29 nov, 2024 - 07:00 • João Cunha
Apaixonou-se e foi viver para Valência, onde casou com a sua companheira. A sogra da almadense Inês Marques vive em La Torre, uma das zonas mais afetadas pelas torrentes de lama que em finais de outubro inundaram dezenas de municípios daquela comunidade. O que demorou a chegar foram máquinas porque, do governo central, chegou apenas uma ajuda direta.
"O apoio de meios foi o que demorou mais a chegar. Mas houve uma ajuda direta de seis mil euros, que chegou do governo central", explica Inês, indicando ainda que esse apoio chegou numa semana.
A ajuda já deu para compra uma porta nova para por em casa porque a anterior tinha sido levada pela força das águas. O problema, agora, tem a ver com a oferta e procura de certo tipo de negócios.
"O que estamos a ver é que, a nível de orçamentos para arranjar outras coisas, são extremamente altos para tudo", queixa-se.
"Para colocar, por exemplo, azulejos numa determinada zona da casa, pedem nove mil euros. Há muitas pessoas à procura deste tipo de obras por isso os preços subiram muito."
Um mês depois das cheias de Valência
Valência, 29 de outubro de 2024. A data já está na(...)
Aos poucos, e apesar das dificuldades, lá vão abrindo alguns negócios pelo meio de todo o comércio que se mantém fechado. Ainda na semana passada abriu um "horno", como por aqui se designam as padarias. Mas, um mês depois, ainda há situações que não esperava que existissem.
"Há pessoas a viver ainda em situações deploráveis, que só agora começaram a ter água quente em casa, sem supermercados e que se abastecem de comida numa fila á porta de uma igreja, onde há um ponto de distribuição de comida. Esperávamos que nesta altura, as coisas já estivessem muito melhor."
Marco Silva, um jovem português residente em Valência - onde fez parte do seu percurso académico -, foi dos que ajudou, voluntariamente, os afetados. Durante alguns dias, levantouse cedo, pegou em pás e vassouras e atravessou o rio Túria, de Valência para as zonas afetadas, para ajudar nas limpezas.
Aponta o dedo ao presidente da Generalitat, que "ou tomava uma ação e não acontecia nada, e caiam-lhe em cima, por parar uma comunidade sem nada acontecer, ou dava os alertas devidos e, a confirmar-se o que veio a acontecer e se todos estivessem em casa, seria um herói".
Em resumo: se a primeira intervenção tivesse sido outra, hoje talvez não existissem ainda tantos problemas.
Em Picanya, colada a Paiporta, vivia Pedro Sousa, num rés do chão alugado, não muito longe da Ribeira de Poyo, onde não passava água há anos e que agora transbordou.
"Tive que ir viver a 62 quilómtros de distância de Valência, onde está a família da minha mulher, que é espanhola", explica Pedro, que revela ter gastado as poucas poupanças que tinha em dois automóveis usados e velhos, que tem na oficina a recuperar.
A ideia é voltar ao trabalho já em dezembro, ele e a mulher, enfermeira. Ambos trabalham por turnos e cada um terá de usar um automóvel para ir e voltar do trabalho. Até conseguirem uma casa mais próximo de Valência.
Para já, vive com os sogros. O filho, ainda criança, está a frequentar a escola local. A filha, mais velha, essa ficou em Valência. Seria impossível fazer 120 quilómetros diários para ir para a escola.
"Está em casa de amigos, porque estamos a 60 quilómetros de distância. A nossa vida está lá e ela não pode viver connosco. É uma coisa que eu não gosto nada, porque a minha família não está unida", desabafa este português, há 21 anos a viver em Espanha.
Ele e a mulher beneficiam de uma licença com vencimento, para conseguir reorientar a sua vida. Do governo regional ainda não chegou qualquer ajuda.
"Não sei porque esperam. Se as pessoas têm de reconstruir as suas vidas, as ajudas deviam ser o primeiro a chegar. De tudo o que tenho direito, recebi, diria, cinco por cento do total. E com isso não posso fazer nada".
As tão faladas ajudas para alugar casa também tardam em chegar. Por isso, Pedro não tem dúvidas.
"Não sou espanhol de origem, sou português, mas acho que tenho direito a falar. Tenho 21 anos de trabalho e de impostos aqui, por isso acho que tenho o direito de dizer que a classe política neste país, infelizmente, não está à altura do povo que tem".