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Violada por dezenas de homens, Gisèle Pelicot diz que "não nos cabe a nós ter vergonha, mas a eles"

23 out, 2024 - 22:16 • Miguel Marques Ribeiro

Mulher francesa violada centenas de vezes enquanto estava inconsciente, falou esta quarta-feira em tribunal pela segunda-vez.

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Gisèle Pelicot, uma mulher francesa que foi drogada e violada centenas de vezes, falou esta quarta-feira em tribunal para dizer que aquilo que lhe “aconteceu nunca mais poderá acontecer” e pedir a outras vítimas que "não tenham vergonha".

Alguns metros ali ao lado, na barra dos acusados, escutavam-na o ex-marido e alguns dos homens que este angariou para cometerem os abusos que eram gravados, fotografados e meticulosamente arquivados por Dominique Pelicot no seu computador pessoal.

As centenas de violações ocorreram entre 2011 e 2020 e, além do ex-marido, outros 50 réus estão a ser acusados de violação agravada. Se forem considerados culpados, arriscam até 20 anos de prisão.

Giséle, hoje com 72 anos, confessou que está “completamente destruída”. “Não sei se toda a minha vida será suficiente para compreender”, acrescentou.

"Homens excecionais"

Esta é a segunda vez que a vítima fala em tribunal, desde que o julgamento teve início a 2 de setembro, em Avignon, no sul de França. No primeiro testemunho, Gisèle Pélicot admitiu ter sido "sacrificada no altar do vício".

O depoimento desta quarta-feira foi realizado a pedido dos advogados de Gisèle, para que ela tivesse a oportunidade de responder às provas e testemunhos que foram apresentados nas últimas semanas.

Várias esposas, mães e irmãs dos arguidos afirmaram que estes eram “homens excecionais”, apontou a mulher que se tornou num ícone do feminismo, em França. “São iguais a quem tinha em casa”, acrescentou, referindo-se ao marido, de quem se divorciou em 2021.

"Estou a tentar perceber como é que este homem, que para mim era perfeito, pôde fazer isto. Como é que ele me pode ter traído desta forma? Como é que pôde deixar estes estranhos entrarem no meu quarto?", afirmou a vítima dos abusos.

Dominique Pelicot admitiu os crimes em tribunal. “Sou um violador”, afirmou, reconhecendo ter recrutado homens através da internet para violar a própria mulher, enquanto esta estava sob o efeito de fortes sedativos que este lhe ia administrando em segredo.

As provas recolhidas pelo tribunal são constituídas por mais de 20 mil vídeos e fotografias dos abusos, que foram retirados do seu computador pessoal.

Não nos cabe ao nós ter vergonha, mas a eles

A polícia acabou por descobrir os crimes em 2020 quase por acaso, depois de o acusado ter sido apanhado a filmar saias femininas num supermercado.

Símbolo da luta das mulheres

Gisèle Pelicot renunciou ao direito ao anonimato e solicitou um julgamento aberto. Os vídeos das alegadas violações estão a ser mostrados nas audiências. "Quero que todas as mulheres raptadas digam: a senhora Pelicot fez isto, eu também posso. Não quero que tenham mais vergonha", justificou. “Não nos cabe ao nós ter vergonha, mas a eles”.

Esta atitude tem sido destacada na opinião pública francesa. O julgamento atraiu um enorme interesse no país e Pelicot transformou-se num símbolo da luta das mulheres contra a violência sexual. No passado sábado, foram organizadas diversas marchas de apoio a Pelicot numa dezena de cidades francesas.

Um veredito é esperado no final de dezembro.

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