30 out, 2024 - 18:44 • Maria João Cunha (em Espanha)
“Espanha dá o melhor de si mesma em crises como esta”. Enquanto as primeiras palavras de Pedro Sánchez, na manhã desta quarta-feira, procuravam unir, em solidariedade com as vítimas, todo o país, instalava-se o mal-estar, com a oposição a acusar o partido do Governo de "baixeza moral” por não interromper os trabalhos no congresso dos deputados quando se deveria debater a reforma da televisão estatal.
Nuñez Feijóo, líder do PP, acusou o executivo de Sanchez de estar mais interessado, “numa das horas mais graves da história recente do país”, em “manter o controlo da RTVE” do que em ajudar as vítimas do temporal da última noite.
O Presidente do Governo espanhol reuniu o gabinete de crise, assim que na manhã desta quarta-feira se começou a perceber o impacto da forte depressão atmosférica que, na última noite, atingiu boa parte do território espanhol, inclusive Madrid e a região de Castilla-La Mancha, mas com especial impacto na Comunidade de Valência, onde se regista o maior número de vítimas mortais.
Sánchez prometeu “reconstruir as ruas, as praças, as pontes” de todas as localidades afetadas, com “todos os recursos do Estado e, se necessário, com verbas da União Europeia. Foram decretados 3 dias de luto nacional.
A partir das Canárias, durante a manhã, o rei Felipe VI pediu que não haja “nenhuma limitação de meios” no apoio às populações afetadas.
Durante a tarde, surge uma nova polémica: o Governo da Comunidade de Valência, do PP, está a ser criticado por uma das suas primeiras medidas: ter acabado com a Unidade Valenciana de Emergências, um organismo criado pelo anterior executivo, socialista. As críticas começaram nas redes sociais mas estão também em vários jornais espanhóis. Seria uma entidade “fantasma” e ineficaz, é a explicação dada esta tarde pelo atual executivo de Valência ao El País.
A informação ganha especial relevância quando se debate também o alerta às populações. O aviso meteorológico era das 7h30 da manhã de terça-feira, mas os SMS só terão chegado aos telemóveis de quem fazia a sua vida normal por volta das 8h da noite, e nesta altura já as águas tinham provocado as primeiras derrocadas.
Ao final da tarde em Espanha, contam-se 95 mortos e dezenas de desparecidos, ainda há localidades isoladas e sem luz ou água, estradas cortadas. Os municípios pedem combustível, tratores e máquinas para os trabalhos de recuperação. Foram enviados aviões e equipas de regaste militares para os trabalhos de localização de desaparecidos.
O Instituto de Medicina Legal de Valência tem várias equipas forenses no terreno para trabalhar agora na identificação das vítimas. Enquanto o número de vítimas mortais continua a crescer, há também uma linha dedicada para reportar desaparecidos.
Valência
O homem que perdeu a roupa com a força da corrente(...)
E a imprensa espanhola vai contando mais histórias de aflição da última noite. Histórias de salvamentos e histórias mais complicadas ainda sem desfecho. Como a de uma família da localidade de Paiporta, que procurava fugir das inundações no seu carro, em direção a Valência, e que foi apanhada pela torrente. Um pai procura agora a mulher e uma bebé de três meses, que depois de subirem para o tejadilho do carro, desapareceram entre a força das águas.
O fenómeno meteorológico registado esta terça-feira em Espanha é conhecido com DANA, o acrónimo em espanhol para “depressão isolada de alto nível”. Acontece quanto se formam massas de ar cuja temperatura é mais baixa do que a superfície e torna-se particularmente perigosa no encontro com as temperaturas mais quentes da água do Mediterrâneo.
São tão comuns em Espanha nesta região, sobretudo no fim do verão e no outono, que é comum o uso do termo popular “gota fria”, por vezes usado também para referir chuvas torrenciais que resultam inundações rápidas.
Em oito horas, nas zonas mais afetadas, choveu tanto como num ano inteiro. Desde que há registos, estes fenómenos extremos provocaram várias centenas de mortos e avultados prejuízos materiais em Espanha. Esta DANA, ou gota fria, será mesmo a pior do século XXI.