25 out, 2024 - 17:32 • Maria João Costa
Mia Couto ainda tem a unha negra. A tinta onde mergulhou o dedo da mão direita para comprovar que votou nas eleições de 9 de outubro saiu da pele, mas não lhe saiu da unha que mais parece ter sido entalada. É com esta certeza do dever democrático cumprido que o autor diz-se “muito angustiado” com o que se passa em Moçambique.
Em entrevista à Renascença, o autor admite que é com “uma grande apreensão” e preocupação que, nesta estadia em Lisboa, acompanha as notícias de Moçambique. O clima de tensão continua. Tem havido confrontos e hoje mesmo foram confirmadas centenas de detenções.
“Foram detidos 371 indivíduos e lavrados 44 processos-crime remetidos ao Ministério Público para posteriores trâmites legais", disse o porta-voz da Polícia Moçambicana, fazendo um balanço da ação policial na sequência das manifestações de quinta-feira convocadas pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane que viu dois dos seus apoiantes assassinados.
Mia Couto lembra à Renascença que estas mortes aconteceram perto da sua casa, em Maputo, e é lá que têm começado as manifestações. Preocupado, o escritor conta: “Estou aqui longe do país, estou a falar quilómetros de distância, mas estou lá, está lá a minha família, estão os meus amigos, está o meu país”.
"Certificar uma mentira é fraude", diz comunicado (...)
Olhando para o clima instável e depois da Comissão Nacional de Eleições moçambicana ter confirmado na quinta-feira a vitória de Daniel Chapo, o candidato apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) nas presidenciais, Mia Couto quer manter a esperança.
“Tenho fé que este apelo para a violência e para o ódio seja uma coisa circunstancial”, diz o autor que acaba de editar o livro “A Cegueira do Rio” (ed. Caminho), que tem como pano de fundo a História de Moçambique.
Mia Couto espera que “as pessoas regressem àquilo que é uma cultura muito própria do moçambicano, que é falar”. “Vamos conversar”, pede o escritor aos microfones da Renascença.
“Essa capacidade de diálogo foi o que fez com que parasse uma guerra que parecia que não tinha fim, foram 16 anos de guerra. As pessoas sentaram-se a uma mesa e encontraram uma forma de repor a paz”, lembra o autor.