03 mar, 2022 - 06:40 • Sandra Afonso
Até ao momento, a medida mais emblemática de resposta à seca, por parte do Governo, foi o condicionamento da produção de energia elétrica em cinco barragens. Esta quinta-feira, os deputados reúnem-se com os ministros do Ambiente e da Agricultura para discutir a situação no país.
O efeito da seca já se sentia na produção energética a partir de fontes hidroelétricas, antes de qualquer medida do executivo. Só nos primeiros 50 dias do ano diminuiu mais de 70%, segundo a REN.
Apesar da falta de chuva, o sol, só por si, não resolve tudo. A prová-lo está a produção de energia eólica que também caiu, mais de 20%, no mesmo período.
João Peças Lopes, professor na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e diretor associado do INESC-TEC, justifica esta redução com a seca.
“Estamos a ter contribuições para a produção de eletricidade hidroelétrica muito reduzidas, todas aquelas centrais do chamado fio de água, as centrais que turbinam os caudais afluentes, têm contribuições muito baixas. As centrais de albufeira também têm contribuições muito baixas ou mesmo nulas”, afirma o especialista, em declarações à Renascença.
Que barragens ainda produzem? São sobretudo as centrais reversíveis, que “bombam a água nos períodos do dia em que há abundância de recurso renovável, sol ou vento”. O processo é simples, passam a água “de um reservatório inferior para um reservatório superior, para depois turbinarem essa água para produzir eletricidade e entregar ao sistema elétrico, nos períodos de maior consumo”.
Quando a produção de energia cai de forma acentuada, como está a acontecer, o mercado procura alternativas. Neste momento, isso “passa naturalmente por recorrer aos combustíveis fósseis, neste caso o gás natural”.
Dado o pico dos preços no mercado internacional, “vamos ter preços elevados no fecho do mercado grossista, que impactam diretamente na formação do preço e no preço para os consumidores finais”, explica João Peças Lopes.
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A produção de energia solar fotovoltaica já tem expressão em Portugal e em Espanha a tendência é de crescimento, mas ainda não chega. Há necessidade de recorrer às centrais de ciclo combinado, por isso, o gás natural continua a determinar o preço.
“O gás natural acaba por definir o preço nos mercados grossistas e da forma como tem vindo a evoluir, temos depois preços elevadíssimos na eletricidade”, refere o professor.
João Peças Lopes reforça com um exemplo: “em 2019, o preço do megawatt-hora do gás natural andaria pelos 20 euros, hoje é capaz de andar por 100 euros por megawatt-hora, cinco vezes mais”.
A conclusão é óbvia, “isto tem de ter um impacto nos preços da eletricidade”.
O pico do consumo em Portugal tem-se registado em janeiro, em resposta ao frio do inverno.
No entanto, os consumos energéticos durante o verão estão também a subir. “Cada vez mais temos vindo a assistir à subida da temperatura no verão e os consumos de energia têm também um peso que começa a ser considerável”, alerta o professor. Uma situação que deverá manter a fatura elevada, para já.
Para estabilizar os preços, Portugal tem de “acelerar a transição energética”, alerta o especialista. Isso implica continuar a avançar com a produção de eletricidade, a partir de recursos renováveis.
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Desconfiamos naturalmente das coincidências, por isso tem crescido a teoria de que o fim da produção de energia com recurso ao carvão precipitou ou agravou a importação de energia.
A ideia já foi desmentida pelo Governo, que tem sido acompanhado por vários especialistas. É o caso deste professor da FEUP, que garante que “não houve qualquer impacto a esse nível”. Segundo João Peças Lopes, “a maneira como as centrais hidroelétricas foram operando em 2021 foi ditada pelas regras de mercado, exclusivamente”.
As estatísticas mostram que, desde 2020, a produção destas centrais a carvão (Sines e Pego) já pesava pouco no bolo global. Uma margem que foi completamente substituída por outras fontes.
Já a importação de energia disparou no início deste ano, para valores recorde, mas está a ser justificada com a seca.
Em tempo de falta de chuva e de previsão de secas cada vez mais frequentes, as soluções passam pela racionalização do consumo da água e pela exploração de aquíferos, quando existem, mas o mais importante é pensar já em planos para o futuro.
“Provavelmente vamos ter que começar a procurar soluções como a dessalinização da água, nomeadamente no Alentejo e no Algarve, onde já existem projetos em estudo e admito que podem ser implementados a médio prazo, nomeadamente no Algarve”, diz o professor.
Outra solução que deve ser discutida é a “utilização de águas residuais”. Há países que já o fazem há muito tempo, como a Namíbia, onde estas águas são aproveitadas, “inclusivamente para consumo”. Uma solução que “vamos ter de acabar por adotar, mais tarde ou mais cedo”.