14 dez, 2023 - 06:33 • Sandra Afonso
É com casos reais, a maioria sob anonimato, que Jill Schlesinger explica como as pessoas inteligentes também perdem facilmente dinheiro, por vezes mesmo muito dinheiro. Podemos dizer que são situações testadas, de onde a analista de negócios da CBS News retira 13 lições ou formas de “corrigir erros financeiros”.
Podia ser o nosso vizinho, o colega de trabalho, um dos pais da turma da filha ou podíamos ser nós. São situações quotidianas, erros fáceis, decisões que tomamos ao longo da vida, onde apostamos, sem perceber, o nosso futuro e o daqueles que nos rodeiam. E, muitas vezes, pior que uma má decisão é não decidir.
Em “Coisas Estúpidas que as Pessoas Inteligentes Fazem ao Dinheiro” (Atual), a autora expõem as fraquezas de quem só quer garantir um futuro melhor, rentabilizando o que tem, mas arrisca tudo o que amealhou numa vida de trabalho.
Pontualmente, a lista de Jill Schlesinger tem de ser adaptada à realidade portuguesa, mas no essencial destaca questões decisivas na vida de qualquer pessoa, algumas delas sistematicamente esquecidas ou proteladas.
No topo da lista está “comprar produtos financeiros que não entende”, um alerta que surge sempre que aparece no mercado uma novidade com grande procura, como aconteceu com as criptomoedas.
Os leitores portugueses não se vão identificar com todos os exemplos, como a hipoteca inversa, popular nos Estados Unidos, que permite aos idosos venderem parte da casa e continuarem a habitá-la até à morte. Só depois o banco vende o imóvel, recupera o empréstimo e entrega aos herdeiros o que restar.
Mas Jill, que chegou a vender opções de ouro e prata, explica também porque é que investir em barras de ouro, por mais simples que pareça, não é um negócio assim tão bom.
No geral, antes de investir deve fazer cinco perguntas: quanto vai custar, quais são as alternativas, como posso retirar o dinheiro, quais são os custos fiscais e qual é o pior desfecho possível?
Outra coisa estúpida é “aceitar conselhos financeiros das pessoas erradas”, que tanto podem ser amigos ou pessoas próximas que acham que percebem alguma coisa do assunto, profissionais, como mediadores de seguros, mais interessados em garantir a melhor comissão do que vender o melhor produto ao cliente, ou mesmo nós, quando queremos resolver sozinhos os problemas.
No entanto, nem sempre é preciso recorrer a um consultor financeiro. Há situações que a própria pessoa pode e deve resolver, antes de procurar ajuda para investir: se tem dívidas de consumo (em cartões ou outro tipo de empréstimos); não está a poupar para a reforma; não tem uma poupança de emergência até 12 salários.
Esta lista considera também estúpido “dar mais importância ao dinheiro do que ele tem”, até porque dinheiro a mais só complica. A pergunta a fazer é de quanto precisamos para sermos felizes? De acordo com inquéritos globais e vários testemunhos, não será tanto quanto à partida podemos pensar e a obsessão por mais capital só nos conduz a más decisões.
Há vários sinais de alerta, quando o dinheiro assume uma importância excessiva: esconde do parceiro informação sobre dinheiro; o tema rouba noites de sono; pessoas próximas avisam repetidamente que tem problemas financeiros; compara com frequência a sua situação financeira com a de outros; não gasta dinheiro com lazer, para poupar ainda mais.
A próxima lição não se aplica (ainda) à sociedade portuguesa: “contrair uma dívida universitária demasiado grande”, mas com o custo da habitação cada vez maior e a perda sucessiva do poder de compra das famílias, já há estudantes a mudar de universidade ou mesmo a desistir de uma formação superior. Quem optar por empréstimos, fica aqui a perceber o custo real desta decisão.
“Comprar casa quando devia arrendar” é a típica coisa estúpida que faz o português, empurrado por décadas de juros baixos e falta de alternativas no parque habitacional. O problema é que, como em qualquer mercado, também este é volátil e nem sempre beneficia o proprietário e, muitas vezes, devedor.
O grande argumento contra as rendas é que ninguém gosta de pagar o que nunca será seu. No entanto, os proprietários não se podem esquecer de incluir nos encargos todas as despesas de manutenção dos imóveis, os impostos e taxas, despesas de condomínio, encargos com empréstimos e alterações nos juros e legislação sobre a habitação.
Uma dica que serve para qualquer um é não “assumir riscos demasiado grandes”. Mesmo os mais avessos ao risco, podem-se deixar tentar por oportunidades demasiado boas para serem desperdiçadas. Para não cair na asneira, Jill descreve cinco passos necessários, uma espécie de autorregulação, que passam pela criação de um plano financeiro.
Na era da digitalização, “não proteger a sua identidade” é mais uma coisa estúpida para a lista. Muitas das fraudes acontecem hoje online, mesmo que os dados pessoais tenham sido recolhidos por outros meios.
Ninguém está livre de ser o próximo alvo de um qualquer hacker, mas todos podemos prevenir o roubo de identidade: muita atenção a quem e quando dá informação pessoal; seja menos social nas redes sociais; reforce a palavra-passe e use dupla autenticação; em caso de dúvida use o cartão de crédito, algumas empresas assumem as perdas.
A próxima lição é para quem entra para a reforma. A autora critica quem “é demasiado autocomplacente nos seus primeiros anos de reforma”. Ou seja, tem tendência para esbanjar o dinheiro amealhado logo nos primeiros anos, porque não conseguem mudar o estilo de vida ou se sentem deprimidas. Devem sentar-se e fazer contas.
Outra coisa estúpida, de que pouco se fala, é “sobrecarregar os seus filhos com os seus problemas de dinheiro”. Sejam lições de rigor e dificuldades, de outros tempos, sejam gestos de proteção perante as dificuldades atuais, tudo tem consequências na forma como as gerações seguintes vão gerir o dinheiro.
Os filhos também falham quando “não planeiam os cuidados com a velhice dos pais”, uma questão que sobe de importância quando os adultos têm ao mesmo tempo de cuidar dos filhos e dos pais. Jill recomenda que esta situação seja planeada com antecedência, em família, e deixa recomendações.
Igualmente estúpido é “comprar o tipo errado de seguro ou nenhum”, frequente quando é preciso reduzir as despesas. Quem nunca foi obrigado a pagar o prejuízo por inteiro porque não tinha seguro ou determinada cobertura? A autora chama ainda a atenção para outros erros clássicos, como não comprar o tipo de seguro mais adequado ou não tirar partido dos benefícios enquanto funcionário.
Outro erro estúpido, pouco comentado, é “não ter um testamento”. Antecipar a morte é muito mais do que garantir que o funeral decorre como se pretende, inclui também o tratamento a dar aos restos mortais, permitir que outra pessoa mexa no dinheiro e bens em caso de doença ou dar o poder de decisão sobre cuidados de saúde. Deve ainda garantir que os descendentes têm acesso a uma lista de todos os bens, investimentos e palavras-passe.
A terminar esta lista de coisas estúpidas está “tentar acertar no timing do mercado”, é como tentar acertar na chave do Euromilhões. As pessoas inteligentes acreditam que conseguem, porque são inteligentes, ou recorrem a um perito. O importante é que esteja feliz com a decisão que tomar.