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​O pátio de Natália está limpo, mas ela continua a lembrar-se do sangue e das vítimas do Bataclan

09 jun, 2016 - 06:57 • Eunice Lourenço, enviada a Paris

Natália é um dos quatro portugueses que ajudaram as vítimas do ataque terrorista de Novembro de 2015 e que Marcelo vai condecorar em Paris, nas cerimónias do Dia de Portugal.

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Natália devia estar no Bataclan Café na noite do atentado. Mas a demora da filha em arranjar-se salvou-lhes a vida. E ela ajudou a salvar a vida de vários feridos que fugiam do ataque que assustou a noite de Paris a 13 de Novembro de 2015. Este 10 de Junho recebe a Ordem da Liberdade das mãos do Presidente da República, junto com outros três portugueses que também ajudaram as vitimas que conseguiram fugir do Bataclan.

“É uma coisa enorme, porque não esperava por isto. Aquilo que fiz era natural, não pensei que fosse tão mediatizado. Estou muito, muito contente”, disse Natália Teixeira Syed à Renascença, no seu apartamento de porteira, na Rua Oberkampft. Casada com um paquistanês que, há mais de 20 anos, fugiu ao terror no seu país, Natália tem três filhos: uma rapariga, de 18 anos, e dois rapazes, de 11 e de oito.

Naquela noite, havia futebol na televisão, mas não lhes interessava muito. Só gostam quando é o Benfica ou a selecção. Por isso, mãe e filha iam tomar um copo enquanto os rapazes ficavam a ver a bola. Mas a filha, cansada de um dia de trabalho, demorava a arranjar-se para sair. A mãe já estava na entrada do prédio e chamava-a para se despachar. E foi, então, que começou a dar por confusão na rua. Primeiro, Natália e o marido não se aperceberam do que se passava, só viam pessoas a correr sem sentido. Mas depois abriram as portas para o pátio de entrada do prédio e as portas da própria casa.

Por ali entraram dezenas de pessoas, foram feitas operações no pátio e não foi possível salvar todos. Ainda hoje, de vez em quando, Natália recorda aquela noite. “As vítimas, o sangue no pátio, é como se fossem imagens que vêm de vez em quando ou quando a gente entra no prédio, quando vemos o pátio tão limpo, tão vazio e lembramo-nos que estava tudo cheio, que não se podia passar”, recorda esta porteira de 38 anos, já nascida em França, mas que vai regularmente de férias à aldeia perto de Ourém onde tem família.

O "normal" voltou

Natália espera que não volte a acontecer, mas também diz que hoje está mais preparada para uma situação semelhante. Entretanto, o bairro voltou ao normal. O Bataclan está em obras, nas redondezas a vida corre o seu curso, a crianças brincam no parque infantil em frente.

“Tudo voltou ao normal. As pessoas têm agora mais atenção por causa do Euro que vai começar, mas tudo voltou ao normal. Também pensávamos que estávamos em segurança depois do ataque ao jornal [Charlie Hebdo], já há um ano que tínhamos mais polícia no bairro e não serviu de nada”, diz Natália Teixeira Syed, que já foi homenageada também pela Câmara de Paris, tal como as outras três pessoas que vão receber a Ordem da Liberdade na tarde de dia 10.

Além de Natália, vão receber a Ordem da Liberdade mais duas porteiras portuguesas daquele bairro: Margarida de Santos Sousa, de 57 anos, e Manuela Gonçalves, de 50, e o marido, Joaquim Gonçalves, de 48 anos. As condecorações vão ser entregues na cerimónia oficial do 10 de Junho, na Câmara de Paris, na presença dos presidentes de Portugal e de França e do primeiro-ministro português.

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