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Estudo

Doenças crónicas e falhas na saúde pública alimentaram mortes por Covid-19

16 out, 2020 - 08:33

"As doenças não interagem apenas biologicamente, elas também interagem com fatores sociais."

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A interação da Covid-19 com o aumento das doenças crónicas e fatores de risco associados, como a obesidade e a poluição, nos últimos 30 anos, criou a tempestade perfeita para alimentar as mortes pelo novo coronavírus, defendem os cientistas.

Num estudo publicado na revista The Lancet, os especialistas revelam que o aumento da exposição aos principais fatores de risco (incluindo hipertensão, açúcar elevado no sangue e colesterol elevado), combinada com o crescimento das mortes por doenças cardiovasculares em alguns países, “sugere que o mundo pode estar a aproximar-se de um ponto de inflexão nos ganhos em esperança média de vida”.

As conclusões são do Global Burden of Disease Study (GBD), que envolve especialistas que trabalham em mais de 1.100 universidades, centros de pesquisa e agências governamentais de 152 países e fornecem um novo olhar sobre como os países foram preparados em termos de saúde para a pandemia de covid-19 e estabelecem a verdadeira escala do desafio que representam as novas ameaças de pandemia.

O trabalho do GBD tem servido para suportar as políticas de saúde em diversos países, assim como para dar informação científica a organizações internacionais como o Banco Mundial ou a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Os autores sublinham que a promessa de prevenção de doenças através de ações ou incentivos governamentais que levem a comportamentos mais saudáveis e ao acesso a recursos de saúde não está a ter os mesmos resultados em todo o mundo.

“A maioria dos fatores de risco é evitável e tratável e enfrentá-los trará enormes benefícios sociais e económicos. Não estamos a conseguir mudar comportamentos prejudiciais à saúde, particularmente aqueles relacionados com a qualidade da dieta, ingestão calórica e atividade física, em parte devido à política inadequada de atenção e financiamento para saúde pública e pesquisa comportamental”, afirma Christopher Murray, da Universidade de Washington (EUA), que liderou o trabalho.

O estudo sublinha que vários fatores de risco e doenças não transmissíveis, incluindo a obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares, estão associados ao aumento do risco de doenças graves e morte por Covid-19, e destaca a importância dos fatores sociais para o resultado final.

“As doenças não interagem apenas biologicamente, elas também interagem com fatores sociais. É preciso uma ação urgente para abordar a coexistência de doenças crónicas, desigualdades sociais e covid-19”, defende Murray, referindo-se à interação de várias epidemias que exacerbam a carga de doenças em populações já sobrecarregadas e que aumentam sua vulnerabilidade.

Os autores frisam que há um reconhecimento tardio da importância do desenvolvimento social e económico para a saúde geral e apontam a necessidade de uma abordagem muito mais ampla, que preste mais atenção “a todos os impulsionadores da saúde da população”.

“Dado o impacto avassalador do desenvolvimento social e económico sobre o progresso da saúde, intensificar as políticas e estratégias que estimulam o crescimento económico, ampliam o acesso à educação e melhoram a condição das mulheres deve ser nossa prioridade coletiva”, diz Murray.

Segundo o estudo, embora a expectativa de vida saudável global - o número de anos que uma pessoa pode esperar viver de boa saúde - tenha aumentado continuamente (em mais de 6,5 anos) entre 1990 e 2019, não cresceu tanto quanto a expectativa de vida geral em 198 dos 204 países avaliados neste estudo e as pessoas estão a viver “mais anos com problemas de saúde”.

A deficiência, mais do que a morte precoce, tornou-se uma parcela cada vez maior da carga global de doenças, passando de 21% em 1990 para mais de um terço (34%) em 2019, destaca.

Os esforços globais de saúde para combater as doenças infeciosas e abordar os cuidados pré-natais tiveram sucesso na melhoria da saúde de crianças menores de 10 anos nas últimas décadas (com a carga geral de doenças a cair cerca de 55%), “mas isso não foi igualado por uma resposta semelhante em grupos de idade mais avançada”, sublinham os especialistas.

Segundo o estudo, os 10 principais contribuintes para o aumento das perdas de saúde em todo o mundo nos últimos 30 anos incluem seis causas que afetam amplamente os adultos mais velhos: doença cardíaca isquémica, diabetes, acidente vascular cerebral, doença renal crónica, cancro do pulmão e perda auditiva relacionada com a idade.

Além disso, quatro causas são comuns desde a adolescência até a velhice - HIV / AIDS, os problemas musculoesqueléticos, dor lombar e distúrbios depressivos.

Os responsáveis lembram que o aumento de problemas de saúde “ameaçam sobrecarregar os sistemas de saúde mal equipados para lidar com as condições crónicas associadas ao crescimento e envelhecimento das populações”.

Num editorial que acompanha o estudo na revista The Lancet é ainda deixado o alerta: “A menos que as desigualdades estruturais enraizadas na sociedade sejam combatidas e que uma abordagem mais liberal às políticas de imigração seja adotada, as comunidades não serão protegidas de futuros surtos infecciosos e a saúde da população não alcançará os ganhos que os defensores da saúde global buscam”.

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  • José J C Cruz Pinto
    16 out, 2020 Ílhavo 09:53
    Que diferença de seriedade e profundidade entre este estudo e o de um grupo de investigadores do Imperial College de Londres, por um lado, e as "tiradas" da nossa Ordem dos Médicos (anteontem publicadas neste portal da RR), por outro, sobre a evolução recente da mortalidade!! Of factos e os números até são semelhantes, ou até porventura os mesmos, mas ... os autores é que são diferentes, assim como as "agendas" - ambas globalmente boas, sem qualquer dúvida (embora talvez umas mais que outra), as intenções é que talvez não.

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