01 nov, 2024 - 19:44 • João Cunha
O barulho dos pesados de um regimento de infantaria é suficiente para afastar as centenas de pessoas que circulam pelas ruas de Paiporta. Aos milhares, responderam afirmativamente a um apelo via redes sociais para arregaçar as mangas e ajudar. E entupiram a localidade, trazendo para o efeito pás, vassouras, baldes e esfregonas. Outros arrastam pela lama geradores de emergência, carrinhos de mão com água e comida e outros, em menor número, andaram quase seis quilómetros a pé, desde Valência, só para tirar fotografias e ver de perto a desgraça.
Logo depois de uma rotunda, onde é frenética a passagem de viaturas de emergência e da Guardia Civil, a rua de acesso ao Auditório está repleta de a limpar lojas, entradas de edifícios residenciais ou apenas a tentar afastar, sem sucesso, a lama e detritos que teimam em impedir a circulação. O auditório, um equipamento de ar moderno, está agora transformado num ponto de recolha de alimentos, água e roupa. E é também ali que foi montado pela Guardia Civil um ponto para a coleta de relatos de desaparecidos.
Dos que sobreviveram, muitos perderam tudo. Na fila numa das entradas para o auditório, com largas dezena de munícipes, Vicente Padron admite que nunca lhe tinha passado pela cabeça estar naquela situação.
“Não me imaginava numa fila destas, não.”, diz, cabisbaixo.
“Tinha sempre comida em casa, quando faltava comida ia ao supermercado e comprava o que queria. Havia sempre comida, água e tudo o que queria. Agora não tenho nada em casa”, desabafa, enquanto é interrompido por um grupo de quatro crianças que acompanham o pai, José Luis, que se junta á fila para a água, que está armazenada no exterior do auditório.
“Não, não”, exclama. Também nunca pensou ali ter de estar, mas ainda assim, apesar do caos e da desgraça, é otimista.
“Uns ficaram sem carro, outros sem casa, mas há gente que não está viva. Há que dar graças a Deus por estarmos vivos”.
O otimismo também é uma marca de Jimmy Sousa, que acaba de chegar e é o último da fila, que continua a aumentar. É pais de “dois filhos, um de sete e outro de cinco anos, que ficaram muito assustados e fartaram-se de gritar” aquando das inundações.
“Mas estamos a tratar de nos levantarmos e lutar, que é muito importante”, diz este colombiano, há 23 anos radicado em Espanha.
Chegam mais carros carregados de água e de alimentos, que os voluntários descarregam para o interior do edifício, também ele parcialmente afetado pelas inundações. A sair, de carrinho de compras cheio, está Isabel Encarnacion, que vive do outro lado da rua.
“Aqui todos são voluntários”, sublinha. “E nós agradecemos-lhes muito” pelo que estão a fazer. Quanto às autoridades, “vão começar a trabalhar, e isso vai levar o seu tempo”.