05 mai, 2023 - 11:39 • António Fernandes , correspondente em Londres
A coroação de Carlos III colocou a monarquia de novo no centro da discussão. Representa o fervor das bandeiras nas ruas e dos artefactos reais pelas ruas um apoio total à monarquia? Depende da forma como olharmos para os números das sondagens das últimas semanas. Por um lado, 58% britânicos prefere manter a monarquia a implementar uma república, ainda que esse apoio tenha baixado dos 62% desde a morte da Rainha Isabel II. Por outro, só três em cada 10 é que consideram a monarquia “muito importante”, e esse é o número mais baixo desde que há registo. Ou seja, há um desfasamento entre aceitar a monarquia e achar que ela é importante.
Ao longo dos últimos 15 anos, os picos de popularidade da monarquia estão directamente ligados a grandes eventos, como as celebrações do jubileu da Rainha ou o casamento do Príncipe William com Kate Middleton. A coreografia da coroação acaba, por isso, por ser o remédio para a crise de popularidade que a monarquia de certa forma enfrenta. Ao mesmo tempo, uma sondagem da YouGov indica que desta vez só 35% dos britânicos se interessa pela coroação, sendo que 31% dizem que não se interessam “de todo”. Mesmo a polémica e descontentamento que gerou o convite a que os membros do público jurem aliança ao Rei indica que a monarquia está longe de ser consensual.
Olhando para os números, há também grandes divisões consoante as idades: quanto mais novo, menor é o apoio à monarquia e, entre a faixa dos 18-24 anos, 38% pensa mesmo que a monarquia deve ser abolida. Para lá dos números, qual é expressão republicana no país? Uma pergunta para Harshan Kumarasingham, professor de política britânica na Universidade de Edimburgo: “Claro que há uma minoria forte republicana no Reino Unido, e de certa forma o maior inimigo deles era a Rainha Isabel IIa, porque era tão popular, independentemente dos ideais politicos de cada um. Agora que acabou o seu reinado longo e bem sucedido, Carlos terá um desafio gigante. Mas as instituições do Estado e as tradições do Reino Unido continuam viradas para a monarquia, desde que desempenhe um papel cerimonial e não político”.
A continuidade da monarquia é tema também dentro de portas, com a Princesa Anne, irmã do Rei, a reconhecer em entrevista à televisão canadiana CBS que “é verdade que em certo momento essa discussão tem de acontecer”, mas ressalvando que “a monarquia dá um grau de estabilidade a longo prazo que é difícil de estabelecer de outra forma”.
Apesar de o Rei entrar em funções no momento em que o seu antecessor morre, a coroação é um momento marcante em que é legitimado perante a nação. No entanto, representa apenas um começo e há muitos desafios pela frente. O primeiro passa mesmo por estabilizar a turbulência na família real , porque nos últimos anos tem sido constantemente primeira página nos jornais, e raramente por bons motivos. O Príncipe André teve acusações de abuso sexual que levaram ao seu afastamento, enquanto o Príncipe Harry, em livro e entrevistas, continua a dissecar os detalhes mais privados da vida da família real em praça pública.
Do ponto vista pessoal, Carlos III, aos 74 anos, traz uma bagagem maior do que outros antecessores . Há escândalos, nomeadamente durante o casamento com a Princesa Diana, mas também por expressar as suas opiniões e interesses, como as alterações climáticas. Esse é um aspecto de que, como Rei, tem de abdicar. Simultaneamente, tem de conjugar esse suprimir de opiniões com marcar a sua personalidade, e repensar o seu próprio papel enquanto Rei. De que forma pode a monarquia continuar relevante, numa altura em que para os mais jovens a popularidade por si só não chega? Carlos III deu um passo ao convidar líderes de várias religiões no Reino Unido a fazerem parte da cerimónia de coroação, e alargando os convidados a membros da comunidade, como instituições de caridade, afastando-se da exclusividade elitista do passado.
Numa altura de aperto financeiro perante a inflação, cresce também o descontentamento com os custos que a monarquia acarreta, e também por isso o Rei Carlos III terá de demonstrar como pode a monarquia continuar a ser relevante e essencial como garante da estabilidade.
Há também desafios fora de portas, e a própria coroação expôs isso. Carlos III é rei de 14 outros países da Commonwealth e a coroação abriu feridas do passado. Se os Barbados já abdicaram da monarquia em prol de uma república em 2021, outros países analisam o papel colonial e esclavagista do Reino Unido e a coroação gerou discussões sobre prestar lealdade a uma figura que personifica o sofrimento dos antepassados. A Jamaica está na linha da frente e planeia um referendo ao fim da monarquia, e o primeiro-ministro da Nova Zelândia, Chris Hipkins, já em Londres para a coroação, defendeu que a “independência completa é uma questão de tempo”.
As tours de membros da família real pelos países da Commonwealth são frequentes, mas Carlos III terá também de dialogar e convencer esses países de que a monarquia continua a servir os seus interesses, perante uma ameaça à esfera de influência política e comercial do Reino Unido.