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GUERRA NA UCRÂNIA

Rússia está a recrutar comandos afegãos treinados pelos EUA

31 out, 2022 - 19:42 • Lusa

O recrutamento estará a ser liderado pelos mercenários do Grupo Wagner, com o objetivo de criar uma "Legião Estrangeira". Afegãos são aliciados com promessas de estabilidade e proteção para as famílias.

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Soldados das forças especiais afegãs que combateram os talibãs ao lado das tropas norte-americanas e que fugiram para o Irão após a caótica retirada de Cabul em 2021 estão a ser recrutados pela Rússia para combater na Ucrânia.

A garantia foi dada hoje à agência noticiosa norte-americana Associated Press (AP) por três antigos generais afegãos, que adiantaram que os russos estão a contratar "milhares" de antigos militares das forças de elite do Afeganistão, criando desta forma uma "Legião Estrangeira".

Para os atrair, segundo referem os três generais afegãos, os russos oferecem o pagamento mensal de 1.500 dólares (1.520 euros), além de promessas de proteção, que envolvem também os respetivos familiares, evitando assim uma possível deportação para o Afeganistão, onde poderiam morrer às mãos dos talibãs.

"Eles não querem lutar, mas não têm escolha", disse um dos generais, Abdul Raof Arghandiwal, acrescentando que doze comandos afegãos no Irão com quem troca mensagens de texto temem mais a deportação.

"Eles perguntam-me: 'Deem-me uma solução. O que devemos fazer? Se voltarmos ao Afeganistão, os talibãs matar-nos-ão", disse Arghandiwal, acrescentando que o recrutamento é liderado pela força mercenária russa do Grupo Wagner.

Outro general, Hibatullah Alizai, o último chefe do exército afegão a deixar Cabul quando os talibãs ocuparam a capital e assumiram o controlo do país, disse que o exército russo está a ser ajudado por um outro ex-comandante das forças especiais afegãs que viveu na Rússia e fala a língua.

O recrutamento russo surge após meses de avisos de soldados norte-americanos que lutaram com as forças especiais afegãs de que os talibãs pretendiam matá-los e que os militares poderiam juntar-se aos inimigos dos Estados Unidos para permanecerem vivos.

Um relatório do Congresso em agosto alertou especificamente para o perigo de que os comandos afegãos - treinados pelas tropas especiais dos Fuzileiros e dos 'Boinas Verdes' do Exército dos Estados Unidos - possam acabar por dar informações sobre as táticas norte-americanas ao grupo Estado Islâmico (EI), ao Irão ou à Rússia, aceitando combater na Ucrânia e noutros locais de conflito.

"Não retiramos esses indivíduos como prometemos e agora está tudo a voltar-se contra nós", disse à AP Michael Mulroy, um oficial aposentado da CIA que serviu no Afeganistão, acrescentando que os comandos afegãos são combatentes "altamente qualificados e ferozes".

"Eu não os quero ver em nenhum campo de batalha, francamente, mas certamente não os quero ver a lutar contra os ucranianos", observou.

No entanto, Mulroy mostrou-se cético em relação ao ato de os russos conseguirem persuadir muitos comandos afegãos a juntarem-se às tropas da Rússia, porque a maioria que disse conhecer era movida pelo desejo de fazer a democracia funcionar no Afeganistão em vez de servirem como mercenários na Ucrânia.

A AP começou a investigar o recrutamento afegão quando foram divulgadas pela revista Foreign Policy, na semana passada, informações do esforço que os russos estão a fazer para recrutar os comandos afegãos, indicações que têm por base fontes militares e de segurança afegãs não identificadas.

Por outro lado, lembra a AP, o recrutamento ocorre quando as forças russas estão ainda a tentar recuperar dos avanços militares ucranianos e depois de o Presidente russo, Vladimir Putin, ter feito um esforço de mobilização vacilante, que levou quase 200 mil homens russos a fugir do país para escapar do serviço.

O Ministério da Defesa da Rússia não respondeu a um pedido de comentário feito pela AP. Um porta-voz de Yevgeny Prigozhin, que recentemente reconheceu ser o fundador do Grupo Wagner, descartou a ideia de um esforço contínuo para recrutar ex-soldados afegãos como uma "loucura absurda".

O Departamento de Defesa norte-americano também não respondeu a um pedido de esclarecimentos, mas um alto funcionário admitiu à AP que o recrutamento não é surpreendente, já que o Grupo Wagner está a tentar recrutar soldados em vários outros países.

Rússia atrai afegãos com promessa de proteção das famílias

Não está claro quantos membros das forças especiais afegãs que fugiram para o Irão foram persuadidos pelos russos, mas um disse à AP que está tudo a ser tratado através de mensagens de texto nas redes sociais, sobretudo no WhatsApp, envolvendo pelo menos 400 outros comandos, que estarão atualmente a considerar as ofertas russas.

O comando afegão adiantou que muitos, como ele próprio, temem a deportação do Irão para o Afeganistão e que e estão "zangados" com os Estados Unidos por estes os terem abandonado.

"Pensamos que eles poderiam criar um programa especial para nós, mas ninguém sequer pensou em nós", disse o ex-comando, que solicitou anonimato à AP, pois teme por si mesmo e pela sua família.

"[Os Estados Unidos] deixaram-nos simplesmente nas mãos dos talibãs", acrescentou, adiantando ter recebido uma oferta do Grupo Wagner, que inclui vistos para si e para a família, a mulher e três filhos, que ainda se encontram retidos no Afeganistão.

Outros ex-comandos afegãos já receberam extensões dos vistos e permanência no Irão, afirmou, sublinhando que está à espera para ver o que os outros decidirão. "Creio que muitos aceitarão um acordo".

Veteranos norte-americanos que lutaram ao lado das forças especiais afegãs descreveram à AP quase uma dúzia de casos, nenhum confirmado independentemente, de talibãs que vão de porta em porta à procura de antigos comandos ainda no país, torturando ou matando-os, ou fazendo o mesmo com membros da família se eles estão em parte incerta.

A organização Human Rights Watch (HRW) disse que mais de 100 ex-soldados afegãos, agentes dos serviços secretos a e polícias foram mortos ou "desapareceram" à força apenas três meses depois de os talibãs terem assumido o poder, apesar das promessas de amnistia.

As Nações Unidas, num relatório divulgado em meados deste mês, documentou 160 execuções extrajudiciais e 178 prisões de ex-funcionários do governo e militares.

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