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Reportagem

"É Um Restaurante" abre portas à inclusão. "Aqui podem ser quem são, sem julgamentos"

15 out, 2019 - 15:19 • Liliana Monteiro

Novo restaurante lisboeta foi pensado pela CRESCER para capacitar e dar emprego a quem, em tempos, pouco ou nada tinha. Um primeiro grupo de 14 pessoas, com passados de abuso de drogas e abandono social, já recebeu formação hoteleira. Aqui, são eles que cozinham e servem à mesa.

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Chama-se "É um Restaurante" e é um dos mais recentes espaços de refeições da capital. Situado no número 56 da rua de São José, em Lisboa, serve pratos de peixe, carne e vegetarianos, num menu que se quer de partilha, tal como a história de muitos dos que ali servem à mesa e cozinham.

Lançado pela CRESCER - Associação de Intervenção Comunitária, em parceria com o chef Nuno Bergonse e com apoios da Câmara de Lisboa, do Instituto do Emprego e da Formação Profissional (IEFP), o restaurante está a mudar a vida a muitas pessoas que, em tempos, viveram na pobreza ou na rua, dependentes de droga, ao abandono.

No "É Um Restaurante", recebem formação para cozinhar e servir à mesa. E é graças a estas pessoas que o novo espaço serve agora jantares de terça-feira a sábado.

A formação é dada na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa. Já na CRESCER desenvolvem competências na área do comportamento profissional, aptidões emocionais e sociais.

Berta sempre foi apaixonada por cozinha e é com orgulho que diz que sabe bem distinguir o 'sal do açúcar'. Já tinha trabalhado antes na área, faz parte do primeiro grupo formado pela CRESCER e é com um grande sorriso e boa disposição que aqui trabalha. Quando chegamos ao local, Berta está concentrada na cozinha a arranjar agrião e gomos de laranja para a 'mise en place' dos pratos a servir.

“Tomei conhecimento [do projeto] por um amigo a um sábado e na segunda-feira já estava em contacto com a dra. Alexandra", conta à Renascença, falando numa decisão imediata que não partilhou logo com os filhos. "Achei que lhes devia falar quando já tivesse uma opinião formada e estivesse a trabalhar com gosto." Quando finalmente lhes contou, "eles garantiram que me vêm visitar".

O 'É um restaurante' só funciona com reserva. Aberto entre as 20h e as 23h, é provável que, numa visita, acabe a provar refeições confecionadas por David Jesus.

"Estava na altura de a minha carreira encontrar um espaço para poder ajudar uma causa", conta o chef cozinheiro à Renascença. "Assim que soube candidatei-me e fiquei com imensa vontade de o integrar. Muitas pessoas disseram-me: 'Tens noção de onde te estás a meter?' Mas eu penso que trabalhar com estas pessoas é totalmente diferente. São muito humildes e evoluem rapidamente. Tem sido uma surpresa pela positiva."

O espaço onde o restaurante funciona foi oferecido pela Câmara Municipal de Lisboa (CML), mas o conceito foi criado pela Associação CRESCER. Alexandra Evaristo, psicóloga do projeto, diz que o objetivo “é capacitar pessoas" e garantir-lhes um apoio social livre de preconceitos. "Queremos que as pessoas cá venham pela comida e não porque são coitadinhos a servir."

À Renascença, a psicóloga reforça que os formandos são "pessoas que querem mudar, que estavam desacreditadas nas suas competências, que não trabalhavam há 15 anos ou que estavam paradas há muito tempo".

"É maravilhoso vê-los em ação e observar o crescimento pessoal de cada. É uma oportunidade de serem eles mesmos, sem mentiras. Temos relatos de pessoas que tinham de mentir relativamente ao sítio onde viviam, tinham de tomar metadona e chegavam atrasadas... Aqui podem ser o que são na realidade, sem julgamentos."

A cada colaborador do restaurante, com idades entre os 28 e os 51 anos, é garantido um salário de 450 euros, verba patrocinada pelo IEFP e pela CRESCER.

Berta foi uma das que agarrou esta oportunidade e sonha em transformar-se numa profissional “noutro restaurante, com outro tipo de cozinha”. Para já, confessa que mudou. “Passei a ter objetivos. Sou obrigada a sair de casa, a andar na rua, a enfrentar pessoas, a cuidar-me. É um renascer e um começar de novo.”

Diz que está “a aprender muito” e que a dificuldade agora é deixar para trás “os maus hábitos da cozinha rotineira", nos tempos em que tirava "medidas a olho e às tigelas”. No "É Um Restaurante", tudo é diferente, feito com preceito e muita alegria.

"Ainda não tínhamos fardas e eles estavam ansiosos por tê-las", conta o chef David Jesus com um sorriso rasgado. "O receber dos tachos, pratos e talheres, o desembrulhar de caixotes... Parecia que era Natal todos os dias!"

Na Carta de Conforto e Partilha, o nome do menu criado pelos chefs David Jesus e Nuno Bergonse, os clientes podem escolher de uma variada lista de iguarias: peixinhos da horta, salada de beterraba, laranja e sésamo, sopa de castanha e funcho com marmelada, peixe com açorda de tomate e algas, bife, escabeche de pato, pudim de azeite e mel com gelado de tangerina, rabanadas e mousse de chocolate.

Os preços dos pratos e petiscos variam entre os 4,5 e os 15 euros. Para já só são servidos jantares, de terça a sábado, entre as 20h e as 23h.

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