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​Andra Keay

"Estou mais preocupada com estupidez artificial do que com inteligência artificial"

20 nov, 2017 - 18:21 • Sandra Afonso

Directora da Silicon Valley Robotics diz que vem aí uma “guerra” entre robôs: quem vai ficar com as nossas casas? O progresso não se pára, mas é bom sermos “cautelosos”, afirma Andra Keay.

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Irá a inteligência artificial dominar o mundo? "O que temo é a estupidez artificial"
Irá a inteligência artificial dominar o mundo? "O que temo é a estupidez artificial"

Andra Keay já não se deslumbra com robôs, mas também não os teme. A robótica é a sua vida. É directora da Silicon Valley Robotics, co-fundadora do Robot Garden, um laboratório comunitário que desenvolve robôs, e investidora em diversas “startups” do sector.

Este ano regressou a Lisboa, à Web Summit, onde defendeu a tributação das empresas de robótica e antecipou o mundo em 2030. Um mundo facilitado pelas tecnologias ou esvaziado por elas: está nas mãos do ser humano escolher a versão que vai ter.

Em entrevista à Renascença, diz que o futuro já chegou: já existem robôs em casa de doentes com cancro a monitorizar a medicação; estamos a semanas de assistir à guerra das empresas pela colocação dos primeiros robôs de companhia em casa.

Para já, não passam de máquinas relativamente estúpidas, mas vão acabar por fazer cada vez mais coisas. “Não nos imagino a parar o nosso desejo de criar novas coisas, de sermos curiosos e esticar os limites dos nossos mundos, é parte inerente de sermos humanos. O que espero é que também sejamos cautelosos quando criarmos coisas complexas, com potencial para grande impacto”, afirma Andra Keay.

Como vai ser viver com robôs no futuro?

Vão ser praticamente invisíveis. Vamos viver com robôs e nem vamos dar por eles porque vamos esperar um certo nível de comportamento inteligente do mundo à nossa volta.

Que tipo de interacção podemos esperar dos robôs?

O que vejo acontecer no futuro é que praticamente 90% dos robôs, aqueles que considero robôs, vão ser invisíveis. Não vamos interagir com eles de forma consciente, será como conduzir um carro: o carro será um robô, a casa será um robô, vamos desligar as luzes, dizer à casa para fazer alguma coisa, sem pensar, tudo será normal. Mas os 10% de robôs em que nos vamos concentrar são aqueles que vão conversar connosco e isso está próximo da nossa ideia de robô em ficção científica.

Vemos tudo por olhos humanos, adoramos a ideia de robôs que são como humanos. Por isso, vamos ignorar 90% dos robôs porque eles só fazem coisas, são produtos, e vamo-nos focar nos outros 10% que são parecidos com as pessoas, interagem connosco de alguma forma, através de acções e conversas.

Quando vamos estar a comprar robôs para companhia em lojas?

Já temos robôs para companhia, mas ainda não estão em lojas, estão numa fase intermédia. Podem ser prescritos, para companhia e monitorização da toma de medicamentos. Isso está a acontecer neste momento. Uma “startup” em que investi, a Catalia Health, está a ser pioneira nisso.

Acha que trabalhar é uma chatice? Os robôs também
Sophia e Albert são dois robôs programados para debater questões de actualidade. Foram estrelas na Web Summit e confirmaram alguns receios da humanidade: as máquinas vão mesmo ficar com os empregos dos humanos. Mas, salientaram, isso só pode ser bom

Temos nas lojas robôs sociais, como o Jibo, e acho que provavelmente na próxima feira de consumo electrónico, dentro de poucas semanas, já serão lançados mais meia-dúzia de robôs de companhia.

Assistimos a uma espécie de competição no mercado por estes 10%?

Há uma guerra pelas nossas casas, para definir qual será o primeiro robô de casa. Vemos todo o tipo de tácticas, alguns oferecem-se para fazer chamadas, compras ou ajuda na cozinha, algumas empresas dizem que os robôs podem ler, algumas admitem que os robôs não vão fazer grande coisa, mas são adoráveis e vão querer tê-los por casa.

Até a Sony regressou a esta competição. O Aibo foi um dos robôs de consumo mais populares de sempre, um lindo cão robô. Agora, mais de uma década depois e de muitos pedidos para voltarem, estão de regresso.

Durante a Web Summit, ouvimos muito receio sobre os robôs. Há motivos que sustentem este medo?

É sempre bom interrogarmo-nos sobre o que vai acontecer quando temos novas tecnologias, mas não precisamos de ter medo, que parece ser o que está a acontecer, em relação aos robôs e à inteligência artificial. Têm surgido pessoas fantásticas, pensadores muito famosos, que anunciam que têm medo de robôs e inteligência artificial, o que fazem é preocupar as pessoas pelas razões erradas.

Penso que há coisas que temos que vigiar, sobretudo no que diz respeito à inteligência artificial, mas não vamos ter uma inteligência artificial com capacidade de actuação como uma agência e com intenção de destruir o mundo ou assumir o controlo. É mais provável desenvolvermos algoritmos complexos que vão deitar abaixo os mercados financeiros sem qualquer inteligência ou intenção. Mas, esperem… isso já aconteceu! E conseguimos recuperar rapidamente.

O que quero dizer é que estou mais preocupada com estupidez artificial do que com inteligência artificial. Hoje temos um conjunto complexo de tecnologia no mundo e nem sempre compreendemos qual vai ser o impacto de juntar nova tecnologia a outros sistemas complexos. A história está cheia de períodos de caos à medida que novas tecnologias iam aparecendo – a revolução industrial e a introdução do automóvel não foram tão suaves como pode parecer à primeira vista.

Olho bastante para a história para aprender como a tecnologia está envolvida com a sociedade e espero que isso nos dê a oportunidade de evitar erros. Mas vai ser sempre um processo onde vai haver algum caos, e de certeza mudança, mas geralmente a mudança é para melhor.

Qual é o limite?

Uau! Espero que não haja limite, que possamos continuar a fazer o mundo e o universo um lugar melhor para a tecnologia. Fizemos a nossa civilização crescer através da tecnologia, é ela que nos permite especializar, é assim que enriquecemos, inovamos e criamos. Isso é inato, é a nossa natureza curiosa.

Não nos imagino a parar o nosso desejo de criar novas coisas, de sermos curiosos e esticar os limites dos nossos mundos, é parte inerente de sermos humanos. O que espero é que também sejamos cautelosos quando criarmos coisas complexas, com potencial para grande impacto. A história mostrou que já inventámos tecnologia perigosa no passado, e criámos regulação, tratados e outras ferramentas para minimizar o mau impacto.

Comentários
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  • Ora aí está!
    21 nov, 2017 de longe 13:13
    Muito bem Horácio. Gostei do seu comentário. As máquinas é que já têm e vão arruinar o ser humano cada vez mais. Quando se substitui o ser humano pelas máquinas ou robôs automáticamente empurram-se pessoas para a miséria em função das grandes riquezas para os donos das máquinas. O ser humano sobrevive é com o trabalho, se o tiram como vai ser? Qualquer dia arranjam robôs para substituir os policias, substituir professores e por aí. Enfim, o ser humano reduzido a baixo do boneco ou das máquinas. Totalmente inútil. O que se vê é que a riqueza acaba por cair em meia duzia de alguns e o resto é o que se sabe. Veja-se a quantidade de gente sem emprego nos nossos dias por causa das máquinas. Isto vai chegar a um ponto que muitos vão passar a roubar ou se matar uns aos outros. Ou então talvez seja tempo de se ir pensando na caça e pesca, ou quem tiver um bocadinho de terra que se vá governando conforme pode. Talvez com as muitas descobertas e conhecimentos se possa fazer a sua propria eletricidade. O ser humano há de inventar tanto que ainda vá acabar por se destruir. Oxalá esteja enganado.
  • José J. Cruz Pinto
    21 nov, 2017 Ílhavo 12:31
    Tem graça ! Preocupa-me muito mais a estupidez natural, por ser muitíssimo mais abundante que a inteligência - tanto a natural como a artificial.
  • Nuno
    21 nov, 2017 Australia 07:16
    E obvio que a estupidez vai superar a responsabilidade. Alguem tem duvidas disso?
  • Horacio
    21 nov, 2017 Lisboa 04:12
    O risco nisto tudo é simples .o desemprego. Ainda pior do que temos agora. Enquanto as pessoas não entenderem que esta tecnologia vai competir com eles tal como os trabalhadores na China ou Bangladesh .so que neste caso é pior .por exemplo carros auto pilotados seriam o fim de taxistas e até mesmo o pessoal do uber ,também será o fim de camioneiros e o pessoal dos autocarros talvez até da indústria dos seguros afinal se não dirijo o carro pra que o seguro .e se estes carros não causam acidentes pra que ter seguro. No mínimo haverá uma mudança radical. Quanto mais as pessoas aceitarem e comprarem tecnologias que vão criar desemprego mais vão estar a contribuir para seus próprios problemas. Fui a um supermercado nos Estados Unidos onde havia um caixa humano o resto eram todos automáticos .antes estes postos eram ocupados por jovens muitas vezes mães solteiras com poucos estudos hoje elas não têm emprego e recebem subsídios do governo. Pagos por impostos a quem ainda tem emprego.Tecnologia sim mas tecnologia que tem apenas o objetivo de tornar o trabalhador obsoleto para aumentar o lucro de empresas que já são altamente lucrativas não. Eu pessoalmente me recuso a fazer compras on-line ou a usar o telemovel para depositar cheques .prefiro ir ao balcão e comprar numa loja. Não uso filas automáticas nos supermercados e reclamo sempre que não vejo pessoas nos caixas. Jamais compraria um carro desses auto piloto. Não vejo progresso na ideia de se tornar o ser humano inútil.
  • Mark paulo
    20 nov, 2017 Coimbra 23:44
    Continuou a dizer que isto é tudo numa sociedade de consumo, ligada para interesses das multinacionais e com apetência para criar ricos cada vez mais ricos..... Tudo o resto é paisagem..... Ainda existem pessoas a passar fome no mundo a viverem em campos de refugiados a mais de 10 anos e onde para a inteligência das pessoas para resolver isto de forma simples e barata?? Não para......
  • jorge
    20 nov, 2017 albufeira 20:41
    todos os problemas da evolução do AI podem ser minimizados ,mas não podemos deixar de pensar que existem riscos. um video para pensar em alguns dos riscos https://youtu.be/L0K6Cb1ZoG4
  • 20 nov, 2017 Portugal 20:04
    O pior é que vivemos numa sociedade onde a estupidez se está a tornar natural, onde a ignorância é fomentada e onde cada vez menos se pretende que pensemos pelas nossas cabeças.

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