03 mar, 2022 - 15:36 • Marina Pimentel
O Tribunal Penal Internacional (TPI) abriu, formalmente, uma investigação aos alegados crimes de guerra da Rússia, depois de ter recebido denúncias de 39 países, incluindo Portugal.
Vai ser um processo longo, na opinião do antigo juiz do TPI para a ex-Jugoslávia Almiro Rodrigues. Em entrevista à Renascença, o juiz internacional, agora jubilado, diz que este é um momento decisivo para a investigação, porque é o tempo da recolha de prova.
”É muito provável que o procurador já esteja no terreno, a fazer contactos”, diz Almiro Rodrigues. ”Este processo de recolha de prova é um processo imenso porque significa muita cooperação entre Estados, Organizações Internacionais ,ONGs. Mas é mesmo este o momento."
Nessa recolha de prova, “é importante que todos participem”, incluindo a própria população, fazendo vídeos e fotografias, diz o juiz, partindo da sua própria experiência no caso da ex-Jugoslávia. Esta necessidade é reforçada pelo facto de a Ucrânia ser um território imenso.
O procurador-geral do TPI, Karim Khan, vai investigar eventuais crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Almiro Rodrigues diz que, como qualquer juiz, só pode pronunciar-se perante os factos e as provas. mas não tem dúvidas de que "bombardear alvos civis, como uma escola ou um hospital, é crime de guerra".
O antigo juiz do TPI para a ex-Jugoslávia explica que, depois, ”face à situação concreta, há toda uma série de nuances e variações que por vezes é difícil de provar e de testar. Porque se, por exemplo, eu meto soldados dentro de uma escola, para fugir à hipótese de ser bombardeado, quem bombardeia essa escola não comete um crime de guerra”.
Almiro Rodrigues diz que “não serão investigados apenas os crimes cometidos durante a invasão russa que está em curso. mas também todos os que possam ter ocorrido em 2014,aquando da indexação da Crimeia".
”Embora a Ucrânia, tal como a Rússia, não seja parte do tribunal Penal Internacional, em Setembro de 2015 o MNE da Ucrânia declarou a intenção de se sujeitar à jurisdição do Tribunal que é no fundo uma via excecional em que os Estados podem aceitar a jurisdição numa base 'ad hoc', mediante a apresentação de uma declaração. Essa declaração permite que o Procurador-Geral do TPI possa investigar a situação na Ucrânia a partir de 21 de Novembro de 2013, o que quer dizer que vai apanhar todo o processo de ocupação e anexação da Crimeia."
O antigo juiz do TPI para a ex-Jugoslávia reconhece a dificuldade do caso, até pelo facto de a Rússia não ser Estado parte da Convenção que cria o Tribunal Penal Internacional. Mas o magistrado acredita que quem for condenado, mais tarde ou mais cedo, acabará por ser apanhado, como aconteceu com os autores do genocídio na Bósnia.
“Não seria a primeira vez que presidentes em exercício que nunca esperaram ir parar ao TPI foram lá parar. Lembro o caso de Milosevic, lembro o caso do Omar al- Bashir, que nunca pensaram que iriam ser julgados. E foram”.
Almiro Rodrigues recorda também os casos de Radovan Karadzic e do Ratko Mladic que andaram fugidos durante anos, mas acabaram por ser apanhados. "A partir do momento em que o desconforto do país começar a apertar é o próprio país que tende a encontrar forma de entregar os acusados pelo TPI."
Almiro Rodrigues admite, no entanto, que “o processo vai ser longo". Quando lhe é perguntado quanto tempo poderá demorar, até haver uma acusação no caso russo, o juiz responde que "nunca será possível chegar a uma conclusão sobre este caso antes de um período de cerca de doze anos".