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Mais de 60% votam contra nova Constituição progressista em referendo no Chile

05 set, 2022 - 16:30 • Redação com Reuters

Proposta chumbada por milhões de eleitores chilenos era drasticamente diferente da atual Constituição, que remonta à ditatura de Pinochet.

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Os chilenos votaram em massa contra uma nova Constituição no domingo rejeitando aquele que viria a ser um dos documentos fundamentais de um país mais progressistas do mundo.

Em 2020, quase 80% dos chilenos tinham votado a favor da elaboração de uma nova Constituição. Dois anos depois, e com 99,74% dos votos contabilizados, quase 62% rejeitou a proposta apresentada em referendo.

Karol Cariola, porta-voz da campanha pelo "sim", assumiu a derrota no domingo à noite, num discurso na baixa de Santiago do Chile, ressaltando que o mandato para se desenhar uma nova Constituição continua em vigor.

"Estamos empenhados em criar condições para canalizar a vontade popular por um caminho que nos conduza a uma nova Constituição."

O Presidente do Chile, Gabriel Boric, cujo executivo está largamente ligado à proposta apresentada, disse que vai anunciar alterações no Governo, para se avançar com a elaboração de uma nova Constituição.

"Temos de ouvir a voz do povo. Não apenas hoje, mas nos últimos anos intensos que atravessámos", declarou o chefe de Estado. "A fúria está latente e não podemos ignorá-la."

O Presidente também prometeu trabalhar com o Congresso e com os diferentes setores da sociedade para criar um novo texto com base nas lições da rejeição deste domingo.

A campanha contra a Constituição proposta foi promovida pelos partidos de centro-esquerda e de direita, que também já aceitaram entrar nas negociações de um novo documento fundamental.

Quase 13 milhões dos 15 milhões de eleitores chilenos foram às urnas.

Drasticamente diferente da atual Constituição, amiga dos mercados e que remonta à ditatura de Augusto Pinochet, a proposta chumbada focava-se em direitos sociais, o ambiente, paridade de género e os direitos dos indígenas.

A proposta da nova constituição estabelecia um conjunto de medidas sociais, como a saúde pública universal, educação gratuita e o acesso à habitação e à água, a par de medidas como a liberalização do aborto, a abertura à eutanásia, bem como a limitação da liberdade religiosa.

Para a Academia Latino-America de Líderes Católicos, sediada no Chile, o chumbo da proposta de constituição é a rejeição do radicalismo por parte da sociedade chilena. O diretor-geral da organização, José António Rosas, disse que as propostas apresentadas “geram grande desconfiança e incerteza entre a população chilena”.

Proposta não convenceu a maioria, mas processo deve continuar

A proposta de uma nova Constituição começou há um ano, na sequência de vários protestos violentos, que aconteceram em 2020, tendo sido constituído um grupo de trabalho para o efeito. Foi a primeira vez no Chile, e no mundo, que um grupo com o mesmo número de homens e mulheres redigia uma Constituição - princípio que estava refletido na proposta, através da definição do Chile como uma "democracia paritária”.

O projeto de lei da nova Constituição, elaborado pela Assembleia constituinte, refletia o peso das forças eleitas em maio de 2021– depois de a direita ter ficado em minoria. O resultado da Convenção foi um texto composto por 178 páginas, 388 artigos e 54 normas transitórias, que visavam um aumento significativo dos direitos sociais, da regulamentação ambiental e que dariam ao governo maior responsabilidade pelos programas referentes ao bem-estar social.

Logo no primeiro artigo o projeto a votos identificava o Chile como “um Estado social e democrático de direito”, “plurinacional, intercultural, regional e ecológico”, num texto constitucional que reconhecia expressamente a crise climática, as garantias de proteção de ecossistemas e que limitava a exploração mineira. O texto sugeria ainda o reconhecimento de 11 povos indígenas, não mencionados na atual Constituição, e ordenava o estabelecimento de Autonomias Regionais Indígenas com autonomia política. A proposta reconhecia ainda o exercício livre e não discriminatório dos direitos sexuais e reprodutivos, estabelecendo que o Estado deveria garantir as condições para a gravidez, parto e maternidade e para a interrupção voluntária da gravidez (devidamente regulamentada pelo legislador).

Apesar de ter sido elogiado internacionalmente, por responder aos pedidos por mais igualdade e uma democracia mais inclusiva e participativa, após a divulgação do projeto, várias sondagens começaram desde logo a revelar uma tendência crescente de rejeição, que foi agora confirmada nas urnas.

"Hoje estamos a consolidar uma grande maioria de chilenos que viram a rejeição como um caminho de esperança", disse Carlos Salinas, porta-voz da campanha contra a nova Constituição.

"Queremos dizer ao governo do Presidente Gabriel Boric (...) que hoje deve ser o presidente de todos os chilenos e juntos temos que seguir em frente," acrescentou.

Assim, deverá agora ser iniciado um novo processo para reescrever a Constituição de forma a que represente melhor os interesses dos eleitores chilenos.
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