29 out, 2024 - 09:30 • José Pedro Frazão , enviado da Renascença aos EUA
Nilda Ruiz foi surpreendida com as palavras do comediante Tony Hinchcliffe que, no comício de Donald Trump, comparou Porto Rico a uma "ilha de Lixo" — a tal ponto que começaram a chover pedidos de entrevista.
A líder da plataforma de organizações porto-riquenhas nos Estados Unidos (EUA) decidiu, então, voltar a casa e trocar os jeans por uma roupa mais formal para marcar uma posição nos media.
A Renascença foi o primeiro órgão de comunicação social a escutar a presidente da chamada "Agenda Nacional Porto-Riquenha", que vive e trabalha em Filadélfia, estado da Pensilvânia. Nilda Ruíz diz que os porto-riquenhos têm agora o poder do voto para responder a Trump.
A ilha de Porto Rico, nas Caraíbas, é território dos EUA, mas os seus habitantes não podem votar nas eleições norte-americanas. Em situação diferente está a vasta comunidade porto-riquenha que vive nos EUA: como nativos de um território norte-americano, ganham esse direito assim que se mudam para o continente, sem que seja necessário terem um visto.
De acordo com o último censo de 2021, pelo menos 5,8 milhões de porto-riquenhos viviam nos EUA, o que perfaz cerca de 9% da população latina. São votantes aos quais tanto Trump como Kamala Harris têm tentado apelar.
A campanha de Trump está a tentar distanciar-se da piada sobre porto-riquenhos que os comparou a uma ‘ilha cheia de lixo’. Como vê este facto?
Não se pode fazer essa distinção, porque aquilo era o seu comicio. Para uma pessoa poder falar, tem de ter a sua autorização ou das suas pessoas. E se ele não sabia, então isso traz outro problema. Será que está pronto para governar quando não sabe o que vai acontecer no seu próprio evento?
Ele também tem demonstrado, vezes sem conta, o ódio e o desprezo que sente pelo nosso povo. Quando o furacão Maria aconteceu em Porto Rico, ele chegou muito atrasado para ajudar. Não libertou o dinheiro sair, depois foi visitar e começou a atirar papel higiénico às pessoas.
O pouco respeito que ele tem pelos porto-riquenhos é ultrajante. E, quando era presidente, até disse que podia vender ou trocar Porto Rico pela Islândia ou Gronelândia ou algo assim. Ele faz sempre esse tipo de piadas. mas não somos anedotas. Somos americanos, como todos os cidadãos aqui nos Estados Unidos. E tratarem-nos assim, como cidadãos de segunda classe, passamos até para terceira ou quarto nível. Eles olham para nós e colocam-nos de lado.
Espero que isto abra os olhos dos porto-riquenhos. Se o seu filho não se comporta bem, o que faz? Pune-o, certo? Ou dá-lhe um prazo. Espero que os porto-riquenhos possam acordar e ver que isto não está certo.
E o único poder que temos agora é o voto. E que, no dia 5 de novembro, possam puni-lo ao não votar nele. Isso não era aceitável. E esse é o poder que temos agora.
Isso significa que se abre a possibilidade de Kamala Harris recolher os votos dos porto-riquenhos?
Os porto-riquenhos também estão divididos. Mas, agora, depois disso, não sei. Kamala disse este Domingo que tinha um plano para ajudar Porto Rico. E esta é a primeira vez que um candidato, antes de ser presidente, apresenta um plano para Porto Rico.
Era um bom plano. Ou seja fomos felizes pela manhã e à tarde, ouvimos este senhor Hinchcliffe e o lado de Trump a desrespeitar-nos da forma como o fizeram. Uma ‘ilha de lixo’? A sério? Não é aceitável.
É possível mudar a sua opinião se Trump disser de viva voz que não concorda com o que foi dito sobre Porto Rico?
Não quero falar por todos os porto-riquenhos, porque não sei. Tínhamos muitos homens que apoiavam Trump. E isso também é triste, porque eles precisam defender de nos defender a nós, mulheres. Há muitas complicações nisso. Ao longo de todo o tempo em que foi presidente, e ao longo desta eleição, Trump mostrou a pouca consideração que tem para com os porto-riquenhos e pelos latinos.
Ele acha que todos os que vêm para este país são violadores e criminosos. Sabe, temos muitos violadores e criminosos que são cidadãos americanos e não fala sobre isso. Não se pode pegar num pincel largo e dizer que todos os imigrantes são assim.
Os imigrantes não estariam neste país se não fossem necessários. Esta economia cairia se não as tivéssemos. E precisamos de tratá-los com dignidade. Sempre foi assim. Foi isso que tornou a América num grande país como é hoje. Porquê? Porque aceitamos pessoas novas. Aceitamos a inovação. Este é o país das oportunidades. E nós amamo-lo por causa disso.
Não é que acreditemos em fronteiras abertas em que qualquer um pode entrar. Somos um estado de Direito. E esperamos que haja uma maneira adequada de entrar neste país. Mas não os devemos demonizar. E a forma vulgar como este comediante se expressou sobre os imigrantes, sem decoro, é tão inaceitável.
Pareceu-me que estava a reconhecer que Trump até tinha um bom plano para Porto Rico. Era isso que estava a dizer?
Fiz algumas pesquisas e quando ele foi Presidente, pôs em prática algumas políticas que não eram más. Mas o problema é que ele nunca libertou o dinheiro. Por isso, Porto Rico ficou realmente sufocado e muita gente morreu, porque ele simplesmente não libertou essas verbas. Quando Biden assumiu o cargo, disponibilizou esse dinheiro. E começámos a ver melhorias na infraestrutura. Porto Rico tem muitos problemas de infraestrutura. Temos apagões, por exemplo. Mas isso não aconteceu nem vai ser resolvido da noite para o dia. Mas pelo menos o dinheiro está a fluir.
A outra face dessa moeda é que precisamos de ajudar Porto Rico a tornar-se economicamente progressista. É preciso ajudar os empresários e o comércio. E os porto-riquenhos estão dispostos a fazer isso. Não é como estivessem apenas à espera que os organismos federais cheguem e ajudem.
Mas para qualquer país poder ter bons negócios e comércio, é preciso ter uma boa infraestrutura. E é nisso que precisamos que o governo federal ajude. Depois da tempestade Maria, ainda não temos eletricidade boa. A Internet vai caindo. As estradas são assustadoras.
Eleições nos Estados Unidos
Vieram de vários estados norte-americanos e ficara(...)
Ele prometeu investir?
Sim, mas o dinheiro nunca saiu daqui. Mas com Biden, o dinheiro saiu. E Kamala está procurar continuar com isso e até melhorá-lo.
E Kamala tem um plano para Porto Rico?
Kamala tem um plano. E parece bom. Trump, pelo outro lado, não mostrou nenhum plano.
E há ainda muitos parceiros que gostariam que Porto Rico se tornasse um estado. Isso é todo um outro debate e, provavelmente, uma conversa para outro dia. Mas ele também tirou isso da sua agenda.
E como podemos tolerar tamanho desrespeito pelo nosso povo? Eu desafiaria as pessoas que o apoiam em Porto Rico a levá-lo a teste sobre isso. Não devemos permitir que ninguém nos desrespeite dessa forma. Se está realmente interessado em se tornar um estado, então empurre-o nesse sentido e certifique-se de que isso faz parte da agenda. Mas isso não está a acontecer. E estamos a aceitá-lo.
Porque aceitamos tão pouco e tão mau comportamento de Trump? Michelle Obama disse tão bem que esperamos muito de Kamala. Ela tem que ser perfeita. Mas Trump pode fazer o que quiser. E para mim, isto foi a gota de água. E como porto-riquenha, estou ofendida. Estou indignada. E acho que nenhum de nós deve permitir que isso aconteça.
Todos querem o nosso voto. Esse é o nosso poder agora. Vamos usá-lo. Não sejamos um gigante adormecido. Este é o momento de acordarmos e mostrarmos o nosso poder.
A Pensilvânia tem uma forte votação de porto-riquenhos aqui?
Há mais de 350 mil porto-riquenhos registados para votar. Na última eleição, Biden venceu apenas por 81 mil votos. E a anterior, Hillary Clinton, só perdeu por 41.000 ou 40.000 votos.
Agora, os porto-riquenhos são 350 mil. Numa disputa tão apertada, podemos determinar a próxima eleição na Pensilvânia. Mas temos de sair e votar. E acho que este é o momento de fazê-lo.
A imagem dos porto-riquenhos está ligada a esse tipo de preconceito sobre crime. Há um esforço de retirar a imagem dos porto-riquenhos os aspetos ligados ao bairro difícil de Kensington, aqui em Filadélfia?
Em Kensington, a maioria não são porto-riquenhos. São brancos que vêm do subúrbio e vêm usar drogas. Acontece que muitos dos subúrbios não têm recursos.
Mas aquelas pessoas não são da nossa gente. Quando o nosso povo fazia isso, eles eram presos. E agora, estão a ministrar-lhes apoio de saúde mental. E não digo que é uma coisa errada. Quando você é pobre e um viciado, tem problemas de saúde mental, isso dói a todos. E não são apenas os porto-riquenhos.
Mas esta imagem de que aqueles são os porto-riquenhos não é verdadeira. Essa é a propaganda que é colocada lá fora. As pessoas só precisam dar um passeio por Kensington e ver quem são as pessoas que estão lá. Não é o nosso povo.
Onde estão os porto-riquenhos em muitos aspetos da sociedade da Filadélfia?
Filadélfia tem maior concentração de porto-riquenhos do que qualquer outro lugar do país.
Temos uma vereadora porto-riquenha aqui no nosso bairro. O nosso presidente de câmara é muito simpático e solidário com a comunidade porto-riquenha. E colocou pessoas em posições. Incluindo no departamento de polícia.
A nível local lidera a Associação Porto-Riquenhos em Marcha. Que trabalho fazem?
Empregamos 400 pessoas e servimos milhares de famílias. Temos quatro clínicas de saúde mental. E realmente fazemos planos de tratamento para ajudar as famílias. Temos também um programa em ambulatório de drogas e álcool.
Temos também a educação infantil para mais de 600 crianças na nossa primeira infância, dos 3 aos 5 anos. O nosso maior programa são os nossos serviços de proteção de crianças que estão em instituições de acolhimento e que tentamos reunir ou colocá-las para adoção.
A nossa área mais visível é a nossa comunidade de desenvolvimento económico, onde construímos mais de 500 unidades de habitação acessível aqui na Filadélfia para aluguer e propriedade de casa E fazemos aconselhamento habitacional e financeiro para ajudar as famílias a serem autossuficientes.
Todos os tipos de famílias ou apenas porto-riquenhos?
Todas as famílias. A Associação dos Porto-Riquenhos em Marcha foi iniciada na década de 70. 90% da população aqui era porto-riquenha que veio de Porto Rico e cinco veteranos porto-riquenhos do Vietname começaram a APM com alguns voluntários. Hoje somos muito pressionados a sair desta zona. A nossa administração decidiu há muitos anos que serviríamos todos. Assim, a APM tem hoje mais de 18 nacionalidades. Servimos uma enorme população de afro-americanos. E temos também afro-americanos na nossa liderança.
E qual é o papel da Agenda Nacional Porto-Riquenha? Que tipo de aliança é essa?
Quando a crise fiscal estava a acontecer em Porto Rico, o alarme disparou. E estávamos a ir em direção a um penhasco. Estávamos a precisar de fazer algo que as pessoas em Porto Rico não vão ter, especialmente os mais velhos. E começámos a procurar outras organizações nacionais.
E o que percebemos é que a relação de Porto Rico e dos Estados Unidos é complicada. E agora temos mais porto-riquenhos nos EUA. Somos 6 milhões aqui e 3,2 milhões na ilha.
Então para que pudéssemos educar, unir e criar soluções para os porto-riquenhos aqui e na ilha começámos a AGENDA.
A Renascença nos Estados Unidos com o apoio da TAP Air Portugal.