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Oded Galor à Renascença

"Em dois anos voltaremos à normalidade e ao crescimento económico"

27 jun, 2022 - 07:44 • Sandra Afonso

O pai da Teoria do Crescimento Unificado fala ainda das origens da desigualdade, o que determina que algumas populações e países sejam mais pobres do que outros e como pode a Humanidade escapar a esta armadilha. O economista, apontado como candidato ao Nobel, prevê "um declínio gradual nos regimes autoritários, como o da Rússia e o da China".

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Em dois anos voltamos à normalidade e ao crescimento. É o que prevê o economista e professor universitário Oded Galor, sobre a mais recente crise energética e a subida inflacionista, explicada sobretudo pela invasão militar da Ucrânia pela Rússia.

Em entrevista à Renascença, Oded Galor, pai da Teoria do Crescimento Unificado, fala ainda das origens da desigualdade, o que determina que algumas populações e países sejam mais pobres do que outros e como pode a Humanidade escapar a esta armadilha e garantir um futuro melhor para todos.

O economista, apontado como candidato ao Nobel, identifica cinco fatores que determinam e condicionam a desigualdade, expostos em “A Jornada da Humanidade” (Ed. Lua de Papel).

Nesta entrevista, Oded Galor explica ainda como podemos lutar contra as alterações climáticas ou a automação do trabalho.

Apresenta uma nova teoria sobre o crescimento, com uma abordagem diferente sobre a desigualdade. Antes de falarmos dela, uma pergunta direta: a desigualdade tem solução?

Absolutamente. Acho que a caminhada da Humanidade, como descrevo no meu livro, dá-nos esperança e indica-nos como mitigar a desigualdade no mundo. Esse é o propósito deste livro, traçar as raízes das desigualdades, de modo a projetar políticas que abordem diretamente o problema e permitam a mitigação da desigualdade em todo o mundo.

Medidas como as sanções ocidentais à Rússia não alimentam esta desigualdade?

Não se deve segmentar a resposta a curto ou a longo prazo. Naturalmente, se pensarmos no caso da Ucrânia, há uma enorme crise humanitária e isso terá algumas implicações de curto prazo, irá afetar os preços das matérias-primas e talvez a globalização no curto prazo. Mas, tenho muita esperança a longo prazo.

O que aprendemos com esta crise é que o Ocidente está decidido a enfrentar a agressão e a proteger a liberdade. Os indivíduos que conquistaram a liberdade estão relutantes em abrir mão e estão dispostos a lutar até o fim para a manter.

A minha previsão é que veremos um declínio gradual nos regimes autoritários, como o da Rússia e o da China. Consequentemente, apesar do efeito adverso de curto prazo nas condições económicas e talvez no processo de globalização, veremos mais melhorias nas condições económicas, logo que este impacto temporário esteja ultrapassado.

Quando fala em "impacto temporário", está a apontar para anos?

Sim, não é uma questão de meses. Penso que a guerra em si é bem longa, mas é uma questão de anos, não de décadas. Acho que o povo russo vai perceber que foi arrastado para um episódio que não melhora em nenhum sentido o seu bem-estar.

Gradualmente, vamos assistir ao declínio do poder do regime autoritário e veremos uma maior determinação no Ocidente de unificar forças para enfrentar este tipo de agressão no futuro.

Por último, veremos ainda mais cooperação económica, globalização, etc. Inicialmente, a Rússia será excluída, mas Putin, a determinada altura, é natural que seja deposto e então haverá cooperação também com a Rússia. É uma questão de anos. Mas estou esperançoso com a trajetória da Humanidade.

Como se explica que o extraordinário progresso da Humanidade tenha deixado um rasto de desigualdade?

Quando pensamos na jornada da Humanidade em geral, e se considerarmos a evolução das sociedades humanas, desde o surgimento do Homo Sapiens há 300 mil anos, o que é realmente impressionante é o fato de que durante a maior parte da existência humana, a Humanidade estava em um estado de estagnação. Os padrões de vida em mais de 99,9% da existência humana mudaram totalmente.

Vemos essa metamorfose dramática, a melhoria dramática nas condições de vida, nos últimos 200 anos. E durante esta metamorfose, a renda per capita no mundo como um todo aumentou 14 vezes. Mas esta metamorfose não está a decorrer ao mesmo tempo em todo o mundo. Algumas sociedades dispararam no início do século XIX e ainda mais cedo, enquanto outras ficaram para trás.

Como resultado, surgiu na economia mundial uma incrível desigualdade. Grande parte da desigualdade que vemos atualmente entre as nações tem origem em momentos diferentes de crescimento após longos períodos de estagnação. Algumas sociedades anteciparam-se, outras estão atrasadas, e uma enorme desigualdade foi surgindo no mundo.

O que faz as sociedades avançarem ou ficarem para trás? Destaca a diversidade e a geografia como determinantes para o desenvolvimento. Uma teoria que tem recebido críticas de especialistas.

De acordo com as minhas estimativas, quase 90% da desigualdade que vemos entre as nações é originada por forças que operaram no passado longínquo. São forças institucionais, culturais e, sobretudo, a geografia e a diversidade humana.

Ou seja, certas condições geográficas que estavam presentes em um passado distante levaram em algumas sociedades ao surgimento de traços culturais propícios ao desenvolvimento, enquanto noutras sociedades ocorreu o oposto.

Do mesmo modo, a migração de humanos anatomicamente diferentes de África, há quase 300 mil anos, levou a diferentes níveis de diversidade em todo o mundo. Algumas sociedades são relativamente diversas, outras relativamente homogéneas, e um certo grau de diversidade está a afetar a prosperidade económica. Mais uma vez, as forças que operaram no passado distante são essenciais para entender a desigualdade.

Conclui que a desigualdade global é o produto de cinco fatores: migração, geografia, doença, cultura e instituições políticas. Atualmente é possível anular os efeitos destes fatores?

Dado que forças que operaram no passado ainda afetam o desenvolvimento económico, podemos questionar se a história determina o destino das nações. E a resposta é não, de todo.

Na verdade, ao percebermos a história de cada nação, a condição geográfica, a diversidade, podemos projetar políticas destinadas a mitigar precisamente esses elementos. Por exemplo, algumas sociedades estão em localizações onde o retorno do cultivo é elevado, o que faz com que sejam dedicadas à agricultura, ao processo de plantação e colheita, o que propicia comportamentos de longo prazo.

Este tipo de comportamento é crítico para o desenvolvimento económico, afeta as decisões de educação, a poupança e a adoção tecnológica. Como resultado, as sociedades que foram abençoadas por residirem num local onde o retorno do investimento agrícola era grande, aprenderam a orientar-se para o futuro, enquanto as restantes não adquiriram esta capacidade, na mesma medida.

Podemos desenhar políticas educacionais diferenciadas para cada sociedade. Podemos projetar políticas educacionais de forma a que as crianças aprendam a ser orientadas para o futuro, em lugares onde a geografia as limita, por exemplo.

Diz que os obstáculos que impediram o crescimento por mil anos podem repetir-se no futuro. Que ameaças são estas?

O caminho para superar estes obstáculos é a política educativa. Para incutir nas crianças o comportamento orientado para o longo prazo, podemos introduzir no currículo educativo os instrumentos musicais, por exemplo. Sabemos que as ensina a retardar a gratificação, percebem que os sons que geram inicialmente não são muito atrativos, mas com o tempo o investimento compensa.

Numa sociedade relativamente homogénea, a política educativa focada em ensinar as crianças a desafiar o status quo, a pensar fora da caixa, cria a diversidade que está ausente na sociedade e promove a inovação.

Já numa sociedade excessivamente diversa, enfatizar o respeito pela diferença, a tolerância, gera coesão social que permite à sociedade beneficiar da diversidade sem ser prejudicada pela falta de coesão social. Mais uma vez, as políticas educativas podem ser usadas para mitigar o legado do passado.

Outro grande desafio da atualidade são as alterações climáticas, um problema que acredita que se resolve com menos nascimentos, o que dará tempo para desenvolvimentos tecnológicos. Mas, em continentes envelhecidos como a Europa, não terá consequências profundas?

De fato, no contexto das mudanças climáticas, este é um grande desafio. O que sugiro é que, se pensarmos na jornada da Humanidade como um todo, há elementos de esperança neste caminho, no sentido que, em última análise, o que gerou as alterações climáticas foi o progresso tecnológico, que acelerou a poluição industrial e as tendências de consumo.

No entanto, foi esta aceleração tecnológica que trouxe três processos adicionais: a educação, o poder da inovação e o declínio da fertilidade. Este último ponto é crítico, porque as pessoas estão a poluir o planeta e, se tivermos um declínio gradual da população do planeta Terra, isso mitigará o processo atual.

Isso não significa que podemos ser condescendentes, temos que adotar tecnologias amigas do ambiente, padrões de emissão de carbono e aplicá-los com determinação. Mas, se fizermos isto, ficamos com tempo suficiente para os cientistas desenvolverem tecnologias revolucionárias que resgatarão o mundo de potenciais consequências catastróficas das mudanças climáticas.

Como israelita em Nova Iorque, sabe como é ser um imigrante. Muitos países apostam nos fluxos migratórios para garantir o crescimento. No futuro a tendência será o crescimento da migração?

Acho que as sociedades perceberão que a diversidade é muito importante para o desenvolvimento económico. De um modo geral, sociedades mais diversas beneficiam com a fertilização cruzada de ideias e, como resultado, criam maior prosperidade. Por outro lado, sociedades mais diversificadas tendem a ser menos coesas e, consequentemente, sofrem de conflitos sociais. Isso é parte do motivo pelo qual as pessoas não estão necessariamente a apoiar políticas migratórias liberais.

À medida que avançamos no tempo e à medida que o progresso tecnológico acelera, o papel da diversidade torna-se cada vez mais importante.

Ao mesmo tempo, entendemos que a educação pode ser usada para gerar coesão, para gerar tolerância, etc. Parece bastante claro que, com o tempo, as sociedades vão abrir as fronteiras cada vez mais voluntariamente e, consequentemente, poderão beneficiar da diversidade e da migração.

É um defensor da inovação tecnológica. Como responde a quem teme ser substituído no emprego por máquinas? A inovação não pode acentuar a desigualdade?

O progresso tecnológico está a gerar desigualdades inevitáveis, no sentido em que a aceleração da tecnologia requer educação, talento especial, para lidar com essa tecnologia, o que gera mais desigualdade.

Para que as sociedades possam mitigar isso, temos que garantir que investimos recursos suficientes para gerar igualdade de oportunidades. Ou seja, cada indivíduo deve educar-se para atingir o seu potencial.

Se tal acontecer, veremos menos desigualdade e a sociedade será mais justa e mais moral, no sentido de que cada um terá uma possibilidade justa de educação e de poder beneficiar dessas tecnologias.


Mas as pessoas têm motivos para recear a tecnologia?

Não acho que as pessoas devam temer o progresso tecnológico. Vimos isso no passado, quando surgiu a revolução industrial. Os luditas tentaram destruir as máquinas, porque sentiam que substituíam o trabalho e, em última análise, iam deslocá-lo. Mas não vemos, no decurso da Revolução Industrial, nenhum aumento no desemprego.

O que vemos é uma mudança na natureza do trabalho e isso acontecerá agora, com a automação. É natural que substitua algum tipo de trabalho, mas serão criados outros. As pessoas terão que se adaptar, as sociedades terão que investir, garantindo que as pessoas estão devidamente treinadas para este ajuste.

Para a nova geração, não haverá necessidade de nenhum ajuste, quando saírem das escolas a procura já será para outro tipo de ocupações. Sempre que ocorre uma transição, é a geração no meio que sofre com a adaptação. A próxima geração beneficia de melhores tecnologias, melhores empregos e empregos que permanecerão no lugar.

Não é que seja criado desemprego, é simplesmente uma transição de um tipo de emprego para outro. Com a aposta na educação, não veremos um aumento significativo do desemprego.

A história tem tendência para se repetir. Temos uma guerra na Europa. Estamos a sair de uma pandemia e temos nova crise económica, com a escalada da inflação. A recuperação ainda deverá demorar?

É verdade, vemos certos ciclos na história da Humanidade, mas vemos progresso. Se pensarmos na Europa no século XIV, a peste negra dizimou 40% da população europeia. Na Covid-19, o poder da inovação está a permitir resgatar a Humanidade num período de tempo relativamente curto.

Vemos ciclicidade no comportamento económico. E, naturalmente, vimos o surgimento da inflação devido a uma restrição na cadeia de distribuição. Agora, por causa da crise Rússia-Ucrânia, dada a importância do fornecimento de matéria-prima, como o trigo e outras, assistimos ao aumento da inflação, mas é de curta duração. Esta crise não é eterna.

Além disso, o mundo encontrará fontes alternativas de abastecimento e veremos que a inflação será mitigada ao longo dos próximos dois anos, voltaremos à normalidade e o crescimento económico será restabelecido.

É um otimista assumido, uma característica bem patente no seu livro.

Acho que há uma tendência muito grande no mundo para ver as coisas de forma sombria. O que aprendemos com a história é que estes são eventos de curta duração. Em última análise, a humanidade prevalece e emerge mais forte, em qualquer crise.

Defende que é possível enfrentar a desigualdade.

A natureza do rápido progresso tecnológico é tal que recompensa os indivíduos que acompanham a mudança. Podemos tentar mitigar a aceleração tecnológica garantindo a igualdade de oportunidades, mostrando que alguém que nasceu em determinado bairro, com determinada moeda, que não é necessariamente formado nem rico, pode realizar plenamente o seu potencial. Consequentemente, pelo menos não veremos a injustiça associada a essa aceleração tecnológica.

Novamente, as sociedades podem oferecer redes de segurança, sociedades e governos podem treinar pessoas e permitir que mudem de ocupação.

Mas nunca teremos progresso sem desigualdade?

Para avançarmos, temos que promover o progresso tecnológico e este está associado a mudanças no mercado de trabalho e, em grande medida, mais desigualdade. Mas podemos contrariá-la.

A desigualdade não vai desaparecer dentro das nações. Mas entre as nações, a razão porque alguns países são pobres e outros são ricos, pode ser mitigada com o tempo. Dentro das nações será mais difícil de suprimir, mas podemos garantir que há justiça e equidade no impacto da tecnologia em diferentes indivíduos da sociedade.

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