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Instagram. A rede que constrói vidas, influenciadores e negócios

27 jul, 2021 - 08:27 • Sandra Afonso

Em 10 anos, tornou-se a aplicação mais importante da década. Revolucionou a forma como usamos as redes sociais, mudou as vendas online e criou negócios. A popularidade está agora ao alcance de qualquer um e dá dinheiro. Mas este crescimento tem um preço. Nem tudo é verdade e no mundo real a mentira consome, sobretudo a mente.

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O Instagram vive da imagem, editada ao pormenor. Há uma linha editorial por detrás dos conteúdos, uma estética alinhada com o objetivo traçado, tudo combinado de forma magistral.

Todos os meses, mais de mil milhões de pessoas usam a aplicação, sem destoar uma nota. É este o poder do Instagram, que atrai tantos para um cenário perfeito e que faz dele um êxito mundial.

Em entrevista à Renascença, Sarah Frier, jornalista da Bloomberg, explica o poder que o Instagram atingiu numa década e o impacto que teve nos negócios e na sociedade. Revela ainda algumas das conclusões do livro “Sem Filtro” (Clube do Autor), vencedor do “Financial Times and Mckinsey Business Book ok the Year Award”, onde conta a história do Instagram.


O que explica o enorme sucesso do Instagram?

Acho que esta é a primeira aplicação que realmente atraiu as pessoas para os telemóveis. Porque foi pensada para andar connosco, enquanto vivemos a nossa vida, seja num restaurante, em férias, num casamento ou simplesmente a deambular pela vizinhança.

O Instagram podia ser uma companhia, ao contrário de outras aplicações, que se baseavam em fazer o check-in quando chegamos a casa, mas que não respondiam à revolução móvel. À medida que aumentam os utilizadores mundiais de telemóveis e computadores portáteis, começa a fazer sentido.

Além disso, o design do Instagram toca a nossa natureza humana, pede-nos a melhor versão de nós mesmos para o consumo dos outros e permite-nos cuidar dessa imagem, transformarmo-nos numa espécie de marca pessoal.

São produzidos mais conteúdos...

No Instagram não partilhamos o conteúdo dos outros, não é como no Twitter e no Facebook, onde republicamos um tweet, partilhamos um link ou algo que vimos online. No Instagram tudo o que publicamos fomos nós que criámos e quando olhamos para o número de seguidores, no topo da página, é o mundo a dizer o que pensa sobre o que criámos.

É muito pessoal, é muito motivador para as pessoas dizerem ‘ok, se eu fizer isto, posso ser influente, posso mostrar às pessoas que sou uma pessoa interessante, posso criar esta versão de mim, de como quero ser vista’. Isso é muito poderoso.

O Instagram é uma nova ferramenta ou a melhoria do que já existia?

Em tecnologia, tudo é uma melhoria do que já existe. O modelo seguinte no Instagram é semelhante ao que se vê no Twitter, onde se pode escolher seguir as pessoas, mas elas não têm de nos seguir. Isto é algo que talvez fosse mais conhecido no Twitter.

Obviamente, há outras redes, como de fotografia. Algumas coisas que o Instagram fez mais recentemente são cópias diretas do que os concorrentes criaram: como o Instagram reels, que é uma cópia do Tik Tok; o Instagram stories é uma cópia do Snapchat.

O que acontece nas redes sociais é que muitas dessas ferramentas são inspiradas umas nas outras. Eles estão a lutar por uma cultura, quem têm na respetiva plataforma.

Conhecemos realmente os números desta rede, os utilizadores, as fontes?

Ao mesmo tempo que está a ganhar muito poder na forma como comunicamos, a empresa também está a ganhar visibilidade junto dos reguladores e pessoas que defendem que o impacto do grupo no mundo é negativo.

No Instagram, ouvimos falar muito sobre os impactos que causa na saúde mental, a ansiedade que provoca, especialmente nos jovens que usam o Instagram e que se comparam com outros. Vemos relatos no Facebook sobre a disseminação de desinformação e a forma como as pessoas são manipuladas pelo material que se torna viral, o que tende a induzir muito medo, ao contrário da verdadeira informação.

Estas plataformas continuam a crescer e o produto é muito importante, mas há também muitas dúvidas sobre se elas são boas para a sociedade.

Os ‘likes’ são uma ferramenta para medir popularidade e intenções. Algum dia a rede poderá acabar com eles?

Eles pensaram nisso. Anunciaram que iam esconder os ‘likes’ e chegaram mesmo a experimentar em alguns países. Depois descobriram que algumas pessoas gostam, de facto, de ter essa medição e foi muito controverso fazer essa mudança. Agora vão dar às pessoas a opção: se quiserem ver os ‘likes’ podem ver, se não quiserem não têm de os ver.

A questão da ansiedade continua por resolver…

É verdade. Isto não mudou o facto dos ‘likes’ induzirem a ansiedade. Não corrigiu o facto de nós estarmos constantemente a ser julgados pelos outros e de esse julgamento ser algo que pode afetar o que sentimos sobre a nossa própria imagem, o que sentimos sobre nossa autoestima, o que pode ser muito perigoso.

Ouvimos histórias de suicídios, ouvimos histórias de pessoas no Instagram a encorajarem jovens a fazerem cirurgias plásticas, convencerem-nos a mudar quem são para apelar aos outros.

É uma questão ainda em aberto?

Não acho que a opção de esconder os ‘likes’ vá mudar. Na verdade, penso até que o Instagram tem dado às pessoas muito mais formas de medirem a popularidade na App. Qualquer pessoa pode alterar a conta para uma conta empresarial e fica a saber quantas pessoas viram o perfil, entre as X e as Y horas, se o perfil é mais popular entre homens ou mulheres. Tem acesso a vários dados demográficos e podemos ficar obcecados com estas métricas.

Ainda por cima, estas métricas nem indicam realmente nada do mundo real, sobre o quanto somos apreciados, o sucesso que temos, o quanto nos amam. Elas apenas indicam se somos bons a usar o Instagram.

O Instagram tornou-se uma plataforma para negócios. Transformou as vendas? Como é que isto aconteceu?

O Instagram não queria ter um negócio de publicidade como o do Facebook, queria algo diferente, que fosse mais como a experiência de uma revista: onde um anúncio não fosse muito diferente de uma publicação de um utilizador do Instagram, tendo ainda uma bela fotografia e mostrando uma versão do produto como parte de um estilo de vida invejável que queremos para nós.

Seria o contrário do que estava a acontecer no Facebook na época, mais próximo dos outdoors digitais, onde anunciam descontos de 50% e apelam aos clicks.

O CEO, Kevin Systrom, que é incrivelmente cuidadoso com o tom no Instagram e a imagem, no início aprovou pessoalmente cada anúncio, individualmente. Agora está estabelecida uma linha editorial e é tudo feito automaticamente, mas no início era realmente importante e definiu o que se esperava que os influenciadores fizessem.

Os influenciadores são ensinados?

Se se reparar no tipo de anúncios que os influenciadores publicam, são, mais uma vez, muito subtis, não temos a certeza se é um anúncio. Pensamos que se esta pessoa usa este produto, deve adorá-lo, e não sabemos se foi paga para o usar, porque parece parte do conteúdo geral que publicam.

Um dos segredos do sucesso do Instagram é a relação com os influenciadores? Nada é natural ou espontâneo.

Nos bastidores, o Instagram era muito intencional a decidir quem se tornaria famoso e que criadores promoviam. Acho que é realmente muito interessante ver como o fizeram.

Existe um homem, Charles Porch, que disse que se queremos ter este nível de relevância cultural, precisamos de ter a certeza de que nos encontramos pessoalmente com as celebridades que queremos usar no Instagram, seja na moda, na música, em Hollywood, e precisamos de treiná-los para o que isso significa.

Ao fazerem isso, basicamente eliminaram os paparazzi. Eles estão a contar as suas próprias histórias, disseram-lhes como o podiam fazer.

No passado, costumavam ser as celebridades a vender as fotos às revistas, era uma promoção nos bastidores da vida que queriam expor. Agora, no Instagram, podem controlar a mensagem. Foi isso que disseram às celebridades de topo, a lista A.

O Instagram passou ainda a criar influenciadores?

Fizeram questão de descobrir quem eram as estrelas emergentes, entre os utilizadores regulares. Queriam ver essa pessoa cujos seguidores tinham acabado de disparar, pelas fotografias, pelos vídeos de surf ou pelas imagens do cão, queriam que a conta dessa pessoa tivesse uma promoção melhor no Instagram. Queriam garantir que mais pessoas viam essa conta, porque o que estava a fazer era bom.

Muitas pessoas normais, como nós, acabaram por ver as contas promovidas pelo Instagram ou sugeridas a outros utilizadores e tornaram-se, da noite para o dia, mais famosos do que poderiam ter imaginado.

Isso foi algo de que o Instagram nunca falou publicamente, mas é uma parte muito importante do que significa ser bom no Instagram e essas pessoas acabaram por dar o exemplo a outros na rede.

As novas ferramentas e o aumento de utilizadores abriram também a porta às ‘fake news’. Era inevitável?

Quando se está numa empresa que dá primazia ao crescimento acima de tudo, o foco está em adicionar pessoas e em fazer com que essas pessoas usem mais o produto, não se o estão a usar de uma forma saudável ou se essa utilização se reflete bem na companhia. O Facebook tem esse problema! Eles concentraram-se em crescer, não em servir os utilizadores. O mesmo aconteceu no Instagram.

No Facebook, o maior problema é sempre aquele que tem maior atenção e, portanto, os problemas que estão a transformar-se em escândalos terão sempre mais recursos e atenção do que os problemas no Instagram.

As ‘fake news’ são absolutamente um problema no Instagram, mesmo que não tenham a mesma viralidade que têm no Facebook, porque não há partilha de conteúdos, as pessoas no Instagram tornam-se famosas e podem espalhar essas falsas informações.

A pandemia agravou este problema?

Vimos muito isso com o novo coronavírus – pessoas no Instagram que se tornaram famosas no mundo do bem-estar, pelas dietas que promovem, pelos treinos que fazem ou pela maneira natural de pensar e que começam a dar conselhos sobre a Covid-19. São maus conselhos, mas têm a confiança das pessoas.

É muito difícil. Alguém muito popular que está no Instagram e, na maioria das vezes, gostamos do que ela faz, mas de repente começa a espalhar mentiras sobre como nos devemos proteger do vírus. Devemos bani-lo, identificar a publicação como potencialmente falsa? Há muitas soluções possíveis, mas a verdade é que agora é um problema bastante grande para resolver completamente.

Desde que foi comprado pelo Facebook, o Instagram tornou-se um pouco de tudo?

Sim, e concorre com todos. O Instagram é a melhor hipótese que o Facebook tem de alcançar um mercado maior e isso é muito importante para o futuro da rede. Grande parte dos atuais utilizadores do Facebook já usam esta rede talvez há mais de uma década, já não há tantos novos utilizadores e quem utiliza é mais como um utilitário.

Culturalmente, o Instagram estará um passo à frente. Mostra realmente as tendências que estão a começar, o que é novo, seja na arte, na música ou na cultura de grupo.

O benefício para o Facebook de ter uma ferramenta como o Instagram é inestimável, mas o problema é que o Facebook se esforça demais para fazer do Instagram a única coisa que vence a concorrência – luta contra o Snapchat, o tiktok, o YouTube, o Clubhouse. Ao mesmo tempo, deixa de ser o Instagram, deixa de ser o que atraiu as pessoas em primeiro lugar e isso não vai ajudar o Facebook a sobreviver.

Com a mudança de dono, qual foi a alteração com mais impacto no Instagram?

Depois da transição, a maior mudança foi a possibilidade de construir sobre a infraestrutura do Facebook, que já tinha formas rápidas de armazenarem dados, infraestrutura legal, infraestrutura de conteúdos, já tinham montado o negócio da publicidade. Quando o Instagram se juntou ao grupo, só teve de se concentrar no próprio produto e dar o resto do trabalho ao Facebook, essa foi a atração inicial do negócio.

No entanto, agora o Facebook sente-se ameaçado. No livro, revelo que Zuckerberg se sente ameaçado pelo crescimento do Instagram, não quer que o Instagram aproveite o potencial que o Facebook tem no mundo. Basicamente, ele pensa que existe o risco de as pessoas aderirem ao Instagram em vez do Facebook e de este desaparecer. Isso é algo que o assusta muito, porque o Facebook é o seu legado.

O que ele diz é que, depois de todos estes anos em que o Instagram dependeu do Facebook, agora é a vez de retribuir, de o Instagram garantir a manutenção do crescimento do Facebook entre os jovens, a manutenção da influência cultural, a continuação no mercado por mais tempo.

Como imagina o Instagram daqui a 10 anos? Igual? Ainda existirá?

Penso que existirá, porque é preciso muito tempo para qualquer coisa desaparecer na internet, especialmente quando construímos os nossos hábitos no Instagram.

Acho que vamos ver muito mais vídeo e muito mais ‘e-commerce’ no Instagram. Mas poderemos assistir ao aparecimento de outra rede social a ganhar a atenção das pessoas e pode não se parecer em nada com o Instagram.

O Instagram só existe há 10 anos, é uma loucura pensar nisto! O Facebook existe há 17 anos! Isto está a acontecer no nosso tempo e pode voltar a mudar tudo na próxima década.

É muito difícil fazer previsões. Penso que ainda haverá Instagram, mas também teremos outro tipo de rede social, muito diferente.

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