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​Novo orçamento do Reino Unido. Hunt estende passadeira da austeridade

17 nov, 2022 - 14:49 • António Fernandes, correspondente em Londres

“Consolidação” leva a aumento de impostos e cortes na despesa. As previsões do Governo britânico apontam para que a economia encolha 1.4% no próximo ano.

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As coisas vão piorar antes de melhorar, essa é uma certeza que Jeremy Hunt, o quarto ministro das Finanças do Reino Unido em 2022, deixou esta quinta-feira a abrir a apresentação do Orçamento de Estado.

As previsões do Governo apontam para que a economia encolha 1.4% no próximo ano, confirmando os avisos do Banco de Inglaterra sobre uma recessão.

A culpa, diz Hunt, é da conjuntura internacional, com a guerra na Ucrânia e o seu impacto no aumento dos preços das energias e produtos alimentares. É também de um plano económico catastrófico apresentado pelo anterior Governo, que agudizou as já frágeis finanças britânicas.

Liz Truss pagou esse falhanço com a demissão, tornando-se na primeira-ministra com o mandato mais curto da história do Reino Unido. O seu orçamento centrava-se na redução de impostos, já este aumenta-os. Truss prometia “crescimento, crescimento, crescimento”, como as suas três prioridades. Na prática, a vassourada que Hunt deu no seu plano - apresentada como “estabilidade, crescimento e serviços públicos” - representa o maior apertão nas carteiras dos britânicos, de acordo com a ministra sombra para as Finanças, Rachel Reeves.


Consolidação ou austeridade?

O ministro das Finanças apresentou o Orçamento como uma “consolidação de 55 mil milhões de libras”. Ao longo de todo o seu discurso, Hunt recorreu a esta e a outras formulações semânticas para não dizer com todas as letras “aumento de impostos”. No entanto, é isso que os britânicos enfrentam agora: é através do aumento de impostos e da redução da despesa que será atingida a “consolidação”. Havia já o aviso de que o buraco nas Finanças era de cerca de 50 mil milhões de libras, a questão era como tapá-lo.

Estas são as principais medidas anunciadas pelo Governo:

  • Escalão mais alto de impostos (45%) começa agora nas 125 mil libras anuais em vez de 150 mil;
  • Congelamento dos valores nos restantes escalões até 2026;
  • Congelamento até 2028 dos valores de uma isenção sobre os impostos, que na prática significa que as primeiras 12,570 libras de rendimento não são taxadas;
  • Fim da isenção de impostos na compra de veículos elétricos a partir de 2025;
  • Aumento dos impostos nos lucros acrescidos das companhias de petróleo e gás, de 25 para 35%, até 2028;
  • Novo imposto temporário de 45% sobre empresas que geram eletricidade;
  • Gastos na Defesa mantidos a 2% (em vez de subir para 3% face à guerra na Ucrânia);
  • Gastos com ajuda externa mantidos nos 0.5% em vez de subir 0.7%;
  • Necessidade de encontrar “eficácia” em vários departamentos, ou seja, ver onde se pode cortar. Hunt falou num “período desafiante” para os serviços públicos.

Do que falamos quando falamos em semântica? Veja-se o exemplo do congelamento dos escalões. Lido assim, de repente, podia parecer uma boa notícia. Só que à medida que os salários sobem, acompanhando a inflação, mais pessoas podem subir de escalão, acabando a pagar uma taxa mais alta do que anteriormente.

Implementando estas medidas, diz Hunt, a “inflação e as taxas de juro serão significativamente mais baixas” que o previsto, baixando de 9,1% em 2022 (já abaixo dos 11% registados este mês) para 7,4% em 2023. Ainda assim, o desemprego vai subir para 4.9% em 2024.

Cortar com uma mão, gastar com a outra

Mas nem só de cortes e impostos se fez o novo Orçamento, e há também algumas boas notícias, para amenizar a ferida causada pela subida de impostos quando os britânicos já sofrem com a subida galopante do custo de vida.

As escolas e o Serviço Nacional de Saúde (o NHS) vão ver um aumento significativo nos seus orçamentos. Os descontos no Imposto de Selo sobre a habitação serão prolongados. Haverá pagamentos aos mais desfavorecidos para ajudar a suportar o custo da inflação.

O salário mínimo, definido à hora, sobe 9.7% para 10.42 libras por hora - cerca de 1.600 libras mensais para um trabalhador a tempo inteiro.

Outra das grandes bandeiras de campanha de Boris Johnson (quando foi eleito em 2019, ganhando a maioria para os Conservadores) foi a promessa de aumentar subsídios e pensões em linha com a inflação. Estava em risco, mas Hunt garantiu que vão mesmo subir de acordo com a inflação que foi registada em Setembro (10.1%).

Em relação à crise energética, Hunt anunciou que o limite no valor do custo anual por habitação (atualmente 2.500 libras) será mantido a 3.000 libras até abril de 2024. O projeto de uma nova central nuclear, Sizewell C, que pretende garantir mais independência energética no Reino Unido vai para a frente. Hunt prevê que a central vai criar 10 mil novos empregos e gerar 7% da energia consumida no Reino Unido - mas só a partir da próxima década.

O OBR (Office for Budget Responsibility) que lança as suas previsões em conjunto com as medidas do Orçamento, prevê, em resposta ao orçamento, que a recessão dure agora pouco mais de um ano. Esse é um cenário mais positivo que o previsto pelo Banco de Inglaterra antes do plano anunciado esta quinta-feira, quando antecipava a mais longa recessão registada no Reino Unido.

É, diz Hunt, uma recuperação “made in” Reino Unido para uma recessão “made in” Rússia. Uma análise dos últimos anos mostra, no entanto, que a economia britânica já estava a crescer a um ritmo mais baixo que os vizinhos do G7 desde 2019. Herança, entre outros, do Brexit e da quebra no número de trabalhadores que a saída da União Europeia gerou.

Também por isso, e ao fim de 12 anos de governação Conservadora, Rachel Reeves diz que esta é uma crise Made in Downing Street, a residência oficial do Primeiro-Ministro, e que quem pagará o preço é a classe trabalhadora.

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