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Grupo integralista reivindica ataque à sede da Porta dos Fundos, no Brasil

26 dez, 2019 - 16:24 • Filipe d'Avillez

Num vídeo posto a circular nas redes sociais o grupo acusa os humoristas de serem “servos do grande capital” e de terem blasfemado contra o Espírito Santo, não merecendo por isso perdão.

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Um grupo integralista brasileiro está a reivindicar a autoria do ataque à sede dos humoristas da “Porta dos Fundos”, que recentemente criou polémica ao lançar um especial de Natal que tem sido considerado ofensivo para o Cristianismo.

A sede do grupo foi atacada na madrugada de 24 de dezembro, com cocktails Molotov. O ataque causou alguns danos materiais, mas não fez vítimas.

Agora surgiu um vídeo em que três homens encapuzados reclamam a autoria do ataque em nome do “Comando de Insurgência Popular Nacionalista, da Família Integralista Brasileira”.

No vídeo um dos homens lê um comunicado enquanto passam imagens de pessoas a acender e lançar cocktails Molotov contra um edifício.

O grupo diz que “buscou justiçar os anseios de todo povo brasileiro contra a atitude blasfema, burguesa e antipatriótica que o grupo de militantes marxistas culturais Porta dos fundos tomou quando produziu seu especial de Natal a mando da mega-corporação bilionária Netflix, deixando claro para todo o povo brasileiro, mais uma vez, como o grande capital anda de mãos dadas com os ditos socialistas.”

Segundo os alegados autores do ataque, “a Porta dos Fundos resolveu fazer um ataque direto contra a fé do povo brasileiro, escondendo-se atrás da liberdade de expressão. Esses malditos servos do Grande Capital blasfemaram contra o Espírito Santo quando chamaram a Nosso Senhor Jesus Cristo bastardo e a Maria prostituta e adúltera. Por isso não merecem perdão. Hoje a sede da Porto dos Fundos, na intenção de desagravo, foi justiçada”.

Nos Evangelhos Cristo afirma que todos os pecados podem ser perdoados por Deus, exceto o pecado contra o Espírito Santo, daí a alusão feita pelos autores do comunicado.

A mensagem continua com a condenação da burguesia e do capitalismo, que acusa de se unirem contra os valores brasileiros e afirma que “o Brasil é cristão e jamais deixará de ser, e nem a guerra e as perseguições nos mudarão, jamais”.

Este não é o primeiro ataque reivindicado pelo "Comando de Insurgência Popular Nacionalista", como se intitula. Em dezembro de 2018 o mesmo grupo queimou bandeiras antifascistas retiradas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Na altura, numa fotografia, apareciam pelo menos 11 homens encapuzados e vestidos com t-shirts com a bandeira do Brasil.

O que é o integralismo?

No vídeo, para além do nome com que se autointitulam, os homens surgem com símbolos associados ao movimento integralista brasileiro, incluindo a letra grega Sigma na manga do casaco. O sigma foi adotado como símbolo do integralismo por representar, na matemática, a soma dos valores.

O integralismo é um movimento internacional, de caráter nacionalista, que teve alguma importância nas décadas dos meados do Século XX. Politicamente, os integralistas acreditam que cada país deve adotar um sistema que tenha em conta, preserve e promova os valores, cultura e religião próprios, opondo-se assim a qualquer corrente internacionalista ou modernista, que considera massificadora.

No Brasil o integralismo teve como principal fundador Plínio Salgado, na década de 30. Desde essa altura o movimento dividiu-se e perdeu importância, mas ainda existem grupos que se identificam como tal. Um desses grupos já veio pôr em causa a veracidade do vídeo agora posto a circular e a negar qualquer relação entre o movimento integralista brasileiro e os alegados autores do ataque, referindo que faz parte dos princípios dos integralistas nunca taparem a cara.

“Entre os Integralistas é proibido o uso de máscaras para fins de militância. O uso de máscaras para tais fins é, com efeito, uma atitude anti-integralista. Aliás, nosso Manifesto-base, o Manifesto de Outubro, de Plínio Salgado, assim afirma: ‘A nossa campanha é cultural, moral, educacional, social, às claras, em campo raso, de peito aberto, de cabeça erguida. Quem se bate por princípios não precisa combinar cousa alguma nas trevas. Quem marcha em nome das ideias nítidas, definidas, não precisa de máscaras’”, lê-se na página de Facebook da Juventude Integralista.

Um dado curioso é o facto de no vídeo haver uma bandeira monárquica brasileira em cima da mesa. Embora os integralistas portugueses, do Integralismo Lusitano, tenham sido historicamente ligados ao movimento monárquico, no Brasil essa ligação não era tão clara e na maioria dos sites e páginas de grupos integralistas constam a bandeira atual do Brasil. No incidente envolvendo a Unirio, já referido, a bandeira que surge nas t-shirts dos homens encapuzados também é a bandeira atual do Brasil, e não a monárquica.

Sendo claramente de direita, em termos políticos, é simplista descrever o integralismo apenas como fascista, uma vez que existem diferenças significativas entre o fascismo e o integralismo, com este a rejeitar o racismo e a dar mais ênfase aos valores tradicionais católicos do que aquele. Contudo, há também evidentes semelhanças, não só estéticas mas de visão para a sociedade. Apesar da alegada defesa dos valores católicos, a Igreja brasileira nunca apoiou os movimentos integralistas.

Num artigo publicado no jornal brasileiro "Estadão" é feita uma análise ao integralismo brasileiro atual em que se refere também que os integralistas não são defensores de Bolsonaro, embora tenham em comum com ele uma enorme antipatia para com o a esquerda, nomeadamente o Partido dos Trabalhadores.

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  • pedro alves
    26 dez, 2019 beja 22:09
    Vendo o que fazem, como se vestem e o que proclamam parecem-me os primos brasileiros dos jiadistas. Tudo a mesma escumalha fanática.

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