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ENTREVISTA

Travão ibérico para o gás já não tem impacto nos preços

30 jan, 2023 - 09:30 • Sandra Afonso

Para Teresa Abecasis, é "difícil perceber que mecanismos deste género se mantenham" quando, face à descida dos preços, o impacto do travão tem sido "neutro". Em entrevista à Renascença, a administradora da Galp revela ainda preocupação com a "intervenção forçada" do Governo no mercado da energia.

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Portugal e Espanha acabaram de pedir o prolongamento da medida a Bruxelas, que admite uma extensão até ao final do ano. Contudo, com os preços a descerem nos mercados internacionais, o polémico travão já não faz diferença, defende Teresa Abecasis.

Em entrevista à Renascença, a administradora da Galp admite que o limite aos preços do gás natural para produção de energia elétrica teve um efeito "positivo" no preço final suportado pelo consumidor, mas apenas quando os preços "explodiram". Agora que estão a descer, já não tem impacto.

Teresa Abecasis critica ainda a "intervenção forçada" no mercado, questiona a manutenção da medida e alerta para os seus efeitos secundários.

Numa entrevista à margem da edição 2023 do "Building the Future", em que foi uma das oradoras, a administradora da Galp comenta também os projetos da empresa no hidrogénio e as novidades sobre os gasodutos previstos para a Europa.

A Galp tem em curso vários projetos no âmbito do hidrogénio, um deles na Refinaria de Sines. Em que fase estão?

Nós temos neste momento, com investimento já aprovado e em fase de construção, um [projeto] piloto de dois megawatts, que é ainda bastante pequeno, mas faz parte do nosso processo de aprendizagem. Durante 2023, vamos estar a construir este projeto. Este ano vamos também trabalhar na definição do grande projeto que vamos fazer em Sines, que são os 100 megawatts.

Para dar uma ideia, para podermos substituir totalmente o hidrogénio que produzimos em Sines hoje e que é produzido de uma forma ainda não verde, precisaríamos de 700 megawatts de eletrólise para produção de hidrogénio. Vamos avançar agora, numa primeira fase, com 100. Esse projeto vai ter aprovação de investimento até ao final de 2023.

Nada disto será suficiente sem garantir o abastecimento. Temos agora o projeto ibérico, de um gasoduto com ligação a França e depois à Alemanha. Mas, entretanto, a Argélia anunciou outro gasoduto para abastecimento da Europa, por Itália. Como veem estes projetos, que impacto têm nos planos da Galp?

Vai ser preciso bastante investimento para podermos fazer a nova economia do hidrogénio. Portanto, todos estes projetos são bem-vindos. A grande vantagem da produção do hidrogénio vai ser para quem tiver a capacidade de produzir a eletricidade verde.

Nós, em Portugal e em Espanha e nas geografias onde estamos presentes, temos essa vantagem. São zonas onde tanto a energia solar como a energia eólica são produzidas com custos muito baixos e é através dessa produção que se consegue gerar hidrogénio de uma forma competitiva.

Depois, quanto mais fácil for o transporte deste hidrogénio para várias localizações, seja para França, seja para a Alemanha, que são geografias onde há menos exposição solar e, naturalmente, será mais caro produzir o hidrogénio verde - e terão muita necessidade -, mais vantajoso será para Portugal e Espanha.

"[Portugal e Espanha] são zonas onde tanto a energia solar, como a eólica são produzidas com custos muito baixos e é através dessa produção que se consegue gerar hidrogénio de uma forma competitiva."

Estão muito dependentes do projeto do gasoduto ibérico para a distribuição?

Não, porque a produção que está prevista para a Península Ibérica serve o consumo da Península Ibérica.

Poderá haver potencial, havendo mais capacidade de transporte, de se produzir mais na Península Ibérica, mas não faz parte dos nossos planos, neste momento, fazer exportação a partir da Península Ibérica.

A Comissão Europeia aprova o prolongamento do travão ibérico ao preço do gás para produção de eletricidade. Qual é a posição da Galp? A medida nunca agradou às elétricas... E que impacto é que deverá ter no preço final de venda aos consumidores?

A Galp privilegia sempre trabalhar em mercados liberalizados. Acreditamos que mercados que são livres e que são competitivos, com o devido escrutínio, são mercados que entregam mais valor ao consumidor. Portanto, vemos sempre com alguma preocupação a intervenção forçada num mercado. Aliás, até hoje ouvimos dizer que o mercado marginalista é realmente a forma como os mercados devem funcionar.

Agora, estamos cientes das dificuldades que os governos têm tido em apoiar as famílias, num contexto em que a energia, que é um bem tão fundamental para o bem-estar das pessoas, chegou a preços realmente altos.

Nós não nos podemos pronunciar sobre as decisões dos governos, são soberanos, queremos apenas que haja cautela, que haja alguma prudência na forma como se fazem intervenções em mercados que já têm bastante histórico e que funcionam de uma forma livre para que, às vezes, quando tentamos resolver um problema, criamos dois ou três sem nos apercebermos.

Poderá ser essa a consequência? Ao resolverem um problema criarem outro?

Pode sempre. Acontece às vezes sem intenção, quando intervencionamos um mercado que está construído numa lógica marginal para dar incentivos a que as decisões mais eficientes de produção, de investimento, de consumo surjam pela indicação dos preços. Quando alteramos as regras, podemos ter inversão das decisões de consumo, das decisões de produção e das decisões de investimento.

E podemos depreender que o preço pode ser agravado para o consumidor final?

Este travão do gás teve um efeito positivo naquilo que o consumidor paga, efetivamente. Num período em que os preços do gás estiveram muito altos, houve aqui a possibilidade de evitar que os consumidores pagassem valores que estariam a ler esse preço de gás, que era um preço de gás absolutamente extraordinário. Portanto, apenas foram remunerados por esse preço de gás as produções que efetivamente pagaram esse preço de gás. Foi uma medida bastante eficaz.

Com preços de gás diferentes, e nós neste momento já estamos a viver um contexto de preços de gás diferentes, o mecanismo vai tendo um impacto cada vez menor. Ou seja, nós atravessámos aqui semanas em que o cap [limite] do gás foi, inclusive, negativo, porque os preços do gás estavam abaixo do limite que tinha sido fixado por esta regulação.

Vai depender do contexto dos preços do gás quanto é que o consumidor vai beneficiar, ou não, deste mecanismo. Justifica-se em períodos absolutamente excecionais e [a] muito, muito curto prazo. De uma forma estrutural, é difícil perceber que mecanismos deste género se mantenham.

"Este travão do gás teve um efeito positivo naquilo que o consumidor paga, efetivamente. Com preços de gás diferentes, (...) o mecanismo vai tendo impacto cada vez menor."

Com a tendência do preço do gás a descer neste momento, acha que já não se justificava este prolongamento até ao final de 2023?

O próprio preço do gás, como está neste momento, determina que a aplicação do mecanismo é neutra. Ou seja, o mecanismo deixa de ser aplicável, porque o preço do gás está baixo. A minha expectativa, e olhando para os preços dos futuros, é a de que este cap vai funcionar como uma medida absolutamente preventiva.

Na prática, vai ter muito pouco impacto, mas vai funcionar ali como uma prevenção, talvez até como uma garantia, para as pessoas e para as empresas, de que o preço não vai outra vez explodir, como explodiu há uns meses atrás.

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