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Saída do PPE. Viktor Orbán consuma divórcio com o centro-direita europeu

03 mar, 2021 - 10:00 • Hélio Carvalho

Depois de acusações de ataques ao Estado de direito, ofensas pessoais e políticas nacionalistas, o Partido Popular Europeu perdeu a paciência com o partido do Governo húngaro e aprovou medidas para o suspender. Mas o seu líder não quis sair sem ter a última palavra.

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O partido do primeiro-ministro Viktor Orbán, o ultranacionalista Fidesz, anunciou esta quarta-feira que iria abandonar o Partido Popular Europeu (PPE), o maior grupo parlamentar no Parlamento Europeu.

A decisão inédita é a resposta do líder do partido às novas medidas do PPE, que abriram portas a uma suspensão e eventual expulsão do Fidesz do grupo (o partido húngaro já estava suspenso indefinidamente, mas a suspensão teve poucas consequências práticas).

Ao longo desta manhã, dois jornais detidos pelo Governo húngaro, o Magyar Nemzet e o Origo, já tinham adiantado que a saída estava iminente e seria consumada logo após a reunião dos líderes do PPE. A decisão final foi avançada no Twitter pela vice-presidente do partido, Katalin Novák, que partilhou uma carta assinada por Orbán.

"As reformas às regras do grupo do PPE são claramente uma manobra hostil contra o Fidesz e os seus eleitores (...). Os nossos eurodeputados vão continuar a falar por quem representam, os nossos eleitores, e vão continuar a defender os interesses do povo húngaro", escreveu Orbán, argumentando que é uma "desilusão" ver o PPE preocupado com os estatutos enquanto "milhares de europeus estão internados".

A decisão que motivou o divórcio entre PPE (a família europeia em que se inserem o PSD e o CDS-PP) e o Fidesz é uma reforma de estatutos aprovada esta manhã, que permite ao grupo europeu suspender ou expulsar um partido inteiro. Até agora, e apesar da suspensão do partido, os eurodeputados podiam continuar a representar o PPE no Parlamento Europeu.

O Fidesz de Viktor Orbán anda há anos em rota de colisão com as entidades europeias. Orbán tem promovido e implementado várias políticas antieuropeístas no Governo húngaro, que têm motivado críticas na Comissão Europeia e no seu partido europeu por atentarem contra o Estado de Direito.

Os membros do PPE aprovaram as mudanças nos estatutos com uma maioria de 84,1% (148 a favor e 28 contra). A suspensão dos eurodeputados do partido teria sido votada dentro de algumas semanas, caso o Fidesz não se tivesse antecipado.

A votação já era expectável, especialmente depois de uma parte influente dos eurodeputados do PPE, de países nórdicos e do Báltico, ter pedido outra vez a suspensão do Fidesz. “O PPE não pode demonstrar fraquezas perante as exigências do Fidesz”, dizia o comunicado de terça-feira, assinado inclusive pelo vice-presidente do PPE, Petteri Orpo, e pela primeira-ministra da Noruega, Erna Solberg.

Orbán tinha prometido sair antes que o mandessem embora

A quebra rápida e perentória do primeiro-ministro húngaro também não foi surpreendente. A deliberação só foi conhecida esta quarta-feira, mas Viktor Orbán já prometera fazer o Fidesz abandonar o PPE, antes deste ter a oportunidade de o expulsar.

No fim-de-semana passado, Orbán enviou uma carta ao eurodeputado alemão que encabeça o PPE, Manfred Weber, reiterando que “se o Fidesz não é bem-vindo, não nos sentimos motivados a ficar no grupo”.

As relações entre o Fidesz e o PPE já eram más há muito, mas recentes ataques e ofensas em torno do debate sobre o Estado de direito apressaram ainda mais a separação. Em dezembro, o principal eurodeputado do Fidesz, Tamás Deutsch, comparou comentários de Weber sobre o Estado de direito aos slogans da Gestapo (polícia secreta nazi) e da AVO (polícia secreta húngara nos tempos do comunismo no país).

Deutsch foi suspenso, mas não expulso – uma resposta comum aos inúmeros ataques de eurodeputados do Fidesz, já que a CDU (partido de Angela Merkel que lidera o PPE) tem estado relutante em agir para além disso.

O ataque de Deutsch foi a gota que entornou o copo de paciência do PPE.

Consequências no Estado de direito

A saída do partido do Governo húngaro do PPE também tem influências nos seus únicos aliados na União Europeia, a Polónia e a Eslovénia, e complicará o futuro do acesso aos fundos europeus.

A Hungria e a Polónia já fizeram tremer a União Europeia quando se opuseram a que o acesso a fundos europeus estivesse dependente do respeito pelo Estado de direito. Isto porque os dois países têm sido continuamente acusados de violar direitos fundamentais da União Europeia (como a liberdade de imprensa e os direitos de minorias étnicas, além dos ataques contra refugiados), mas querem continuar a receber fundos comunitários.

O bloqueio dos dois países foi angustiante para toda a comunidade europeia, já que um veto dos seus líderes impedia a aprovação da ‘bazuca’ europeia e a distribuição dos 1,8 biliões de euros pelos Estados-membros para debelar a crise da covid-19 no continente. No final, a mediação da Alemanha preveniu um desastre para a União Europeia.

Mas o debate mantém-se e a Hungria e a Polónia vão contestar novamente as condições de acesso dentro de meses – e desta vez sem a mediação de Angela Merkel, que sairá da liderança da Alemanha.

Quanto à Eslovénia, o seu primeiro-ministro Janez Janša continua a criar dores de cabeça ao PPE devido aos seus próprios ataques ao Estado de direito. Janša tem seguido um caminho semelhante a Orbán, como líder do partido ultranacionalista de direita, o SDS e, tal como o homólogo húngaro, Janša aproveitou a pandemia para aprovar legislação que aumentam os seus poderes, outro ataque fortíssimo ao Estado de direito.

Janez Janša, um fã acérrimo das ideias do americano Donald Trump, também tem atacado os jornalistas do seu país – este ano, já acusou a agência noticiosa eslovena de ser uma desgraça, travou temporariamente cortes no financiamento e teceu duras críticas a jornalistas estrangeiros no país.

Refugiados e George Soros no centro do sentimento antieuropeísta húngaro

As medidas do Governo húngaro que têm motivado mais críticas pelos parceiros europeus têm um alvo habitual: os migrantes. Os refugiados provenientes do Médio Oriente que passam pela Sérvia são continuamente impedidos de entrar no país e a demonização de migrantes é uma das principais pedras basilares da propaganda do Fidesz (apesar do reduzido número de migrantes no país).

No final de fevereiro, o principal procurar do Tribunal de Justiça da União Europeia, Athanasios Rantos, acusou a Hungria de violar leis de asilo europeias por criminalizar o apoio de indivíduos e de organizações não-governamentais a refugiados, além de bloquear a entrada de refugiados na fronteira com a Sérvia. O tribunal pediu ao Governo para levantar o bloqueio, mas Orbán não respeitou a decisão.

Orbán acusa o filantropo húngaro George Soros de potenciar e orquestrar a migração em massa de refugiados árabes para o país (outra mensagem popular junto dos seus apoiantes). O primeiro-ministro e o Governo húngaro deram o nome de leis “Stop Soros” ao conjunto de legislação anti-imigração.

Os ataques a George Soros motivam inúmeras teorias de Orbán, que diz que o filantropo controla a União Europeia com a sua riqueza. Estas críticas motivam várias outras políticas antieuropeístas, especialmente contra universidades com investimento de George Soros e organizações não-governamentais que operam no país com investimento estrangeiro

Mais recentemente, Orbán encheu o sistema judicial com aliados próximos, uma decisão que se revelou frutífera quando, em fevereiro, um tribunal ordenou o fecho de uma estação de rádio independente, crítica do Fidesz e de Viktor Orbán. Bruxelas condenou a decisão e, agora, o único meio de comunicação tradicional independente na Hungria é a RTL, da Alemanha (outros órgãos de comunicação procuram furar o cerco na Internet e redes sociais).

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  • Anónimo
    04 mai, 2021 Lisboa 10:46
    Hungria: o PIOR país do mundo no combate à Covid-19. A Hungria pode ser irrelevante na situação política mundial, mas lá Viktor Orban conseguiu ser o número 1 em alguma coisa. É o que acontece quando a extrema-direita governa.

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