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Bernardo Pires de Lima: “Conhecer o 'lado B 'é prevenir surpresas”

09 mai, 2018 - 16:00 • José Bastos

O autor de "O Lado B da Europa" viajou durante 11 meses pelos 28 países da União Europeia.

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"O Lado B da Europa" é produto de um "tour" de 11 meses pelos 28 países da União Europeia. O lançamento do livro, não por acaso, tem lugar no Dia da Europa, que se assinala esta quarta-feira, e disseca o quadro actual da União, aponta insuficiências e desenha desafios.

O autor, Bernardo Pires de Lima, é investigador universitário, colunista na imprensa e analista de temas internacionais na rádio e televisão pública.

O Lado B é muito diferente do Lado A no single "editado" por Bruxelas?

Olho para o Lado A como sendo uma espécie de grelha com uma narrativa idílica com chavões que, depois, não têm propriamente adesão à realidade.

A história da Europa e da integração europeia nos últimos sessenta anos é, muitas vezes, contada de uma forma muito simplista, que retira carga política (política aqui no sentido até de um lado perverso e maquiavélico da arte politica, diplomática e das relações económicas) e, no fundo, mascara essas dimensões do quotidiano político entre estados, sociedades e identidades históricas com alguns conceitos simplistas e cor-de-rosa.

O que tenho estudado ao longo dos anos e testemunhei com este percurso de 11 meses pelos 28 países - o livro é esse testemunho - é ter encontrado outros lados, mais perversos, mais negros, onde a história é manipulada por uma dimensão político-partidária para tirar proveito das realidades nacionais em detrimento dos princípios comunitários. Estes 11 meses incluem-se também num período de tempo em que dois jornalistas foram assassinados em Malta e na Eslováquia por investigarem casos de corrupção que atinge todo o establishment de alguns países. São casos assombrosos que, por exemplo, na Eslováquia levaram à queda do governo do primeiro-ministro Robert Fico.

E, claro, o livro reflecte toda a dimensão do Brexit, pela primeira vez um estado quer abandonar a União e as várias crises concêntricas seja refugiados, integração de comunidades, euro, seja nacionalismo vs cosmopolitismo, seja da intervenção de Putin na Ucrânia e da passada russa na consolidação de uma agenda alternativa, tudo isto são elementos que compoêm o lado B.

E esse "Lado B" afasta os cidadãos da Europa?

Nestes 11 meses em 28 países, eu vi de tudo. Vi milhares nas ruas de Bucareste contra legislação frágil face a casos de corrupção política e que, ao fim de muitas semanas nas ruas, conseguiram fazer implodir essa legislação. Vi manifestações de neonazis na Polónia, mas também concentrações três vezes maiores pró-Europa nas ruas de Varsóvia. Vi uma enorme mistura de sensibilidades.

O que parece é que a construção da narrativa da União Europeia, sobretudo criada a partir das suas instituições, mascara os lados negros da política dos estados membros. E como mascara depois constrói uma narrativa alternativa, demasiado cor-de-rosa que não encaixa nos anseios dos cidadãos. Há aqui um desfasamento que convém diluir e aproximar.

Essa desadequação integra alguns conceitos simplistas como a diferença países do Norte/países do Sul? A um cipriota e a um finlandês separa-os um abismo? Acentuam-se diferentes matizes na leitura da Europa?

Sim, há diferentes matizes, mas não é um fenómeno novo nem o livro as refere como sendo diferenças apenas de 2017. A União Europeia, a integração europeia também serviu, além de fazer a paz entre França e Alemanha no pós-guerra, para diluir as grandes diferenças estruturais entre as diferentes latitudes e longitudes europeias. Mas há um desconhecimento mútuo entre os europeus, acho mesmo que partilhando um espaço comum alargado não nos conhecemos como deveríamos. Em segundo lugar olhamos para várias regiões europeias com excessiva unanimidade, pintando-as de uma coesão inexistente.

Quando falamos do Leste, dos Países Bálticos, do sul da Europa, da Escandinávia, há muitas matizes e quando há paralelismos de concertação, muitas vezes, são meramente tácticos e conjunturais. Por exemplo, fala-se muito do grupo de Visegrado (Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia) que está em implosão e é usado de distintas maneiras por cada um dos quatro membros. Não vejo ali nenhuma homogeneidade e nenhuma das minhas entrevistas locais resultou na conclusão de que era um grupo coeso.

Essas simplificações com que olhamos as várias regiões da Europa parecem-me erradas. Não quer dizer que não tenham algum cabimento circunstancial de acordo com sindicâncias de voto no Conselho Europeu num debate particular, mas na prática são muito mais instrumentais do que convictas. Esta é outra das pistas apresentadas no livro.

O Brexit e o aumento da factura para todos, países ricos e pobres, já reflectidas no projecto de orçamento da UE são já consequências intuídas nos países?

Sim, mas com distintas perspectivas. Há Estados a olhar com distanciamento para a qualidade das negociações e do desenlace do Brexi como é o caso da Croácia. Vi muito mais interesse no Brexit na Polónia que em Zagreb. Há muitos países a ultrapassar a ansiedade e ameaça que o Brexit abre e a convertê-las numa janela de oportunidade para deslocação de empresas, alternativas como praças financeiras.

Há dimensões mais próximas como a portuguesa, polaca ou francesa com grandes comunidades a trabalhar no Reino Unido. Vi diferentes perspectivas em relação ao Brexit, mas, de facto, é uma janela que se abriu sem que tenha tido uma gestão das autoridades britânicas à altura, pelo menos até agora, com muito caos e pouca metodologia. Isso abre muita incerteza em diversas capitais sobretudo no debate público. A verdade é que não sabemos muito bem como é que tudo isto vai acabar.

Quanto ao futuro do euro, qual é o sentimento?

Ainda há muitos anti corpos sobretudo na Grécia e no Chipre. Há uma ferida ainda por sarar. Também notei muito no discurso italiano, um discurso muito perigoso. Como vimos, nas últimas eleições, já não encontramos nos principais partidos um discurso entusiástico pró-europeu, ou, pelo menos, um discurso realista. O mainstream italiano já é muito céptico em relação à Europa e, sobretudo, em relação aos métodos da moeda única.

Já no quadro a norte também detectei diferentes perspectivas, de que é preferível uma moeda nacional que embarcar em regras comuns com disfuncionalidades orgânicas como é a zona euro, mas também vi outros, como a Eslováquia - o único nos quatro de Visegrado no euro - a reclamar uma mais valia no diálogo desse grupo com o resto da Europa e com o eixo franco-alemão.

É exactamente a este Lado B mais heterogéneo, mais complexo – não o que nos é vendido e vem nos debates sobre a União Europeia -, que vale a pena continuar a acompanhar e que, no fundo, nos ajuda a não ficar surpreendidos com resultados eleitorais e a seguir com mais realismo o que está a acontecer. Estar atento ao Lado B é fundamental até para prevenir que os lados mais negros, nacionalistas e populistas venham a prevalecer.

Estar atento ao Lado B para seguir o risco, referido no livro, dos países à procura do seu próprio Orban, Macron ou até do seu próprio Trump?

É esse o meu argumento. Nós precisamos de perceber melhor o que está acontecer. Apoiar muito mais forças pró-democráticas que não enchem as páginas dos jornais, mas que são o lado 'positivo' da história, mas essas forças também se mobilizam, vão para a rua e se manifestam. Mas só temos o lado perverso das manifestações e algum fascínio, quando não endeusamento, por personagens que não têm perspectivas de maior coesão, cosmopolitismo ou desenvolvimento do quadro europeu.

Por exemplo, vi isso na Europa do sudeste e na zona do mar Negro, não apenas com Viktor Orban, mas também com o senhor Erdogan. O império Otomano teve ali uma presença significativa que ainda se mantém do ponto de vista comercial e empresarial, mas a tipologia do exercício do poder oscila entre os exemplos Orban, Erdogan e Putin.

Depois há outra Europa que sem esconder as suas bolsas nacionalistas e mais perversas, e porque o centro está em grande mutação, está à procura dos seus Macrons, dos seus europeístas convictos de uma nova geração, alguma dela não tão cosmopolita como isso, como é o caso do novo chanceler austríaco Sebastian Kurz, o mais jovem em funções e, portanto, há aqui muitas dimensões em jogo.

A "geração Erasmus", na qual Kurz se inclui, é a garantia de futuro da União ou tem um Lado B a que importa estar muito atento?

Pelas estudos vemos ser a geração que menos vota. Pelo menos, em eleições para o Parlamento Europeu o compromisso dessa geração com a Europa é reduzido. Não resulta da ‘geração Erasmus’ maior compromisso político. Faço parte dessa geração e conheço bem na primeira pessoa os méritos do programa, mas é preciso continuar a aplicá-los no resto da nossa vida e não que fiquem enclausurados num momento da nossa história particular. Falta trabalhar essa dimensão. Falta trabalhar programas de intercâmbio com 30 anos conferindo-lhes outro tipo de entrosamento.

Porque esta geração Erasmus cresce já na integração, não no totalitarismo, cresce com dados garantidos: livre circulação, liberdade política, prosperidade económica e liberdade de expressão. Portanto, não experimentou o lado perverso e quando é confrontada com esse “Lado B” não está engajada com os partidos políticos, movimentos cívicos e sociais e não entra no comboio da defesa desses valores. Já as forças menos cosmopolitas, mais orgânicas e agressivas - não herdeiras destes programas do tipo Erasmus - têm mais força e uma grande vantagem competitiva.

Entalada entre Trump e Putin que lugar sobra para a União Europeia posta agora mesmo à prova com a ruptura da Casa Branca no acordo com o Irão?

Primeiro os países europeus têm de garantir a sua coesão, a sustentabilidade das suas políticas comuns com um discurso mais afirmativo sobre os lados bons da Europa e o que é uma dinâmica de sucesso e positiva no dia a dia das pessoas. Um discurso que faça encurtar distâncias na relação entre as decisões e os cidadãos. Esse é o primeiro desafio. Depois, a Europa tem de ter alguma personalidade. Afinal de contas é o mercado mais próspero do mundo - 500 milhões de pessoas - tem uma moeda forte, políticas comerciais interessantes e agressivas e é um excepcional espaço de desenvolvimento e democracia.

Mas como é que a mais ambiciosa construção política de sempre se pode afirmar face às outras potências?

Aprofundando instrumentos nomeadamente para prevenir as próximas crises financeiras o que ainda não está consolidado. As reformas do euro são necessárias. A Europa tem uma boa política comercial e uma agenda comercial muito ambiciosa e essa é uma competência exclusiva de Bruxelas, não é dos estados membros, nem sequer é partilhada. Nesse ponto não ficou refém, nem do unilateralismo do sr.Trump, nem da agressividade do sr.Putin, nem da agenda globalista da China.

Portando, a Europa tem instrumentos, mas precisa de os aperfeiçoar e de ter um discurso mais próximo das pessoas e não tão enclausurado nas bolhas de Bruxelas, das capitais ou das instituições. Esse é um trabalho que cumpre aos políticos nacionais, às instituições e cumpre também a todos aqueles que participam no debate público, inclusivamente opinion-makers, associações empresariais, etc, porque todos beneficiamos deste espaço comum e não podemos ficar, evidentemente, reféns de decisões unilaterais em Washington, é certo, com muita pena porque temos uma historia recente muito estreita.

E agora o desafio para a partilha de um "episódio Lado B" concreto inscrito/escrito no livro...

Talvez não seja um episódio desse Lado B, desse lado mais crú, da Europa, mas é daqueles que só resulta de estar no terreno, dos imprevistos das viagens. Recordo com intensidade um episódio que teve lugar em Dublin. Estava a caminhar na rua, dirigia-me para uma conversa com o editor de política do Irish Times e vejo na esquina um cartaz a anunciar a grande concvenção do Sinn Féin na rua ao lado.

O início do congresso tinha lugar uma hora depois e eu consegui entrar e assistir a todo aquele intenso debate interno do partido, uma discussão sobre a unidade irlandesa, os deméritos do referendo ao Brexit, a dimensão existencial para a República da Irlanda e para a Irlanda do Norte das más negociações do governo britânico com Bruxelas. E, claro, quando Gerry Adams sobe ao placo e se nota o peso destas figuras históricas, independentemente de gostar mais ou menos do seu percurso, e do carisma que estes líderes ainda transmitem e do caudal político que transladam para o debate actual.

Esse foi um evento que me marcou até pela capacidade oratória e carisma de Gerry Adams, figura incontornável da história moderna da Irlanda.

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  • Jay Arr
    10 mai, 2018 Porto 12:28
    Existe um crescente anti-europeísmo em todos os países, mas essencialmente, defendido pela extrema-esquerda e extrema-direita. É no nacionalismo crescente que está a base da destruição do modelo europeu. Na base destes movimentos temos um padrão que ficou demonstrado no referendo do RU: o típico votante do BREXIT é mais velho, de classes mais baixas e com menos educação. Este padrão é repetido noutros países, mas com abordagens diferentes: nos países mais pobres, os nacionalistas (vamos chamá-los assim) culpam os países mais ricos de os asfixiar. Nos países mais ricos, esse mesmo tipo de nacionalistas, culpa os países mais pobres de lhes toldar o crescimento. Transformar este processo numa disputa entre a esquerda e direita é redutor e de uma má fé intelectual total. A Europa deve respeitar as diferenças culturais entre os países, mas ela nunca irá funcionar com modelos económicos diferentes. É como ter uma carruagem puxada por vários cavalos a correrem em velocidade diferentes. Nunca uma Europa irá funcionar se o modelo social depender da boa vontade de uns para com os outros, quando a ideia que transparece é que uns querem viver às custas dos outros. E aí, sim, a culpa é dos actuais partidos.
  • Geremias Getuel
    10 mai, 2018 Montijo 02:16
    Com tantas viagens este Pires de Lima é uma Patrícia Mamona em masculino!
  • Economista Binário
    10 mai, 2018 Palhavã 00:47
    Alternativa a esta União Europeia, não sei se haverá. Mas, uma opção para o capitalismo pode ser a economia binária, ou teoria dos "trabalhadores-capitalistas". Concebida pelo banqueiro de investimentos e economista americano Louis Kelso, a economia binária pode ser aplicada através de um Plano de Propriedade de Acções dos Empregados (ESOP, na sigla inglesa). Segundo Kelso o capitalismo pode ser optimizado através do ESOP – única maneira verdadeira de redistribuir a riqueza – uma vez que consiste em aumentar a propagação da propriedade do capital, e não na redistribuição do rendimento pelo recurso ao aumento de impostos. Sendo um modelo de capitalismo mais inclusivo, a economia binária – também chamada "economia da abundância" – permite aos trabalhadores pedirem emprestado dinheiro para comprar acções; por exemplo, em empresas que, com a automatização, estão a eliminar empregos. "O ESOP foi inventado para democratizar o acesso ao crédito de capital", escreveram Kelso e a mulher, Patricia Hetter Kelso, no New York Times, em 1989. O primeiro ESOP aplicado por Kelso foi a compra pelos trabalhadores da cadeia de jornais californiana 'Peninsula Newspapers Inc.', em 1956. Desde então, o ESOP foi usado por centenas de empresas americanas, como a 'Avis Rent a Car', 'Exxon' e a 'Standard Oil' da Califórnia.
  • Joaquim Gomes
    10 mai, 2018 Lisboa 00:31
    Quanto aos refugiados a Alemanha que sempre chamou os outros à responsabilidade pelos seus actos ou suas políticas económicas,tem que arcar com a responsabilidade ou melhor, irresponsabilidade,da sua chanceler ao chamar a si e á Europa milhões de pessoas estranhas com costumes estranhos,e incompatíveis com o nosso modo de vida. Agora aguentem,espero é que o governo português não se entusiasme muito e não receba mais do que os 1600,de preferência cristãos.

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