11 out, 2024 - 17:17 • Sérgio Costa , Cristina Nascimento
No rescaldo da apresentação da proposta do Orçamento do Estado para 2025, a fiscalista Anabela Silva, consultora EY, responde a perguntas da Renascença para esclarecer o documento que o Governo quer aplicar.
Os combustíveis vão ficar mais caros, por via do descongelamento da taxa de carbono, e o IRS Jovem pode não ser para todos.
Já o subsídio de refeição vai subir para 10,20 euros, mas só para quem recebe em cartão.
Qual será o benefício para quem, pela primeira vez entre, será contemplado com o novo IRS Jovem? Pode, de facto, chegar a mais um vencimento por ano?
O IRS jovem aplica-se a quem tem trabalho dependente ou independente, nos primeiros 10 anos de obtenção de rendimentos e até aos 35 anos. Portanto, efetivamente, contempla uma isenção de 100% no primeiro ano e depois vai descendo ao longo do período de 10 anos e pode vir a atingir valores de facto bastante significativos.
Vamos a casos concretos. Sabemos que a maioria dos jovens não têm salários altos. Quem ganhar mil euros por mês e que declare sozinho, quanto vai receber a mais por ano?
No primeiro ano, por exemplo, em que tem 100% de isenção, efetivamente a poupança seria de cerca de mil euros, 1.060, o que no fundo acaba por ser um vencimento mensal.
À medida que vamos avançando, uma vez que essa isenção vai ficar menor, ou seja, do segundo ao quarto ano é 75%, depois do quinto ao sétimo 50% e depois nos últimos anos 25%, claro que a isenção é menor, obviamente a pessoa vai pagar mais imposto.
Mas, no total, por exemplo, esta pessoa que ganha mil euros por mês, num prazo de 10 anos, tinha um benefício de cerca de quatro mil euros até face ao IRS jovem que está atualmente em vigor. Efetivamente é um benefício bastante significativo.
E quanto mais alto for o rendimento mensal de um jovem, maior o benefício?
Maior até um determinado limite. Nós temos um limite à isenção que corresponde a 55 vezes o Indexante de Apoios Sociais, ou seja, cerca de 28 mil euros anuais.
Quem já beneficia deste regime de IRS jovem, que foi criado em 2020, terá um benefício também assim alargado ou será apenas residual?
Depende do número de anos em que o jovem já usufruiu desse benefício. Vamos supor uma pessoa que começou a beneficiar em 2020. Já estamos em 2025, portanto já passaram cinco anos. Assim, já só vai poder beneficiar dos remanescentes cinco anos e vai enquadrar-se na isenção aplicável a partir do sexto ano de rendimentos, que neste caso seria 50%, e daí para a frente. Portanto, pode na mesma beneficiar, mas pelo número de anos remanescente.
O Governo fala de um universo de beneficiários de 350 mil a 400 mil jovens. Confirma-se este universo?
De acordo com os dados do ano passado, em que tínhamos um benefício muito mais restrito, aplicava-se a cerca de 80 mil jovens por ano. Portanto, uma vez que o universo é bastante mais alargado, porque agora não há a questão da escolaridade e é até aos 35 anos, é possível que, de facto, seja um universo bastante abrangente.
O Orçamento prevê um alívio de todos os escalões de IRS. Vai ser mesmo assim, um alívio para todos ou poderá haver contribuintes que ainda assim podem ser prejudicados?
Efetivamente também depende da situação particular de cada trabalhador e cada pensionista. Se nós assumirmos que a pessoa ganha o mesmo rendimento em 2024 e em 2025, efetivamente há um alívio fiscal, na medida em que a atualização dos escalões se vai traduzir numa poupança. Isto poderia só não ser assim se efetivamente a pessoa tivesse um aumento salarial em 2025, que excede aos 4,6%. Aí sim podia de alguma forma haver aqui um agravamento e não um alívio.
Qual será o alívio fiscal, por exemplo, de um salário médio de 1.500 euros, por exemplo? Um solteiro sem filhos ou se se for mais fácil um casal com um filho?
Um solteiro sem filhos que ganhe 1.500 euros por mês vai ter um alívio, de 2024 para 2025, de cerca de 47 euros. Se for um casal com dois titulares e um filho que ganha os mesmos 1.500 EUR por mês, então o alívio é de 94 euros, anuais, são valores tudo valores anuais.
Com esta atualização de escalões sobe também o valor salarial, até ao qual fica isento de IRS. Que valor é esse? Haverá mais portugueses isentos de IRS?
Para além da atualização dos escalões, também houve a atualização do mínimo de existência e que significa que essa atualização ocorreu para que quem ganhe, por exemplo, o salário mínimo nacional, que subiu até aos 870 euros, então também possa ficar isento de IRS. Isso decorreu também da atualização da regra do mínimo de existência, que, no fundo, é um rendimento mínimo
Há aqui um ponto da proposta do orçamento prevê que se um trabalhador ganhar um prémio de produtividade, por exemplo, mais um ordenado, eventualmente um 15º mês, ficará isento de IRS ou contribuições sociais, mas a mesma proposta diz que esse novo rendimento ficará sujeito a retenção na fonte, tendo também por base um salário de 1.500 euros. O que é que isto quer dizer?
Em primeiro lugar, é importante salientar que nem todos os prémios de produtividade beneficiam ou podem beneficiar desta isenção, porque há aqui vários critérios: primeiro, até ao limite de 6% da retribuição base anual; segundo, tem que ser um prémio de caráter não regular e, terceiro, a empresa que paga estes prémios tem que ter efetuado um aumento salarial em conformidade com um incentivo à valorização salarial (quer dizer que tem que ter aumentado em média 4,7%). Tem que ser também empresas que tenham instrumentos de relação coletiva de trabalho.
Portanto, um trabalhador de uma empresa que não tenha feito aumento de 4,7% ou não tenha um contrato coletivo de trabalho, pode não ficar abrangido.
Para além disso, precisamente por essa razão, a norma da retenção na fonte, de facto, não é muito clara porque parece realmente indicar que poderá haver retenção na fonte. Porquê? Porque só se vai saber no final do ano se a empresa cumpriu ou não estas condições, ou seja, se teve um aumento de 4,7%.
Está previsto também o alívio do IRS no subsídio de refeição. Como é que isso vai ser processado?
Para quem recebe o subsídio de refeição sobre a forma de vales de refeição ou cartão refeição, o que há é o limite excluído de tributação que atualmente é 9, 60 euros vai passar para 10, 20 euros. Portanto, quem recebe em dinheiro continua com o mesmo limite, mas quem recebe via cartão refeição, ou vale refeição, pode ir até 10, 20 euros.
A proposta do Orçamento do Estado revela que o Estado vai receber mais receita dos impostos sobre os combustíveis. Isto significa que os combustíveis vão ficar mais caros por via dos impostos?
Efetivamente há aqui uma arrecadação dos impostos sobre combustíveis de mais de 750 milhões de euros, portanto, é uma arrecadação significativa. Os combustíveis vão ficar mais caros por via, sobretudo, do descongelamento da atualização das taxas de carbono. É algo que já aconteceu em 2024 e vai continuar a suceder em 2025.
Esse aumento de receita, 750 milhões de euros, paga pelo menos o IRS Jovem?
Sim. Aliás, se virmos a receita fiscal total arrecadada, de 2024 para 2025, até há um aumento de 3,7% e, portanto, esta diminuição da receita do IRS é compensada por via da arrecadação de receita de outros impostos. Ou seja, se formos a ver, a redução total do IRS acaba por ser compensada por uma arrecadação maior de IRC e de impostos indiretos, nos quais estão, por exemplo, os impostos sobre os combustíveis.
Ainda de acordo com a proposta de orçamento, o Estado prevê também arrecadar 80 milhões de euros adicionais com o consumo de tabaco, álcool, bebidas açucaradas. No entanto, o Ministro das Finanças diz que não aumenta impostos sobre estes produtos. Como é que isto se explica? Vão ou não ficar mais caro?
Parece um paradoxo, mas é possível não aumentar impostos e arrecadar mais receita e vice-versa, ou seja, aumentar os impostos e não arrecadar mais receita. Isso tem a ver também, sobretudo com a atividade económica e, por exemplo, se houver um crescimento na atividade económica, isso faz com que, por exemplo, impostos como o IVA significa uma maior arrecadação de receita.
No caso do imposto sobre, por exemplo, o álcool ou bebidas açucaradas até é um caso paradigmático, porque o ano passado houve um aumento de 10% e as receitas arrecadadas em várias categorias não aumentaram. Portanto, neste caso, apesar de não haver esse aumento, há um aumento da receita arrecadada, por via do aumento da atividade económica.
Mas há ou não uma alteração no IVA?
Não há uma alteração no IVA, ou seja, as taxas do IVA sobre aquilo que nós habitualmente consumimos não tem quaisquer alterações.
Aliás, este orçamento de facto é muito parco em matéria de IVA, não tem quaisquer alterações.
A mesma questão nos automóveis, que efetivamente também não tem alteração, apesar da receita aumentar. Não é por via do aumento do imposto propriamente dito, mas sim pela via do crescimento económico.
No IRC a novidade é uma descida mais acentuada para as pequenas e médias empresas. Qual será, de facto, o benefício real para essas empresas? É possível quantificar?
É importante clarificar que as pequenas e médias empresas e as empresas de pequena-média capitalização já tinham uma taxa mais baixa, que era de 17% já o ano passado, para os 50 mil euros de matéria coletável. Aquilo que há é uma diminuição também de um ponto percentual de 17% para 16% e depois, no futuro, pode vir ainda vir a ser.
A descida está, mais ou menos, em linha com a descida de um ponto percentual do IRC para todas as empresas.