16 fev, 2016 - 19:00 • José Carlos Silva
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“Era uma grande figura internacional. Nacionalidade egípcia, formado em Direito, membro do governo de Anwar Sadat [Presidente do Egipto entre 1971 e 1981], que lhe disse que deveria seguir uma carreira internacional. Gahli seguiu o conselho.
Foi funcionário da ONU, subiu vários postos da principal carreira de administração e direcção da ONU, e chegou a secretário-geral por mérito próprio.
Foi um secretário-geral muito activo. Enfrentou dificuldades porque foi uma época em que a ONU quis intervir em vários locais, nomeadamente na ex-Jugoslávia, impondo várias soluções por via militar. Esteve muito ocupado e muito envolvido nesse trabalho.
Desempenhou o lugar com muita seriedade e competência, mas, a certa altura, os Estados Unidos queriam que ele utilizasse mais a via militar, e ele queria uma utilização mais intensa da via diplomática. E sentiu-se aí uma clivagem. Entre a posição dele que tinha o apoio sobretudo da Europa e do Terceiro Mundo e a posição norte-americana e a inglesa que queriam uma linha mais dura.
Ele resistiu, argumentou pelas suas posições e a sanção que teve foi não ser reeleito.
Até hoje foi o único secretário-geral da ONU que fez um único mandato, porque os Estados Unidos vetaram a sua reeleição. (….)
[1992-1996] Foi um período de forte intervencionismo militar da ONU, que ele dirigiu com muita competência para além do aspecto diplomático.
Era um homem, que conheci muito bem. Ele era secretário-geral quando eu era presidente da Assembleia Geral da ONU, era um homem muito inteligente, culto e simpático, um verdadeiro diplomata. Mas era também muito firme, numa orientação mais próximo, do que seria de esperar, de uma administração democrática e portanto distante da linha republicana.
Acontece que nessa época, os democratas, com o Presidente Clinton e a secretária de estado Madeleine Albright estavam tão à direita como os republicanos. E daí o conflito.
Era uma pessoa muito simpática. Tive com ele conversas muito interessantes. Deu-me muito bons conselhos.
E lembro-me especialmente de ele me ter dito em relação à questão de Timor que ainda não estava resolvida: ‘Acho muito bem todos os esforços que vocês portugueses fazem a favor de Timor, mas oiça bem o que lhe digo: o problema só será resolvido quando houver um golpe de estado e os militares saírem do poder, e o poder voltar para os civis’.
E foi o que aconteceu.
Só quando os militares que governavam em ditadura, muito nacionalistas, e portanto agarrados a todos os palmos de terra conquistados aos outros, saíram do poder é que foi possível organizar um referendo que deu mais de 90% a querer a independência.
Guardo muito boas recordações de um ano de convivência com o secretário geral Boutros-Gahli, apesar de, pelas nossas funções, não nos vermos mais do que uma vez por mês.”