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Humanismo e capacidade técnica permitiram parto com mãe em morte cerebral

08 jun, 2016 - 12:51

Director clínico do hospital explica como foi possível fazer nascer um bebé com 32 duas semanas de gestação, 15 das quais com a mãe em morte cerebral.

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O inédito nascimento de um bebé por cesariana a uma mãe que se encontrava há 15 semanas em morte cerebral só foi possível pelo humanismo aliado à capacidade técnica e operacional das equipas.

“Duas equipas a trabalhar em locais geograficamente diferentes tiveram em total consonância, uniram-se, juntaram-se e foi da conjunção de esforços que realmente conseguimos” fazer o parto, afirmou esta quarta-feira o director clínico do Centro Hospitalar Lisboa Central.

Em declarações aos jornalistas, António Sousa Guerreiro destacou “a capacidade sobre o ponto de vista técnico e humanista destas duas equipas”, factores essenciais para se chegar a uma situação “que culminou, ontem, com o nascimento desta criança do sexo masculino”.

O bebé nasceu na terça-feira com 2,350 quilos, após uma gestação de 32 semanas, num procedimento sem complicações, quer durante e quer depois da intervenção cirúrgica. Ficou depois internado na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais do centro hospitalar, mas está bem de saúde.

Trata-se do período mais longo alguma vez registado em Portugal (15 semanas) de sobrevivência de um feto cuja mãe está em morte cerebral.

"Grande vitória da vida"

Na mesma conferência de imprensa, o presidente da comissão de ética do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC), Gonçalo Cordeiro Ferreira, considerou este caso como "uma grande vitória da vida".

"A mãe foi uma incubadora viva e doou o seu corpo ao seu filho", afirmou Cordeiro Ferreira, adiantando que o bebé viveu numa grande estabilidade dentro do útero materno.

Os especialistas do CHLC entenderam levar adiante a gravidez da mulher de 37 anos em morte cerebral devido a uma hemorragia intracerebral. O feto não indicava na altura da morte materna ter sofrido com o que tirou a vida à mãe.

Este caso, um "facto inédito na Medicina portuguesa", foi vivido com emoção pelos profissionais que acompanharam a situação ao longo de três meses e meio.

"Ontem [terça-feira] houve uma carga emocional fortíssima. (...) Mesmo em profissionais que estão habituados, vimos nos seus rostos a emoção", afirmou a presidente do Conselho de Administração do CHLC, Ana Escoval.

Também o director clínico do hospital de São José, António Sousa Guerreiro, sublinhou que se trata de uma "história de contrastes": "Temos uma profunda tristeza com a morte de alguém e um momento de alegria com o nascimento de uma criança".

Susana Afonso, especialista dos neurocríticos, admitiu igualmente que "é impossível do ponto de vista emocional não ficar afectado" com esta história.

Apesar da componente emocional e afectiva do caso, os profissionais garantem que a base de todas as decisões foi racional. Primeiro decidiu-se a viabilidade do feto e considerou-se que havia condições para o processo poder avançar.

O apoio da família à decisão foi fundamental, acrescentou Sousa Guerreiro.

Bebé poderá ter alta daqui a três semanas

Relativamente ao nascimento do bebé, o director clínico lembrou que ainda se está "numa viagem (...) todo um percurso a percorrer com a maior otimização técnica".

Quanto à manutenção da gravidez com a mãe em morte cerebral, os especialistas explicaram que foi dado o suporte hormonal e nutricional necessário para a manutenção das funções vitais e para o desenvolvimento da gestação.

"Os fármacos administrados foram aqueles que o organismo produz quando as funções vitais estão intactas", afirmou aos jornalistas Ana Campos, obstetra da Maternidade Alfredo da Costa - que pertence ao CHLC - e que acompanhou o caso.

O momento do nascimento, por cesariana programada, ocorreu quando foram atingidas as 32 semanas de gestação, uma idade gestacional em que a sobrevivência é muito elevada.

Segundo a neonatologista Teresa Tomé, além da idade gestacional permitir alguma segurança em termos de sobrevivência, os médicos quiseram preservar o recém-nascido de "uma incubadora artificial" da qual se desconhecem as consequências.

De acordo com a equipa de profissionais, o nascimento de um bebé com mãe em morte cerebral há 15 semanas é um facto inédito na medicina portuguesa, mas terão já havido outros casos a nível internacional.

Segundo Ana Campos, um estudo internacional de 2010 indica que a duração de gestações com as grávidas em morte cerebral foi de entre dois a 107 dias. O caso de São José durou precisamente 107 dias.

Este bebé, o segundo filho da mulher de 37 anos declarada morta desde 20 de Fevereiro, vai ser acompanhado na neonatologia com as mesmas cautelas de outros prematuros, estando neste momento bem de saúde, mas a necessitar de incubadora e de suporte respiratório.

Prevê-se que possa sair dos cuidados intensivos dentro de três semanas, se estiver estável, como acontece com outros prematuros.

Quanto ao futuro da criança, os profissionais mostram-se optimistas mas não se comprometem com garantias quanto ao seu desenvolvimento.

[notícia actualizada às 15h13]

Comentários
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  • Manuel António
    09 jun, 2016 Mafra 01:05
    Bem haja por toda a coragem,dedicação e profisionalismo ; bem ,não posso deixar de salientar que por vezes nada do que atrás disse chega , mas há factores que transcendem tudo isso ,e tudo isso se inverte , sem nunca se chegar a saber o que falhou , por isso é bom que quando essas situações acontecem ,pensemos , antes de apontar o dedo , antes de acusar o(s) médico(s) . porque há bem pouco , passei por uma situação clínica bem complicada , da qual a médica nada teve a vêr,e só não fiquei cego de uma vista , graças á dedicação e profissionalismo da mesma.
  • João Lopes
    08 jun, 2016 Viseu 18:37
    Esta mãe, em morte cerebral desde fevereiro, conseguiu manter o filho vivo, com a ajuda imprescindível dos profissionais de saúde, que no Hospital de S. José, competentemente, acompanharam a gravidez da mulher! Mas há mulheres que estando vivas, e com boa saúde, planeiam e são cúmplices na morte dos filhos através do aborto.
  • Manuel Simao
    08 jun, 2016 Porto 16:11
    Quem tem uma mãe tem tudo. Muitas felicidades para o menino e sua família.
  • José Proença
    08 jun, 2016 Castelo Branco 15:55
    É a estes homens e mulheres que temos de agradecer tudo o que fizeram e certamente continuarão a fazer para dignificar a profissão que escolheram e para mais dignificarem a medicina. São estas mulheres e homens, pela dimensão da obra que fizeram, que devem ser propagandeados. Cesse tudo o que as passadeiras da fama elegem, sejam elas quais forem, porque outros valores como este o merecem. Lamente-se a morte da progenitora, mas louve-se a vida deste pequeno ser, onde sua mãe viverá, certamente, enquanto ele viver. Estejamos gratos a todos os quantos participaram nesta acção. Venham mais.
  • Manuel António
    08 jun, 2016 Mafra 15:13
    Bem haja por toda a coragem,dedicação e profisionalismo ; bem ,não posso deixar de salientar que por vezes nada do que atrás disse chega , mas há factores que transcendem tudo isso ,e tudo isso se inverte , sem nunca se chegar a saber o que falhou , por isso é bom que quando essas situações acontecem ,pensemos , antes de apontar o dedo , antes de acusar o(s) médico(s) . porque há bem pouco , passei por uma situação clínica bem complicada , da qual a médica nada teve a vêr,e só não fiquei cego de uma vista , graças á dedicação e profissionalismo da mesma.
  • Paulo Trigueiro
    08 jun, 2016 Montijo 14:55
    A vida no seu esplendor. Absolutamente comovente.
  • Teresa
    08 jun, 2016 Lisboa 14:37
    História Linda para um começo de via d«que rezo seja longa e muito muito Feliz!
  • ana sampaio
    08 jun, 2016 matosinhos 14:33
    O milagre da vida, sempre! Parabéns a todos por não desistirem. Bem hajam.
  • melough
    08 jun, 2016 Faro 14:27
    Cada vez mais a ciência nos surpreende. Afinal, quando é na verdade que um ser humano morre? Morre-se parte do nosso ser sem que morremos totalmente? Cada vez mais interrogações... Bom.. é melhor não ir além há segredos incompreensíveis. DEUS nos ajude a decifrar.
  • JOAO MARQUES
    08 jun, 2016 LISBOA 13:55
    REALMENTE A MEDECINA NO SEU MELHOR. BEM HAJAM.

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