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Referendo no Curdistão decorreu de forma muito serena, mas sob ameaça internacional

25 set, 2017 - 17:18

Países vizinhos do Curdistão têm feito muitas ameaças caso se siga o caminho da independência. Na região uns contam votos, mas outros contam armas.

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Decorreu sem incidentes de maior e com “enorme serenidade” o referendo à independência do Curdistão iraquiano.

Milhões de pessoas, na maioria curdos mas também membros de outras etnias que vivem na região, foram às urnas e a adesão foi tal que o governo regional do Curdistão iraquiano mandou que as mesas de voto ficassem abertas mais uma hora, até às 19h locais, 17h em Portugal continental.

Irene Guia é freira e encontra-se no Curdistão a trabalhar com refugiados. Na cidade de Dohuk, onde se encontra, diz que os últimos dias foram de enorme entusiasmo e que a noite se antevê de festa.

“Moro ao pé de uma rotunda e nas últimas noites tem havido muita festa. Hoje está tudo muito sereno, o referendo decorre com enorme serenidade, mas imagino que esta noite seja de festa”, diz.

Espera-se que a esmagadora maioria dos curdos votem a favor da independência. Contudo, o referendo não é vinculativo mas deverá servir apenas para reforçar a mão de Barzani, o actual Presidente do Curdistão, nas suas negociações com Bagdad para tentar assegurar a independência do país.

“Os políticos curdos têm sido, devo dizer, muito serenos, dizendo que o resultado deste referendo é o ouvir da voz dos curdos e não a declaração imediata de independência. Essa tem que ser discutida, negociada com Bagdad, assim como os limites territoriais”, explica Irene Guia.

Mas se há serenidade na região é mesmo só no Curdistão. Os vizinhos regionais não têm poupado críticas ao processo do referendo e desde a Turquia, de um lado, ao governo central do Iraque, no outro, chovem ameaças.

Bagdad encara o referendo como uma ameaça à integridade. Esta segunda-feira o Parlamento aprovou leis que permitem processar qualquer funcionário público que tenha estado envolvido no referendo e que devolvem o controlo das fronteiras e de recursos importantes, como a indústria petrolífera ao Governo central. Ameaças difíceis de cumprir, mas que passam uma mensagem aos curdos de que não vão ter vida fácil. O que preocupa o Iraque não é apenas perder o Curdistão, mas sobretudo o estatuto dos muitos territórios disputados entre as duas entidades, nomeadamente as zonas que ficam na fronteira. A maioria está agora na posse dos curdos, que aproveitaram o caos lançado pelos avanços do Estado Islâmico, em 2014, para fortalecerem a mão. Outra medida aprovada esta segunda-feira em Bagdad permite o envio das forças armadas para essas zonas.

Já a Turquia, que até agora tem sido um dos principais aliados do Curdistão iraquiano, teme os efeitos deste referendo nas aspirações independentistas dos curdos que vivem no seu país, e que são muito numerosos. “Os políticos curdos têm respondido que o Curdistão é o único amigo que a Turquia tem na zona”, explica a irmã Irene Guia, mas o Presidente turco, Erdogan, já ameaçou “fechar a torneira” ao gás e petróleo exportados pelo Curdistão. O Irão, que também tem uma pequena população curda, condenou o referendo e suspendeu os voos directos para Erbil, capital do Curdistão e mesmo a Síria, cuja região curda tem edificado um quase-estado autónomo, aproveitando o vácuo político deixado pela Guerra Civil, já disse que a independência ameaça toda a região.

Mesmo os aliados internacionais, como os EUA e a Alemanha pediram aos curdos para não avançar com o referendo, mas as suas palavras não foram ouvidas em Erbil e a Rússia, que é uma importante aliada económica, disse recentemente que apoia a integridade territorial do Iraque.

O medo de alguns curdos é que o território acabe transformado numa gaiola, rodeada de países hostis.

Minorias e zonas disputadas

Mas não são só curdos que vivem no Curdistão. Ao longo dos últimos anos centenas de milhares de cristãos e yezidis refugiaram-se no território e nas chamadas “zonas disputadas” há importantes comunidades árabes e turcomanas.

Algumas aldeias cristãs na planície de Nínive, terra ancestral dos cristãos naquela região e que faz parte das “zonas disputadas” boicotaram o referendo, deixando claro que preferem manter-se no Iraque e há também relatos de yezidis a serem impedidos de regressar a território iraquiano, e ameaçados caso não votem no referendo, embora não seja possível confirmar a sua autenticidade.

Irene Guia diz não ter conhecimento destas questões, mas que na zona em que vive tanto cristãos como yezidis participaram no referendo. “Os cristãos curdos da nossa equipa iam votar sim porque é a única zona no Iraque onde se sentem seguros”, diz, recordando que recentemente o bispo de Dohuk esteve ao lado de Barzani num comício.

“Hoje estive numa sessão de voto e estavam yezidis a votar com uma cara toda contente. Os homens vestidos com o tradicional traje curdo”, acrescenta, embora não descarte que a situação possa ter sido diferente em zonas como Sinjar e Kirkuk, que ficam nas áreas disputadas.

Agora, no Curdistão, é hora de contar votos. O futuro dirá se vai ser necessário contar armas.

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  • Mario
    26 set, 2017 Portugal 11:38
    Um povo que tem resistido ao extermínio tanto pela parte Iraquiana como Turca. E a comunidade internacional assobia para o lado. Puramente vergonhoso...

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