03 mar, 2020 - 20:53 • Susana Madureira Martins, João Carlos Malta (com Lusa)
Há fortes indícios de abuso de poder na atribuição de processos em pelo menos três casos no Tribunal da Relação de Lisboa. E por essa razão, o Conselho Superior de Magistratura (CSM) decidiu por unanimidade a abertura processos disciplinares, como anunciou em conferência de imprensa, na tarde desta terça-feira, o presidente daquele órgão António Joaquim Piçarra.
Piçarra anunciou a instauração de processos disciplinares aos juízes desembargadores Luís Vaz das Neves, Orlando Nascimento [ex-presidentes do Tribunal da Relação de Lisboa] e Rui Gonçalves depois de ter sido detetados fortes indícios de abuso de poder e violação do dever de exclusividade.
O órgão de gestão e disciplina mandou averiguar se houve intervenção humana que adulterou o processo de distribuição eletrónica dos processos no tribunal da Relação de Lisboa.
Em conferência de imprensa, o presidente do CSM assumiu aos jornalistas que nunca viu uma situação destas nos tribunais, e que esperava mesmo nunca assistir a algo deste género. António Joaquim Piçarra assumiu que se trata de uma situação de gravidade extrema que coloca em causa um dos pilares do estado de direito, mas que por outro lado também demonstrou que nem tudo está mal no sistema.
“Isto é de uma gravidade extrema e afeta a credibilidade de todo o sistema de justiça, põe em causa um dos pilares do estado de direito, mas não deixa de revelar algo de positivo: o sistema funciona”, valorizou Piçarra.
Orlando Nascimento
Renúncia foi divulgada pelo presidente do Conselho(...)
Para este magistrado ficou demonstrado que a arquitetura legal consegue detetar estas irregularidades, e que foi possível ao Conselho Superior da Magistratura agir e atuar com as armas que tem disponíveis: o exercício da ação disciplinar.
Vaz das Neves na berlinda
Questionado sobre a cedência do salão nobre do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) para a realização de uma arbitragem extrajudicial por parte de Orlando Nascimento e cujo árbitro foi Vaz das Neves, Joaquim Piçarra afirmou que "nada impede que o juízes jubilados possam ser árbitros", mas estão proibidos de receber remuneração e discorda em absoluto da utilização daquele espaço para a realização de diligência daquela forma alternativa e privada de resolução de litígios.
Sobre as funções futuras do ex-presidente do TRL dentro do próprio tribunal, depois de este ter renunciado ao cargo, a decisão cabe à nova presidente, a desembargadora Maria Guilhermina Freitas.
Piçarra que é também presidente do Supremo Tribunal de Justiça garante que o CSM irá prosseguir com as averiguações sem olhar a nomes e cargos: "O Conselho está determinado em exercer as suas competências na área disciplinar e aquilo que decidir será, doa a quem doer, para todos os juízes seja um magistrado de direito ou o presidente do Supremo Tribunal de Justiça".
O processo disciplinar está aberto e só quando terminar a averiguação se poderá concluir se é deduzida acusação ou se é decidido o arquivamento: “Agora os senhores juízes visados terão a oportunidade de se defender, e o senhor inspetor encarregado deduzirá acusação mediante as provas que tiver, e o Conselho decidirá se haverá lugar para aplicação de um processo disciplinar”, explicou.
Entretanto, é certo que os processos da Relação de Lisboa em que os três juízes decidiram poderão sofrer revisão de sentença. Isso é admitido por António Joaquim Piçarra. “As partes podes suscitar a revisão dos acórdãos e das sentenças. Está na lei. A revisão é um recurso extraordinário para tentar repor a justeza nessa situação. Há fundamentos especificados na lei. Os tribunais vão decidir”, disse a mesma fonte
Na última semana foi revelado que o ex-presidente da Relação de Lisboa Vaz das Neves foi constituído arguido por suspeitas de corrupção e abuso de poder no âmbito da Operação Lex, que tem também como arguidos os desembargadores Rui Rangel e a sua mulher Fátima Galante.
O juiz jubilado é ainda suspeito de ter sido arbitro em atos de arbitragem extrajudicial e ter recebido dinheiro e ainda ter interferido no sorteio que decidiu o desembargador que analisou um recurso de Rui Rangel contra o Correio da Manhã.
Rui Gonçalves foi o relator em 2013 do acórdão que absolveu o empresário desportivo José Veiga, num caso de fraude fiscal relacionado com a transferência de João Pinto para o Sporting, condenando o jogador a ano e meio de prisão por fraude fiscal qualificada, ficando a pena suspensa por quatro anos, mediante o pagamento de uma indemnização de mais de meio milhão de euros.