19 jul, 2021 - 13:24 • Sofia Freitas Moreira com agências
Um consórcio de 17 órgãos de comunicação internacionais denunciou que jornalistas, ativistas e dissidentes políticos de todo o mundo terão sido espiados através de um software desenvolvido pela empresa israelita NSO Group.
A empresa, fundada em 2011 nos arredores de Telavive, comercializa o "spyware" Pegasus, que, inserido num smartphone, permite aceder a mensagens, fotos, contactos e até ouvir as chamadas do proprietário.
A investigação publicada no domingo por um consórcio de 17 órgãos de comunicação internacionais, incluindo o jornal francês Le Monde, o britânico The Guardian e o norte-americano Washington Post, baseia-se numa lista obtida pelas organizações Forbidden Stories e Amnistia Internacional, que incluem 50 mil números de telefone selecionados pelos clientes da NSO desde 2016 para potencial vigilância.
Já segundo a BBC, a origem da lista não é clara e não há certezas de quantos telefones terão efetivamente sido pirateados.
A lista inclui os números de telefone de pelo menos 180 jornalistas, 600 políticos, 85 ativistas de direitos humanos e 65 líderes empresariais, de acordo com a análise realizada pelo consórcio, que localizou muitos em Marrocos, Arábia Saudita e México.
O documento inclui também o número do jornalista mexicano Cecilio Pineda Birto, morto a tiro algumas semanas após o seu nome ter surgido no ficheiro que agora deixou de ser secreto.
Correspondentes estrangeiros de vários órgãos de comunicação social, incluindo o Wall Street Journal, CNN, France 24, Mediapart, El Pais e a agência de notícias France-Presse (AFP), também fazem parte da lista.
Outros nomes no documento, que inclui um chefe de Estado e dois chefes de Governo europeus, deverão ser divulgados nos próximos dias.
Os jornalistas associados à investigação, batizada "Projeto Pegasus", encontraram-se com algumas das pessoas na lista e tiveram acesso a 67 telefones, que foram submetidos a um exame técnico num laboratório da Amnistia Internacional.
A NSO, que nega qualquer infração, tem sido regularmente acusada de vender a regimes autoritários, mas sempre defendeu que o "spyware" comercializado só era utilizado para obter informações sobre redes criminosas ou terroristas e é disponibilizado apenas a agências militares, policiais e de inteligência de países com bons registos de direitos humanos.
A empresa israelita afirma que a investigação original que conduziu aos relatórios, da ONG Forbidden Stories com sede em Paris e do grupo de direitos humanos Amnistia Internacional, estava "cheia de pressupostos errados e teorias não corroboradas".
A ONG Forbidden Stories confirmou a infeção ou tentativa de infeção pelo 'spyware' do grupo NSO em 37 dispositivos, incluindo 10 na Índia, de acordo com o relatório publicado no domingo.
Muitos dos números concentravam-se em dez países: Azerbaijão, Bahrain, Hungria, Índia, Cazaquistão, México, Marrocos, Ruanda, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, de acordo com os relatórios.
Isto incluiu pessoas próximas do jornalista saudita Jamal Khashoggi, que foi assassinado quando visitava o consulado saudita em Istambul, Turquia, em outubro de 2018, e o seu corpo desmembrado.
A investigação descobriu que o "spyware" foi instalado no telefone da sua noiva dias após o seu assassinato, e que o telefone foi alvo de spyware entre setembro de 2017 e abril de 2018.
O mais proeminente rival político do primeiro-ministro indiano, a figura da oposição Rahul Gandhi, foi selecionado duas vezes como potencial alvo de vigilância pelo programa em causa, avança o jornal The Guardian.
Dois números pertencentes a Gandhi, que liderou o partido do Congresso durante as eleições nacionais indianas de 2019, foram avançados como candidatos para uma possível vigilância no ano anterior à votação e nos meses seguintes pelo Pegasus da NSO.
Os telefones pertencentes a pelo menos cinco dos amigos próximos de Gandhi e outros funcionários do partido do Congresso foram também identificados como potenciais alvos.
As revelações vêm juntar-se a um estudo divulgado em dezembro de 2020 pelo Citizen Lab, um centro de pesquisa especializado em questões de ataques informáticos da Universidade de Toronto, no Canadá, que confirmou a presença do software Pegasus nos telefones de dezenas de empregados do canal Al-Jazeera, no Qatar.
A WhatsApp também reconheceu, em 2019, que alguns dos seus utilizadores na Índia tinham sido espiados pelo software.
A NSO não é a única empresa israelita suspeita de fornecer "spyware" a governos estrangeiros acusados de violar os direitos humanos, com o aval do Ministério da Defesa de Israel.
O software "DevilsTongue", da Saito Tech Ltd, mais conhecido como Candiru, foi utilizado contra cerca de 100 políticos, dissidentes, jornalistas e ativistas, denunciaram na quinta-feira peritos da Microsoft e do Citizen Lab.
Empresas israelitas como a NICE Systems e a Verint forneceram tecnologia à polícia secreta no Uzbequistão e no Cazaquistão, bem como às forças de segurança na Colômbia, acusou a ONG Privacy International, em 2016.