

Nas últimas semanas, outras autarquias e serviços locais de Proteção Civil também foram revelando detalhes sobre infetados em freguesias específicas nos seus boletins epidemiológicos diários, facilitando a identificação dos doentes com Covid-19 nessas localidades.

No caso de Alenquer, a autarquia deixou, entretanto, de divulgar esses dados que podem configurar violação do segredo estatístico. E passou a publicar a atualização diária dos números do concelho com o seguinte aviso.

“Após receção de contacto formal, indicando que a Comissão Nacional de Proteção de Dados se encontra a apresentar queixa-crime contra todos os municípios que divulguem informação detalhada abaixo dos três casos de infetados (por concelho ou freguesia), passaremos a mudar a nossa forma de apresentação de dados. Só serão divulgados dados desagregados por freguesia para as freguesias que tenham três ou mais casos positivos.”

Polémica vem de trás

Recorde-se que a divulgação de dados pelos municípios, sobretudo através das redes sociais, chegou a provocar uma polémica entre municípios e a ministra da Saúde.

Vários presidentes de câmara, como os de Chaves, Boticas e Valpaços, chegaram a acusar a ministra e a Direção-Geral da Saúde (DGS) de “censura” por terem emitido orientações às autoridades sanitárias no sentido de haver uma centralização de dados.

Marta Temido respondeu aos autarcas numa das conferências de imprensa diárias, explicando que o que tinha sido pedido era que houvesse maior preocupação com a divulgação de dados fidedignos. É importante ainda que cada região o faça respeitando as horas indicadas, para que não haja discrepâncias e que haja o cuidado de respeitar o segredo estatístico, o que nalguns casos de locais mais pequenos pode ser difícil, disse na altura a ministra.

Recomendações a municípios e forças de segurança

A CNPD, no seu site, relembra que “tanto os serviços de saúde da área, como as autoridades locais ou regionais de saúde, continuam obrigados a sigilo, seja por força das regras deontológicas a que estão sujeitos, seja pelas obrigações legais a que estão adstritos, de entre as quais se encontram as regras de proteção de dados”.

A mensagem da CNPD é dirigida às autarquias, mas também às forças de segurança. "Do mesmo modo, o legítimo conhecimento da identidade das pessoas sujeitas a isolamento profilático pelas forças de segurança está sujeito a sigilo", pode ler-se no documento.

Perante tais queixas de violação do dever de sigilo dos dados de quem é infetado pelo novo coronavírus, a Comissão Nacional de Proteção de Dados decidiu definir orientações de modo a garantir a conformidade da publicação da informação relativa à evolução da pandemia.

1- As autarquias locais não podem publicar dados de saúde com identificação das pessoas a quem os mesmos dizem respeito. Uma vez que tal ‘é suscetível de gerar ou promover a estigmatização e a discriminação’. É preciso acautelar ‘o impacto negativo que tem na vida das pessoas contaminadas – reitera-se, algumas das quais crianças –, com restrição excessiva dos seus direitos fundamentais’.

2- ‘não podem ser publicados dados de saúde, mesmo sem identificação dos doentes, quando o seu reduzido número numa determinada circunscrição territorial, em função da respetiva dimensão populacional, permita a identificação das pessoas contaminadas’. Sublinha ainda que ‘as autarquias locais, no âmbito da sua autonomia e do legítimo desempenho da sua missão de garantia da saúde e da proteção civil, se devem abster de adotar iniciativas que impliquem a recolha e a divulgação de dados pessoais’.

Estatísticas, um “bem público”

A lei do sistema estatístico diz que os dados “não podem ser divulgados de modo a que permitam a identificação direta ou indireta das pessoas singulares e coletivas”.

A lei considera também que pode haver exceções “quando estão em causa ponderosas razões de saúde pública”, desde que os dados sejam anonimizados e utilizados apenas para fins estatísticos. É o Conselho Superior de Estatística, liderado pelo presidente do Instituto Nacional de Estatística, que decide sobre pedidos específicos, “caso a caso” e “devidamente fundamentados” e apenas mediante autorização expressa do titular dos dados.

A violação do segredo estatístico é considerada contraordenação muito grave e pode ser punida com coimas de 1.000 a 100 mil euros no caso de pessoas coletivas e de 500 a 50 mil euros se o autor for pessoa singular. A negligência é punível por lei e, nesses casos, os montantes são reduzidos para metade.

“As estatísticas oficiais são consideradas um bem público”, lê-se na lei de 2008, e “a disponibilização das estatísticas oficiais deve ser efetuada de forma integrada, objetiva, oportuna e pontual, acompanhada da respetiva metainformação estatística e de outra informação de apoio à interpretação de resultados”.

A divulgação de dados também é regulada pela lei da proteção de dados pessoais, que implica penas para violação do dever de sigilo que podem ser de prisão até 1 ano ou multa de até 120 dias, com pena agravada para o dobro se o agente for trabalhador em funções publicas. A negligência é punível com os valores reduzidos para metade (até seis meses de prisão, multa de até 60 dias).

Já de acordo com o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), são legítimos os tratamentos de dados, sem consentimento, por "motivos de interesse público no domínio da saúde pública, tais como a proteção contra ameaças transfronteiriças graves para a saúde".

A DGS tem centralizado a divulgação de estatísticas sobre a Covid-19, embora algumas autoridades regionais de saúde e municípios tenham também publicado os seus próprios boletins e com informações díspares. O processo tem sido marcado por alguns erros e omissões nos dados apresentados diariamente. Desde que introduziu dados relativos a concelhos, a DGS indica que exclui municípios onde o número de infetados seja inferior a três.

A comunidade científica e os meios de comunicação social têm multiplicado pedidos de acesso a mais e melhor informação, à semelhança do que acontece noutros países, e reivindicado uma política de dados abertos que permita informar melhor as populações sobre a evolução da pandemia. A 11 de abril, a DGS disponibilizou um formulário para pedidos a divulgação de dados.

Comentários
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  • FIlipe
    23 abr, 2020 évora 21:23
    Mas depois andam com ideias da qual Hitler teria a maior inveja , tal como uma APP de localização de infetado e transmitir a terceiros que está infetado . Ou Portugal passou com o vírus a uma Anarquia ou está pior que a perseguição às bruxas . Talvez seja melhor é pegarem fogo a todas as antenas de telemóvel , não só às 5G .

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