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Congresso da AHP

De que valem hotéis bonitos sem gente para trabalhar?

15 nov, 2021 - 20:50 • Ana Carrilho

A atividade turística já sente a retoma depois da fase mais aguda da pandemia, por via do aumento da procura dos turistas. O problema é que falta mão de obra e é cada vezm mais difícil contratar trabalhadores para os hotéis.

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Os hotéis portugueses já sentem a retoma da atividade, face ao aumento da procura de turistas, passada que está a fase mais aguda da pandemia de Covid-19, mas o setor debate-se, agora, com o problema da falta de mão de obra.

Para agravar a situação, o recrutamento de pessoas para trabalhar na hotelaria tornou-se difícil: os baixos salários praticados, as longas jornadas, os turnos que cortam fins-de-semana, feriados ou férias quando as outras pessoas descansam, a falta de incentivos trava a vontade de ingressar ou de regressar ao setor, depois da pandemia. Especialmente as novas gerações, grande parte com formação superior, procura mais do que um ordenado, para não dizer um bom ordenado.

Formados para a excelência, aprenderam a ser mais exigentes. Alguns hoteleiros já perceberam que a realidade mudou drasticamente, especialmente depois da pandemia e estão a mudar comportamento; outros, ainda não.

Este foi um dos temas em destaque durante o 32º Congresso Nacional da Hotelaria e Turismo, que decorreu na última semana em Albufeira, no Algarve.

No painel sobre “Capital Humano – o desafio da década!”, os diversos intervenientes deixaram claro que as empresas têm que estar cada vez mais próximas das pessoas, os seus “clientes internos” e proporcionar-lhes um “salário emocional”.

“Não vale a pena ter hotéis bonitos se não tivermos as pessoas, não vale mesmo a pena”. Foi o desabafo da responsável de uma empresa de recrutamento especializada no setor da hotelaria, já no fim deste painel.

Alexandra Outeiro iniciou a sua intervenção já em fase de debate revelando que ultimamente, a “a frustração é imensa”. Admite ter pensado que a paragem forçada pela pandemia seria boa para que todos refletissem, “mas continuamos desalinhados”. E explicou que as expetativas dos hoteleiros são diferentes das que expressam quem procura trabalho. “E as pessoas não procuram a hotelaria”.

A empresária lamenta que, por vezes, as organizações nem sequer saibam qual é o seu propósito, os seus valores. E essa é uma questão a que os candidatos questionam, sobretudo os que vêm das escolas de hotelaria, confirmou Marta Sottomayor, formadora das Escolas de Hotelaria e Turismo do Turismo de Portugal e Consultora em Hotelaria, que também participou no painel.

“Nas escolas ensinamos excelência, elevamos os standards dos nossos alunos de forma que depois sejam exigentes porque aprendem sobre o que se faz bem feito. Querem saber quais são os valores e propósitos e infelizmente, há marcas que não sabem responder”.

Alexandra Outeiro frisou que as pessoas procuram flexibilidade e viver em harmonia com a sua vida pessoal e profissional. A hotelaria e restauração podem dar isso, mas é preciso muito trabalho e urgente, sublinha a empresária que defende uma mudança nas leis laborais que vão nesse sentido.

Para já não é essa a realidade com que os candidatos se defrontam, afirmou Luís Mexia Alves, CEO da DHM – Discovery Hotel Managment. Assumindo-se como “otimista, mas relativamente realista”, alerta que “temos à nossa frente um cocktail relativamente tóxico que não é só português nem exclusivo da hotelaria, mas internacional”.

O hoteleiro considera que é necessário olhar para a raiz do problema para o tentar resolver “de forma sustentável e duradoura”. Em primeiro lugar, o setor é conhecido pelos baixos salários e carreiras sem progressão, pelo trabalho físico exigente, horários prolongados e turnos, pela necessidade de estar numa relação muito próxima com as outras pessoas. “E passou uma má imagem com a COVID. Num momento de dificuldade, tivemos que dispensar, despedir. As pessoas podem perdoar, mas não esquecem. Algumas foram-se embora e não querem voltar”.

Admitindo que poderia “chocar” a plateia, Luís Mexia Alves, afirmou que “no próximo ano, vamos perder margem, é inevitável”. Ainda assim, na sua opinião, essa perda pode acontecer porque os hotéis vão investir no recrutamento e qualificação do pessoal, recrutando talento. Ou “porque continuamos com uma política idêntica à que temos seguido, não vamos conseguir recrutar, vamos ter mais procura, mas não vamos conseguir responder-lhe e vamos baixar os nossos níveis de qualidade e satisfação dos clientes”.

O empresário admite que no seu grupo essa é uma questão a que têm dado atenção e já decidiram que o foco vai fazer-se no recrutamento e retenção de talento. E isso não se faz só com o salário, puro e duro.

Trabalhadores devem ser os primeiros a sentir-se satisfeitos

Luís Mexia Alves admite que é preciso aprender a perceber que hoje em dia os profissionais já não trocam o hotel “A” pelo “B”, que lhes dá melhores condições; trocam a hotelaria por outro setor. “Por isso, também temos que pensar em recrutar talentos nos outros setores, “para muitas funções recrutamos cabeças, talentos”.

Considera que é necessário dar alguns passos essenciais e o primeiro, “se não foi já dado, deve ser rapidamente”, é o de criar um plano de benefícios extra remuneração. Depois é melhor ver se esse plano de adequa ao colaborador.

Defende que “tratar os nossos colaboradores como nossos clientes, é muito importante. Se calhar, um plano de saúde não é interessante para alguém com vinte anos, mas pode ser para uma empregada de quartos; para ele pode ser mais importante a inscrição num ginásio”. Finalmente, é preciso desenhar sistemas de avaliação de desempenho que sejam realistas e associá-los a bónus”.

Por isso, considera que é preciso haver uma ligação às pessoas, conhecê-las, conhecer a sua vida e a sua família, as suas necessidades, “para saber como as podemos cativar”. Mas também perceber quais são os seus conhecimentos e potencialidades, como podem dar o seu contributo para a organização e resolução de problemas.

Rita Almada, People Analytics da SONAE MC considera que é preciso canalizar os recursos para quem tem mais valor, dando cada vez mais importância à remuneração variável. As pessoas procuram cada vez mais o “bem-estar no trabalho, sentirem-se felizes, realizadas. E o ambiente envolvente também é muito importante”.

Tudo somado, estamos a falar de um “salário emocional”, muito mais do que dinheiro. Dirigindo-se aos hoteleiros e responsáveis de hotelaria que assistiam ao painel, a formadora Marta Sottomayor afirmou que lhes cabe a escolha de talento, à medida do que precisam, entre os muitos estagiários que saem das escolas. E deixou mesmo o repto: “invistam efetivamente nestes estágios, preparem as vossas equipas para receber estes estagiários que muitas vezes, desiludidos, me dizem ‘não sou um vaso, também quero aprender, não me larguem para ali e me digam que se venho da escola hoteleira, então posso ir polir talheres’. Nada contra, mas depois não podem estranhar os resultados”.

Além disso lembrou que os estagiários falam entre si e as marcas têm (boa ou má) fama. “Tem a ver com a forma como tratamos os que lá estão; eles passam palavra e há alguns hoteleiros que têm mais facilidade em recrutar que outros”.

Considera que é preciso cativar quem trabalha e não apenas os clientes; perceber se “é melhor ter dois empregados de mesa que são carregadores de pratos do que dois empregados de mesa que vão ajudar a vender mais vinho, melhor vinho e os produtos da carta com maior rentabilidade”. Lembrou ainda que hoje em dia a hotelaria portuguesa já tem um alto nível de qualidade e conforto, mas é preciso remunerar melhor a “matéria-prima que são os recursos humanos e que são cada vez mais polivalentes”.

E deixou o desafio às organizações para que não tenham medo de perder clientes, cobrando os produtos e serviços a preços que correspondam a uma elevada qualidade.

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  • marco almeida
    16 nov, 2021 Olhão 13:43
    Não têm pessoal para trabalhar, é simples, deixem de ser patrões e passem a ser empresários, paguem salários decentes que a malta aparece

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