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Covid-19

Tribunal de Contas alerta para risco de fraude com "lay-off" e apoio à retoma de empresas

23 fev, 2022 - 00:00 • João Carlos Malta

Empresas que passaram por dificuldades durante a pandemia receberam cerca de 1,8 mil milhões de euros em 2020 e 2021. Juízes deixam reparo às entidades fiscalizadoras, e falam de desfasamento entre o número de processos que chegam a ACT e os que são enviados ao Instituto de Segurança Social.

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O Tribunal de Contas identifica riscos de fraude risco de fraudes na utilização de verbas para o lay-off simplificado e para o apoio à retoma das empresas.

De acordo com um relatório, divulgado esta quarta-feira, o organismo que fiscaliza a legalidade das despesas públicas revela que o Estado apoiou as empresas portuguesas que passaram por dificuldades sérias durante a pandemia da Covid-19 com quase 1,8 mil milhões de euros, distribuídos por estes dois instrumentos nos dois primeiros anos de pandemia, 2020 e 2021.

O Tribunal de Contas deixa, contudo, reparos, nomeadamente na comunicação entre organismos do Estado e na forma como a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e o Instituto de Segurança Social não atacaram como deviam os casos de fraude no acesso a estes dois instrumentos financeiros.

O lay-off “simplificado” (apoio extraordinário à manutenção dos contratos de trabalho), adotado para apoiar o emprego durante a pandemia da Covid-19, apoiou 848 mil trabalhadores em 2020, cerca de 27% do universo a que se destinava, concentrando-se sobretudo em dois meses, abril e maio, na maioria através da “Suspensão do contrato de trabalho”.

No conjunto das medidas de resposta à pandemia, esta “foi a que maior impacto teve no Orçamento da Segurança Social em 2020, com pagamentos que atingiram os 758,2 milhões de euros”.

O documento refere que a maioria dos pedidos pagos tinha um valor inferior a mil euros, uma vez que foram sobretudo microempresas que aderiram ao apoio.

Em média, os pagamentos foram realizados 42 dias após a data de início do apoio. No final do ano de 2020 encontravam-se ainda cerca de 34 mil trabalhadores sem registo de pagamento.

A medida do lay-off “simplificado” manifestou-se particularmente relevante no setor das “Atividades artísticas, de espetáculos, desportivas e recreativas”, porque 62% das entidades empregadoras foram abrangidas. Seguiu-se o setor do “Alojamento, restauração e similares”, com 58% de adesão.

Apoio à retoma

A este apoio no início da pandemia, juntou-se face à evolução da situação sanitária, em agosto de 2020 o “apoio à retoma” que auxiliou16.434 entidades empregadoras, num total de 133.455 trabalhadores.

Nesse ano, os pagamentos do “Apoio à Retoma” ascenderam a 162,7 milhões de euros.

No ano seguinte, em 2021, a despesa com o “apoio à retoma” até setembro totalizou 502,3 milhões de euros.

Permitiu-se também a adesão ao lay-off “simplificado” para os casos de encerramento de atividades, com uma despesa de 366,9 milhões de euros. Ambos representaram cerca de 56% do total da despesa da Segurança Social com as medidas excecionais e temporárias relativas à pandemia.

Falhas no combate à fraude

A auditoria do Tribunal de Contas deixa, no entanto, alguns reparos às entidades responsáveis pelo combate à fraude nestes instrumentos.

As ações de fiscalização do lay-off “simplificado” efetuadas pela Autoridade para as Condições do Trabalho abrangeram 3.704 entidades empregadoras, donde resultaram 675 processos contraordenacionais e 17 participações-crime, tendo ainda sido efetuadas 182 participações ao Instituto de Segurança Social para eventual cessação e restituição dos apoios.

No entanto, o TdC adverte “que a articulação entre estas entidades carece de melhorias, uma vez que o tempo médio entre a data do auto de participação da ACT e a intervenção do Instituto de Segurança Social ascendeu a 109 dias, um período de tempo elevado que potencia o risco de irrecuperabilidade dos pagamentos efetuados”.

“Além disso, detetaram-se discrepâncias quanto ao número das participações efetuadas pela ACT e as recebidas pelo Instituto da Segurança Social, indiciantes de falhas nos circuitos de comunicação e de registo da informação entre as duas entidades”, sublinhou.

O Tribunal emitiu, por isso, recomendações várias, entre as quais a avaliação da eficácia da medida, a instituição de procedimentos de controlo nos circuitos de comunicação entre a Autoridade para as Condições de Trabalho e o Instituto da Segurança Social, o apuramento e cobrança dos montantes correspondentes à devolução dos apoios atribuídos associados às irregularidades detetadas e a introdução das alterações necessárias aos sistemas de informação da Segurança Social de forma a garantir a integralidade e fiabilidade das bases de dados.

Burocracia

Outro reparo deste organismo ao Estado é o dos constrangimentos na operacionalização do lay-off “simplificado.

Na opinião do TdC, as sete alterações legislativas que ocorreram em apenas quatro meses, quer do facto da informação recebida através da Segurança Social Direta não ter sido integrada automaticamente no Sistema de Informação da Segurança Social, e por isso, ter exigido ainda muito registo manual no processamento dos pedidos.

Foi o caso, designadamente, no registo quanto à causa de lay-off, a data de início e data de fim do período de lay-off, bem como de informação relativa aos trabalhadores. Além destas omissões na informação de suporte, os dados auditados sofreram alterações ao longo dum período temporal superior a seis meses, criando incertezas e limitando a monitorização e avaliação completa da medida.

O lay-off simplificado permitiu a redução temporária do período normal de trabalho dos trabalhadores e a suspensão dos contratos de trabalho, com o financiamento pelo Estado de 2/3 da retribuição normal ilíquida de cada trabalhador.

Por sua vez, o Apoio à Retoma prolongou o apoio, mas dirigiu-o para um incentivo à retoma da atividade das empresas. Ao longo do período, o financiamento do Estado foi-se aproximando progressivamente dos 100% da retribuição dos trabalhadores abrangidos.

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