23 jan, 2016 - 18:42
Era uma das caras da Quercus e passa a ser a face mais visível da ZERO, uma nova associação criada a partir de uma cisão na mais conhecida associação ambientalista portuguesa.
Francisco Ferreira, professor universitário, é o primeiro presidente da ZERO, que elegeu este sábado em Fátima os seus órgãos sociais.
À Renascença, o ambientalista diz querer uma associação preocupada com o contexto social e económico, com ferramentas de actividade que a estrutura da Quercus não permitia utilizar.
Para chegar à ZERO, muitos dos seus fundadores chegaram também à conclusão que já não se reviam na Quercus como espaço de intervenção. Como é que chegaram a esta conclusão?
Chegámos a essa conclusão, acima de tudo porque depois da discussão dos objectivos do desenvolvimento sustentável em Nova Iorque, percebemos que é necessário ocupar um espaço na sociedade portuguesa em que o ambiente mas também as realidades sociais e económicas sejam efectivamente parte do discurso de uma organização não governamental, mesmo que de ambiente.
É fundamental construir parcerias. É vital olharmos para o futuro com uma visão estratégica. Isso é complementar à acção das associações de ambiente existentes em Portugal, incluindo a Quercus. Pareceu-nos agora que era altura para nos lançarmos neste desafio de fazer pontes e parcerias com o conjunto de outros agentes da sociedade.
Não respondeu à questão. Porque é que a Quercus já não podia ser esse espaço de intervenção?
As pessoas não se estavam a rever na Quercus. Esse foi sem dúvida um dos motivos para sair de uma actividade mais militante, não de associados, da Quercus. Acima de tudo foi este desejo de criar algo novo e lançar um conjunto de novas ideias que acabou por motivar alguns dos que, penso eu, fizeram história na Quercus e que se juntam a muitos que não têm vida associativa e que fazem agora parte da ZERO. Não se pense que a ZERO é uma segunda Quercus ou que vai fazer competição à Quercus. A ideia é que a ZERO tem claramente um caminho próprio e inclusive de cooperação com a Quercus.
Como será exactamente o diálogo da ZERO com a Quercus?
Espero que seja um diálogo muito frutífero porque a Quercus está muito mais próxima das questões regionais e locais e tem uma excelente actuação na área dos resíduos ou da conservação da natureza. A visão da ZERO é um pouco diferente. Aproxima-se mais da ligação do ambiente às questões sociais e económicas e é uma visão sobretudo mais estratégica, mais nacional, em ligação com o contexto europeu das políticas que temos que aplicar aqui e discutir com o resto da Europa. O papel de vários estudantes, professores universitários, técnicos qualificados e muitos cidadãos participantes que esperamos angariar rapidamente é realmente perspectivar um modelo diferente da sociedade.
Pensar em temas como o consumo sustentável, fazer desafios ao Governo, falar com os partidos políticos, aquilo que se aproxima de um conjunto de pessoas que quer pensar, discutir e influenciar os decisores sobre o modelo que temos actualmente num planeta com limites e propor soluções reais, viáveis, credíveis. A diversidade de associados que esperamos ter vai certamente permitir-nos ter esse trabalho.
Isso quer dizer que há algum radicalismo no movimento ambientalista em Portugal?
O movimento ambientalista está a precisar de renovação. Não propriamente de pessoas mas acima de tudo de ideias. Precisa de juntar pessoas mais jovens e de conseguir novas formas de informação face aquelas que têm marcado as associações de ambiente nos últimos anos. Vivemos num momento em que a comunicação é vital, por diferentes formas. A mobilização dos associados tem que ser vista de outra forma que não a tradicionalmente usada até aqui. A participação de quem está nestes movimentos pode ser feita através da internet, de opiniões que podem ser compiladas de uma forma mais fácil, com uma abrangência democrática participativa e partilhada que o modelo tradicional das associações não tem até agora. Sou obrigado a reconhecer que o movimento ambientalista nos últimos anos não tem sido particularmente criativo na mobilização da sociedade. Não digo que agora nós consigamos mas vamos pelo menos tentar essa mudança. Esse é um desafio para o qual a estrutura da Quercus não estava adequada. Por isso tem todo o sentido começar esta associação do zero.
Sublinhou a estrutura local e regional como um ponto positivo da Quercus. A ZERO vai ter o mesmo tipo de estrutura? Será uma associação verdadeiramente nacional ou centralizada nalguns pontos do país?
De acordo com os seus estatutos, a ZERO será uma associação nacional, com associados à escala nacional em que muitos deles irão participar activamente numa visão nacional e internacional dos problemas que por vezes terá também exemplos locais. É uma estrutura radicalmente diferente, quase complementar em relação à Quercus, que tem núcleos em grandes parte do país e que aí consegue uma proximidade maior no acompanhamento de determinados problemas. Portanto, diria que é uma associação nacional que não vai estar polarizada em Lisboa ou no Porto, onde aliás é a actual sede.
É uma associação que nos seus órgãos sociais - excepto num - tem uma maioria de mulheres. Também aqui na preocupação com o género constatamos que acabou por ser um aspecto singular. Dentro das regras de funcionamento procuraremos dar voz e facilitar a participação dos associados, para que seja uma associação viva, partilhada e com um espírito novo que esperamos que perdure.
Por fim, porquê o nome ZERO?
ZERO é um nome que à partida pode ter uma conotação negativa, mas é também aquilo que marca mais a nossa utopia. Queremos uma sociedade com zero emissões, zero de perda de biodiversidade, zero de desigualdade, zero desperdício, zero resíduos. Repare-se que ainda na recente cimeira de Paris das alterações climáticas se decidiu que na segunda metade deste século o balanço entre as emissões antropogénicas e os sumidouros de carbono na atmosfera deve ser zero. Esta mensagem de um planeta que consegue viver dentro dos seus limites e portanto nos garante um desenvolvimento sustentável que suporte as próximas gerações levou-nos a escolher o nome ZERO e sermos uma associação que quer um sistema terrestre, planetário, sustentável. É se calhar um nome difícil de aceitar à primeira vista, mas percebendo a sua lógica e a sua filosofia talvez nos alerte para aquilo que nós temos que olhar como visão para o futuro em termos de gestão dos nossos recursos.