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Valência

Portugueses em Valência. “Perdi tudo, a vida vai ser muito difícil de recompor”

04 nov, 2024 - 17:55 • João Cunha em Valência

Direta ou indiretamente, também há portugueses afetados pela tragédia em Valência. Todos criticam a falta de ajuda estatal e aplaudem o trabalho dos voluntários.

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De um momento para o outro, só não perdeu a vida. Tudo o que Pedro Sousa e a família tinham foi levado pela enxurrada de água e lama que percorreram Picaña, um dos municípios da comunidade valenciana, colado a Paiporta.

“A minha casa ficou debaixo de um metro e meio de água. Quando sai do meu apartamento, a água chegava-me pelo peito. Para ter uma ideia, eu tenho um metro e noventa de altura”, diz, emocionado.

A violência da água foi tanta que perdeu tudo. A casa, tudo o que estava lá dentro, “os carros que tinha, uma mota e tudo”, ficou sem nada.

Há 21 anos que este natural de Vila Real está em Valência. Há três em Picaña. Trabalha como vigilante numa empresa de segurança. Vive com a mulher e os dois filhos, uma com 18 anos e um rapaz com 4. Os últimos dias têm sido muito difíceis.

Nós salvámos a vida porque tínhamos os nossos vizinhos do primeiro e segundo andar que nos deram casa para dormir na primeira noite. Eu, em quatro dias, já estive em quatro sítios diferentes. Agora estou mais estável, estou em casa de familiares. Mas não tenho nada, estou a viver de ajudas”, conta Pedro Sousa.

"Quando uma família perde tudo, se não tem ajudas, afunda-se”

O português enaltece o trabalho dos voluntários. Se não fossem eles, diz, ainda teria um mês de trabalho pela frente, a limpar a casa. Mas gostava de ver mais do que voluntários, de pás na mão, a prestar auxílio: “O governo espanhol não está a ajudar em condições. Estamos desamparados. As pessoas estão desamparadas.”

Pedro Sousa explica que conseguiu tirar quase tudo o que estava em casa, tudo o que estava destruído, graças à ajuda das pessoas de Valência, “que atravessam o rio Túria a pé, para ajudar como podem quem perdeu tudo”.

Face ao cataclismo e à perda total de todos os seus bens, Pedro Sousa reclama ajudas para a sua família, e para todas as famílias afetadas, conseguirem recuperar: “Sem ajudas, uma família que perde tudo, como a minha e muitas outras, a vida vai ser muito difícil de recompor. Muito difícil. A vida é o mais importante, mas no mundo que temos, quando uma família perde tudo e se não tem ajudas e um apoio mínimo, afunda-se.”

Mais a norte de Picaña, em Quart de Poblet, vive outra portuguesa.

Inês Pinto tem 30 anos, é de São João da Madeira. A rua onde vive ficou parcialmente inundada. Veio há quatro anos de Londres para Valência, cidade natal do namorado, também ele enfermeiro – que, na passada terça-feira, tentou chegar a casa e não conseguiu.

“Foi apanhado pelas águas. Tinha água no carro até ao retrovisor. Conseguiu sair e teve de ir para casa dos pais, não conseguiu vir para casa nessa noite”, adianta.

"O que mais se via eram voluntários e pessoas a limpar como podiam"

Nos dias seguintes, Inês Pinto esteve em Aldaya, o município mais próximo, “que está completamente arrasado”.

Vi quatro militares, meia dúzia de bombeiros que tentavam fazer o melhor que podiam e, alguns polícias que tentavam coordenar. Mas o que mais se via eram muitos voluntários e pessoas a limpar como podiam. Faltam meios e falta ajuda”, lamenta Inês Pinto, que classifica de vergonhosa toda a falta de ajuda às populações afetadas.

“É vergonhoso. Não consigo entender. É uma falta de respeito pelas pessoas. Temos uma noção da catástrofe que é pelas imagens que vemos na televisão. Mas só mesmo que lá vai”, aos locais mais destruídos, consegue perceber que “é um cenário de guerra completo”.

A portuguesa aproveita a oportunidade para um agradecimento: “Posso só dizer uma coisa que acho muito importante? O vosso trabalho, dos jornalistas, é fundamental. É muito importante que se transmita o que está a acontecer porque é mesmo muito grave. E agradeço o vosso trabalho nestas alturas.”

A sua opinião partilhada por Inês Raimundo, que nasceu há 28 anos em Almada. Casou-se com uma valenciana e foi viver para Espanha. A sogra vive em La Torre e também perdeu tudo.

“Foi a parte debaixo de toda da casa, onde tinha a garagem, máquina de lavar e tudo o que as pessoas tem ali guardado. Tudo destruído, não conseguimos salvar nada”, sendo que agora, uns dias depois, a casa já não tem lama.

“Obviamente, ainda faltam muitas semanas de limpeza. Mas já podemos andar lá dentro, e isso já podemos considerar uma vitória”, considera. Inês Raimundo tem pena que tenha sido tão necessário o apoio dos voluntários pela falta de ajuda estatal.

“É incrível ver pessoas que não conheces de lado nenhum a chegar à porta da tua casa, cheios de lama, a perguntar o que é preciso para ajudar, e começam a carregar baldes, sem saber quem tu és”, diz esta portuguesa. “Estendem-te a mão para ajudar e estão o dia todo ao teu lado.”

Ainda assim, gostava que, pelo menos, as autoridades e pessoas qualificadas coordenassem essa ajuda. Faltou essa coordenação destes voluntários. Precisamos dessa coordenação e de meios qualificados e pessoas que possam dirigir as operações, para que o trabalho de todos seja muito mais eficiente.”

E para que o pesadelo acabe, o mais rapidamente possível.

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