15 jan, 2022 - 14:22 • Lusa
O ex-ministro das Finanças Fernando Teixeira dos Santos considera que o discurso político e mediático em torno da austeridade "inverte complemente" a perceção daquelas que devem ser as prioridades económicas e financeiras do país.
Em entrevista à agência Lusa a propósito do lançamento do livro "Mudam-se os tempos, mantêm-se os desafios" (Ed. Bertrand Editora), publicada neste sábado, o antigo governante afirmou que "o que está mal é estar a gastar mais do aquilo que temos".
"Há um discurso mediático e político que eu acho que induz as pessoas em erro e que não promove um sentido de responsabilidade económica e financeira no país, que é o falarmos em austeridade", disse, considerando que a "demonização da austeridade" dá a entender "que conforme estamos, estamos bem e o que vem aí é mau porque exige que ajustemos o que gastamos àquilo que temos".
"Isto inverte completamente a perceção daquilo que devem ser as nossas prioridades em termos económicos e financeiros", justificou.
Teixeira dos Santos, que foi o ministro responsável por chamar a ajuda externa aquando da crise económica e financeira em 2011, defendia esta posição quando questionado sobre o debate público aberto pela Comissão Europeia sobre a revisão das regras orçamentais, que as preocupações com o elevado peso da dívida não devem resultar do Tratado de Maastricht ou do Pacto de Estabilidade.
Fernando Teixeira dos Santos foi ministro de Estado e das Finanças, entre 2005 e 2011. Entre diversos cargos, entre 2000 e 2005, foi também presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), tendo sido entre 2016 e 2020 presidente da Comissão Executiva do Eurobic.
Entrevista
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Fernando Teixeira dos Santos defende que o país não tem "grande margem de manobra" para descer a carga fiscal, defendendo que repor o equilíbrio orçamental deve ser a prioridade.
"Não vejo grande margem de manobra para descidas de impostos e vejo também necessidade de haver alguma prudência nesse domínio", disse na entrevista.
Quando questionado sobre se uma redução dos impostos nos próximos três a quatro anos seria possível, Teixeira dos Santos afirmou não ver "grande margem de manobra", porque o país atingiu "em 2019 uma situação de equilíbrio orçamental, que, entretanto, se desfez por causa das consequências que a pandemia teve sobre a economia e também sobre as finanças públicas".
O ex-governante defendeu ser importante melhorar o desempenho orçamental "para criar condições para que isso seja possível", considerando que uma redução da carga fiscal, "é bom para o investimento e para o trabalho dos portugueses".
"Acho que a prioridade que temos que ter é a de repor esse equilíbrio orçamental. É importante que o equilíbrio orçamental seja reposto. Primeiro para assegurar que a poupança suficiente para o investimento na economia e segundo para assegurar condições de estabilidade financeira ao país", justificou.
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O antigo governante recordou a crise financeira que levou a intervenção da troika para defender que "ficou bem evidente a influência e a importância que a situação das finanças públicas tem no domínio financeiro e na estabilidade financeira do país".
"É importante, principalmente, adotar políticas que fomentem o crescimento económico, porque se a economia crescer melhoramos a cobrança fiscal e melhorando a cobrança fiscal, então, aí sim podemos ganhar esse espaço necessário para a redução dos impostos", disse.
No entanto, destacou também a importância da previsibilidade do quadro fiscal.
"É preciso que as pessoas possam saber com o que contar nesse domínio. Isso é muito importante para tomar decisões. Tem que se saber o que se pode esperar no futuro em termos dos encargos que vai ter que suportar com o Estado a este nível. Isto é fundamental", disse.
O antigo ministro das Finanças estima que, mantendo as atuais condições, Portugal precisa de mais de 290 anos para igualar a média de produtividade da Zona Euro.
“Não há possibilidade” de melhorar o nível de vida dos portugueses se não melhorar a produtividade. "Não há outra via, não há outro caminho. Não tenhamos ilusões quanto a isto", defendeu.
"A correlação entre o nosso rendimento real e a produtividade é da ordem dos 98%/99%. Uma coisa anda a par da outra. Se o país quer melhorar o seu bem-estar, o seu nível de vida tem que melhorar a produtividade. Isto é um grande desafio a todos nós: ao Estado, às famílias, aos trabalhadores, aos empresários, a todos nós. É este o desafio que o país tem de enfrentar e, no meu entender, dar-lhe uma grande prioridade", sublinhou.
Numa simulação integrada no livro que será lançado, respetivamente, em Lisboa e no Porto, em 19 e 20 de janeiro, Teixeira dos Santos calcula que, se se mantiverem as taxas de crescimento da produtividade em Portugal e na zona euro, serão necessários 45 anos para que o país atinja 60% da produtividade média dos países da moeda única e 154 anos para atingir os 75%.
"Temos de facto de fazer alguma coisa de muito significativo no progresso da nossa produtividade, porque senão continuaremos atrás da média europeia", defendeu.
"A engenheira Isabel dos Santos foi elogiada, muit(...)
Os cálculos têm como níveis de partida a média do nível de produtividade observada entre 2015 e 2019, recordando que a produtividade do trabalho em Portugal representa cerca de 54% da média da zona euro e o seu crescimento médio anual entre 1999 e 2019 foi de 0,93%, superior ao valor médio registado nos países da moeda única, de 0,72% ao ano.
Teixeira dos Santos assinalou à Lusa que as taxas de crescimento da produtividade na última década são "muito baixas", argumentando que "a crescer a esta média o progresso da produtividade é muito lento".
É que, "à medida que nós progredimos, a zona euro também progride - pouco como nós, mas também progride", explicou.
"Estamos a perseguir um alvo que está em movimento e vai demorar muito tempo a apanhá-lo", frisou.
O ex-governante salientou que o país tem um baixo coeficiente de capital e trabalho. "Há pouco capital por trabalhador. Portanto os trabalhadores também não podem ser muito produtivos se não têm esses equipamentos, essas ferramentas, essas infraestruturas a apoiar o esforço produtivo. Isso tem a ver com um baixo nível de investimento na economia portuguesa, que faz com que o 'stock' de capital da economia seja reduzido", disse.
Destacou, neste sentido, que historicamente o 'stock' de capital tende a aumentar, mas em Portugal "nos últimos anos está a diminuir, o que compromete o crescimento e a produtividade".
De acordo com os cálculos do antigo ministro de Estado e das Finanças, inscritos no livro, se por exemplo, a produtividade de Portugal crescer, em média 2% ao ano, o país atingirá "60% da média europeia no final da década e demorará quase meio século a igualá-la".