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Saúde dos oceanos

"Está a dar-se muito destaque ao plástico, mas a poluição invisível é mais preocupante"

22 mai, 2018 - 07:02 • Manuela Pires

Se nada for feito, em 2050 haverá mais plásticos do que peixes no mar. Mas nem só de plástico se faz a poluição marinha. No Algarve, por exemplo, há elevados níveis de prozac de um lado e de anti-inflamatórios do outro. E é preciso fazer alguma coisa.

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Portugal dedicou a exposição mundial de Lisboa, em 1998, aos oceanos - um "património para o futuro". Vinte anos depois, o estado de saúde dos oceanos não é animador. Segundo dados das Nações Unidas, 80 milhões de toneladas de plásticos são lançados todos os anos para os oceanos. Se nada for feito, no ano de 2050 haverá mais plásticos do que peixes no mar.

A ilha de plástico do Pacífico Norte, que foi detetada há 20 anos, tem 17 vezes o tamanho de Portugal, o correspondente a 1,6 milhões de metros quadrados.

Há mais de 40 anos que Maria João Bebiano faz o diagnóstico à saúde dos oceanos. Foi pioneira em Portugal no estudo da ecotoxicologia marinha, que estuda o efeito dos compostos tóxicos no ambiente marinho. Hoje, é coordenadora do Centro de Investigação Marinha e Ambiental (CIMA) da Universidade do Algarve. “Do meu ponto de vista, está a dar-se um destaque muito grande ao plástico, mas a poluição invisível é mais preocupante.”

Todos os oceanos estão contaminados, mas o Índico é o pior, aponta. É ele que banha os países com maiores níveis de população, em vias de desenvolvimento e que não têm sistemas de gestão de resíduos.

Maria João Bebiano considera como prioridade o tratamento dos efluentes, só que ainda não há tecnologia para isso. “É necessário encontrar uma solução, porque muitos dos compostos que usamos todos os dias passam nas estações de tratamento, como por exemplo os fármacos, os detergentes, os produtos de higiene pessoal", sublinha em entrevista à Renascença. "Nada disto é retido nos efluentes, o que depois tem um impacto negativo nos organismos vivos, levando a uma diminuição da produtividade do oceano.”

Só agora é que a Suécia vai fazer um primeiro ensaio de uma estação de tratamento capaz de filtrar estes compostos. É o primeiro país a fazê-lo. Se resultar, marcará um primeiro passo na direção certa, já que 80% dos contaminantes que chegam ao oceano vêm da terra.

Quando Maria João Bebiano começou a trabalhar, na comissão nacional contra a poluição do mar, em 1976, o principal problema eram os metais, o chumbo, o mercúrio, o cádmio e alguns pesticidas. “Depois foi o problema do petróleo e agora são os plásticos, mas o problema dos metais está a voltar com o desenvolvimento da nanotecnologia, onde são usados compostos metálicos tóxicos como o cádmio."

Outros contaminantes são os fármacos e os produtos de higiene pessoal, que têm nanopartículas na sua base. Tudo isso está nos oceanos.

Recentemente, o CIMA fez análises à agua do mar do Algarve e conseguiu perceber quais os medicamentos tomados pela população. “Num lado do Algarve, em que a população é mais idosa, há mais anti-inflamatórios e medicamentos para outras doenças", explica a cientista. "Do outro lado, onde a população é mais turística, temos o Prozac. Isso é tudo detetável e tem efeitos nos organismos."

A investigação científica estuda todos estes contaminantes, mas há quem tenha a perceção clara da qualidade da água do mar sem precisar de o analisar. Maria João Bebiano ficou surpreendida quando descobriu que até os surfistas conseguem empiricamente ter uma noção, porque se há óleo ou outras substâncias no mar a prancha funciona de forma diferente.

Atualmente, a investigadora e professora catedrática integra um grupo de 25 peritos da ONU que está a avaliar o estado do ambiente marinho. É a primeira vez que um português faz parte deste grupo que, para além do diagnóstico, vai delinear propostas para votação na assembleia-geral das Nações Unidas.

“Este grupo tem de fazer agora uma avaliação, incluindo dos aspetos sócioeconómicos sobre a evolução do estado de saúde dos oceanos." No fundo, resume, vai avaliar "o que melhorou e o que piorou desde 2010 e as medidas que devem ser propostas".

Esta é, de resto, uma preocupação que está a ganhar cada vez mais espaço na agenda da comunidade internacional. Em dezembro, 193 países-membros da ONU assinaram uma resolução para eliminar a poluição dos mares e o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, nomeou um enviado especial para os Oceanos. É a primeira vez que tal acontece.
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