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Hotelaria

Falta de informação sobre turismo acessível gera preconceito

13 abr, 2019 - 10:24 • Ana Carrilho

O ramo da hotelaria continua muito resistente a adaptar-se às necessidades especiais de pessoas com incapacidade. Há bons exemplos, mas a esperança está sobretudo nos jovens, que já perceberam que este mercado representa uma oportunidade.

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O turismo acessível não é um nicho de mercado porque todos nós, ao longo da vida temos necessidades especiais e as pessoas com alguma incapacidade gostam tanto de viajar e de se divertir como os outros mas frequentemente, esbarram com a falta de condições físicas ou outras ajudas para poderem exercer o seu direito.

A hotelaria é um dos sectores que ainda não está preparada para receber estes turistas, motivo que levou a ADHP – Associação de Diretores de Hotéis de Portugal – a discutir o tema no seu 15º Congresso, que decorreu nos últimos dois dias em Viseu.

Ana Garcia, presidente da Accessible Portugal, tentou desfazer mitos e preconceitos. Em entrevista à Renascença, afirmou que alojamento, os transportes e a falta de informação dos responsáveis são os principais obstáculos do turismo acessível, mas manifestou esperança nas novas gerações que mostram interesse e veem a oportunidade de um mercado que vai continuar a crescer, com efeitos também na economia.

Porque é que diz que o turismo acessível não é um nicho de mercado?

Porque ao longo da nossa vida temos mudanças na nossa funcionalidade. É aquele turismo que está a pensar nas necessidades de acessibilidade diversas, tão diversas quanto a nossa natureza humana porque na nossa vida temos diferentes necessidades de acessibilidade. Se olharmos nessa perspetiva, o turismo acessível não é um nicho de mercado. As pessoas com necessidade de acessibilidade continuam a ter as mesmas motivações que o turista comum: eu gosto de praia, eu gosto de gastronomia, de enoturismo, etc. Depois, há pessoas que têm diversas características de funcionalidade que carecem de algum apoio, de alguma preparação tanto nos serviços como nas infraestruturas. Não é um nicho. O turismo tem cada vez mais a ver com experiências e como gostamos de as fazer com os nossos grupos de relação, acabamos por expandir as nossas necessidades de acessibilidade ao grupo.

Há outra questão que tem sido muito esquecida: é o próprio turista que sabe em que condições vai viajar e qual é a severidade das suas necessidades de acessibilidade naquele contexto. Por exemplo, uma pessoa de cadeira de rodas que vai viajar sozinha: nesse contexto não tem uma relação íntima de proximidade, não tem o marido, filhos ou um amigo íntimo por perto. Portanto, precisa de muita acessibilidade. Ao contrário, quando vai de férias com a família, a mesma pessoa e com as mesmas características técnicas de funcionalidade, não se preocupa tanto porque tem ajuda. E esse ónus da escolha do sítio não pode cair sobre a oferta.

A questões é que os equipamentos deveriam estar de forma a servir toda a gente…

E aí também surge uma grande diferença entre aquilo que é o cumprimento da lei (e ainda há muitas falhas). O que gosto de realçar é que a informação objetiva, credível e atualizada é fundamental para que o cliente tome as suas decisões. E também há o que nós chamamos “smart solutions” (soluções inteligentes) que permitem a adaptabilidade de um quarto em função das necessidades de um cliente: remover mobília, dar mais toalhas, dar uma bacia de plástico, retirar tapetes. Há muita coisa que tem que ver com esta disponibilidade que a oferta tem que ter. À oferta compete formar-se, informar-se e dar informação atualizada.

E os operadores turísticos, os hoteleiros, estão preparados para receber estes clientes?

Eu acho que há muito desconhecimento. Ninguém gosta daquilo que não conhece. Em 2008, por altura da crise, sentimos que havia uma oportunidade porque iam ter que parar para pensar. Neste momento o sector turístico está a bombar e não param para pensar. Não precisam. Porquê, se há tantos clientes? Para que vão pensar numa questão que na cabeça deles é uma grande complicação? É os cegos e os surdos, os paraplégicos, os idosos. Há uma falta de informação muito grande que gera preconceito. Enquanto houver este registo ninguém vai procurar informar-se. Só as gerações mais novas é que se querem informar e percebem que está aqui uma oportunidade muito grande.

E neste congresso estiveram cá sempre muitos estudantes. Aliás, nos cursos das escolas do Turismo de Portugal já têm uma cadeira sobre o Turismo Acessível. Há esperança nas novas gerações?

No ano letivo 2017-2018, na revisão dos cursos de especialização tecnológica para o turismo, foi introduzido de forma obrigatória um módulo de 25 horas sobre o turismo acessível. Neste momento está em revisão o nível 4, que corresponde ao 12º profissionalizante, e que também vai ter um módulo obrigatório de 25 horas. A nível superior o tema do turismo acessível ainda não entra nos curricula embora haja uma sensibilidade muito grande. Os professores sentem que em todo aquilo que é optativo – trabalhos de fim de curso, mestrados, doutoramentos – o tema tem cada vez mais procura.

Ou seja, estão a derrubar-se algumas barreiras de atitude, como referia na apresentação?

Sim, sem dúvida. E as gerações mais novas são muito mais abertas.

Ficou surpreendida por este tema ter sido objeto de debate aqui no congresso?

Sim, porque dentro da cadeia turística, a hotelaria tem tido muita resistência. Nós sentimos isso com o trabalho da TUR4all e as mil auditorias pagas pelo Turismo de Portugal. O trabalho era completamente gratuito. Era feita uma visita técnica, produzido um relatório com as coisas boas, as menos boas e as más; eram dadas imensas dicas e soluções e só iria para a plataforma se o gestor do recurso autorizasse. Existia uma resistência muito grande.

Existia. E ainda existe?

Ainda existe

Ainda existe uma grande resistência da hotelaria ao turismo acessível?

Ainda. Nos transportes, temos no transporte aéreo o serviço “My way” que é fantástico mas a nível ferroviário e rodoviário, rent-a-car, táxis adaptados, não há resposta suficiente. Não há autocarros adaptados, os barcos não estão adaptados, nem os comboios. O material circulante é tão antigo! Se quiser ir de Lisboa a Évora e estiver em cadeira de rodas, não pode porque só temos comboios intercidades, onde não consegue entrar.

Depois é preciso que os stakeholders percebam a importância da informação e, o alojamento. É onde falhamos mais. Em termos de atividades de animação turística, mesmo a parte museológica e cultural está a dar passos muito grandes.

Entretanto, na sexta-feira foi aprovada nova legislação.

Na sexta-feira foi publicada a portaria sobre o Programa Valorizar. Há um reforço de 100 milhões de euros para a dotação desta Linha que vai exigir que qualquer projeto comum de turismo que se candidate ao Valorizar tenha de cumprir critérios de acessibilidade para ser aprovado e financiado. Para além disso faz a extensão da Linha de Apoio ao Turismo Acessível, que encerrou em dezembro do ano passado e que teve uma adesão muito grande, sobretudo do setor público.

A hotelaria aderiu muito pouco.

Muito pouco mesmo. Só o Grupo Vila Galé e outros, de forma muito pontual. Este Valorizar vem dar seguimento à Linha de Apoio ao Turismo Acessível, permitindo que haja projetos única e exclusivamente nesta área. Por exemplo, já tenho o meu hotel e quero transformá-lo num hotel acessível e inclusivo. Não é só para pessoas com um determinado tipo de limitação, tem que ser abrangente.

Quantos registos é que há d Portugal, neste momento, na plataforma Tur4all?

Há 1026 recursos auditados. A maioria é de alojamento e recursos culturais.

Já se assiste à integração de pessoas com capacidade reduzida para trabalhar no sector?

Ainda não. O turismo foi toda a vida a indústria do glamour. Na hotelaria isso ainda está enraizado: os fardamentos, a escolha dos profissionais pela sua elegância. E a imagem da “pessoa perfeita” pode ser um bocadinho impeditivo para se pensar “fora da caixa” e perceber que as pessoas, por vezes, para além de algum aspeto físico diferente não quer dizer que não tenham capacidade para serem excelentes profissionais. E tivemos alguns exemplos: a cadeia de food & beverage do El Corte Ingles contratava pessoas surdas. Porque não se distraíam, tinham muito gosto a decorar os pratos e grande sensibilidade para os aromas; através do projeto “On my own”, a cadeia Porto Bay contratou pessoas com síndrome de Down que desempenhavam papéis nos andares, reposição no pequeno almoço, economato. Acabava por ser muito gratificante paras as pessoas e para as suas famílias. Por outro lado, dava uma imagem de responsabilidade social aos clientes. Para as equipas, terem pessoas com deficiência a trabalhar com elas “tirava-os da caixa” porque eram tão alegres, tão gratas por estarem a trabalhar; tinham uma dedicação ao trabalho que interpelava os outros. O turismo tem que ser inclusivo também para quem trabalha; essa é também a orientação da Organização Mundial de Turismo.

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