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Entrevista a André Leonardo

"O mercado já está a abrir espaço para novas empresas, novas ideias, novas oportunidades"

01 out, 2020 - 18:12 • Sandra Afonso

O resumo de uma viagem pelo país à procura de negócios de sucesso em Portugal deu um livro, “Faz Acontecer, Portugal”, editado pela Oficina do Livro. À Renascença, o autor, André Leonardo, conta que país descobriu nesta viagem e deixa cinco conselhos aos empresários, numa altura em que as empresas enfrentam uma nova crise por causa da pandemia de Covid-19. Aos portugueses tece alguns elogios.

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Depois de correr o mundo, atravessou Portugal à procura dos negócios nacionais. O que encontrou?

Mais do que negócios, procurei pessoas inspiradoras, com fibra, empreendedores, gente que não desistiu, que não se resignou e que fez acontecer.

Portugal é muito diferente do resto do mundo?

Prefiro pensar no que encontrei de igual. Encontrei pessoas altamente empreendedoras e gente com muita fibra, gente que perante um problema arranja uma solução e continua a caminhar. Isso faz-me até querer e acreditar que, independentemente do lugar onde nós estejamos, seja na Índia, no Quénia ou em Portugal, o que nós temos que ter para fazer acontecer é muita alma, muito coração e muita vontade. Depois, mais à direita ou mais à esquerda, as coisas acabam por acontecer.

Costuma dizer-se que o português é desenrascado. Confirma?

Confirmo. É desenrascado e é alguém que, quando quer e quando puxa a responsabilidade dos assuntos para si, perante um problema encontra sempre uma solução. À última da hora o português tem sempre ali uma forma diferente de ver as coisas, de resolver, de continuar a caminhar. Saibamos nós a isso juntar alguma estratégia e planeamento, e temos tudo.

É dessa forma que descreve o empresário e empreendedor português?

Não sei se o descreveria assim, até porque quando nós generalizamos corremos sempre um risco. Mas, o que descrevo e das pessoas que eu conheci, e algumas estão neste livro, eu tenho encontrado por todo o país, por um Portugal que não é só Lisboa e Porto e não são só startups tecnológicas e Web Summits, é gente muito inspiradora, muito interessante, que não se resigna e que que vai à luta.

O livro promete histórias surpreendentes. Pode contar-nos alguma dessas histórias que o surpreendeu e porquê?

São todas surpreendentes, de uma forma ou de outra, porque todos eles, à sua maneira, fazem acontecer.

Por exemplo, temos em Viseu um dos maiores estúdios de tatuagem do mundo e uma das maiores empresas fornecedoras e marcas de tatuagem do mundo: chama-se "Piranha Tattoo", é de um português, o Pedro Miguel Dias, que partir de Viseu tem isto!

Temos também o Rui Fonseca, da "Altronix", que começou a trabalhar muito cedo, com 13, 14, 15 anos. Foi muito mal tratado nos primeiros trabalhos, com alguma violência física e até verbal. Hoje em dia tem uma empresa, a Altronix, que factura seis, sete milhões de euros, emprega muita gente e é uma das melhores empresas para se trabalhar, onde o Rui teve a capacidade de ressignificar aquilo que lhe tinha acontecido e não querer que ninguém passasse aquilo que ele passou. A Altronix tem hoje políticas e medidas altamente inovadoras, no que diz respeito à felicidade no trabalho. É mesmo muito inspirador.

O que faz esta empresa?

É uma empresa que vende etiquetas.

Portanto, uma ideia simples.

Sim. Isto é outra confusão que se cria muitas vezes: para se ser empreendedor temos que criar o novo Facebook. Não! Ser empreendedor não é só isso, aliás, pode ser isso mas há muitas outras formas de empreender. Para sermos empreendedores temos que inovar, temos que correr riscos, temos que criar valor, temos que ser proativos. Temos, no fundo, que fazer acontecer. E podemos fazer acontecer em todos os setores, até podemos fazer acontecer a trabalhar para outros, o nome técnico é intraempreendedorismo. Ser um bom empreendedor não é só criar uma nova aplicação e ter dez mil euros de investimento de um qualquer investidor, ser empreendedor é fazer acontecer e nós podemos fazer acontecer, lá está, com etiquetas, com tatuagens, com agricultura, com turismo.

Temos aqui histórias de gente, de alguns setores até tradicionais, mas que de alguma maneira se reinventaram, não desistiram. É gente de aldeias, de vilas, que às vezes até na sua própria comunidade não são assim tão conhecidas, mas que fazem a diferença. E isto também é Portugal! Isto é fazer acontecer Portugal!

Uma das suas filosofias de vida, se assim lhe podemos chamar, é o fazer acontecer. Que resume em cinco lemas.

São 5 lemas que utilizo muitas vezes, nas minhas intervenções, mas sobretudo na vida. São também o resultado das conversas que fui tendo com estes empreendedores e das experiências que fui passando.

O primeiro é "o standard é a excelência". Ou seja, se vais fazer faz com vontade, faz com coração, faz para ficar bem feito. Tem o teu standard na excelência. Assim, se correr mal continuas a ser muito bom, se correr muito mal continuas a ser bom.

Eu dou aulas no ISCTE e às vezes os alunos perguntam-me o que têm de fazer para passar! Isto quer dizer que o standard deste aluno é ter 10, quando corre mal tem 8, quando corre muito mal tem 6 ou 5 e é medíocre. Portanto, se é para fazer é para fazer, com ambição máxima e com alma, pela excelência, e se não correr bem, tentámos!

O segundo lema é rodear-nos de pessoas que sabem. Por exemplo, se eu quiser abrir uma barbearia, a minha tendências será contar aos meus pais e familiares, e isso faz parte. Quando temos um sonho ou objetivo contamos àqueles que nos estão mais próximos, mas também devemos procurar, neste exemplo, outros barbeiros, outras pessoas que têm barbearias. Procurar saber como é que está o mercado, quais são as tendências, o que é que falta. Temos que estar rodeados de pessoas que sabem do que vamos fazer.

O terceiro é a consistência. Fazer acontecer não é um sprint, é uma maratona. Há dias em que estamos cheios de motivação, há dias em que temos de ser disciplinados, porque não temos motivação. Temos que fazer as coisas com muita consistência.

O quarto: temos que estar preparados para adaptar sempre. Qualquer que seja o problema, fazer parte da solução, temos que ser desenrascados e isso os portugueses têm muito.

"À última da hora o português tem sempre uma forma diferente de ver as coisas"

O quinto lema tem a ver com a sorte. Há muita gente em Portugal que diz "aquele até teve sorte". Não! Teve trabalho. Temos que saber o que fazemos e como, o sucesso e a sorte vêm depois do trabalho. Não se pode querer ficar sentado no sofá à espera que as coisas caiam no colo e à espera da sorte. A sorte vai cair se trabalharmos para ela, se fizermos tudo o que está ao nosso alcance para as coisas acontecerem. É preciso puxar responsabilidade para nós, é preciso levantar o rabo do sofá, ir à luta e fazer acontecer.

Noutra perspectiva, quais são as principais dificuldades para quem quer avançar com um negócio? Para o que é que têm que se preparar?

Uma das coisas que as pessoas mais me dizem é que não têm dinheiro para investir. Eu costumo sempre dizer que o dinheiro é um recurso, existem imensas formas e cada vez mais de obtermos esse recurso: com base em investidores, bancos, família e amigos, concursos, e por aí fora. Às vezes, mais do que ter o recurso do dinheiro é preciso termos outros recursos, que todos nós podemos obter com internet, com livros: o conhecimento, a confiança, sabermos bem o que estamos a fazer, estruturação do projecto, objectivos bem delineados, coisas bem preparadas. Com tudo isto, mais facilmente o banco irá emprestar, quando o trabalho de casa está bem feito.

Outro obstáculo é sentirem-se sozinhos. Há muita gente que quer fazer acontecer e que tem ideias, mas que precisa de uma equipa, precisa de gente que acompanhe nesta caminhada que é longa. É preciso participarem em eventos, contactarem com pessoas, criarem ligações, abrir network e estabelecer uma rede de gente que ajude a fazer acontecer.

Estamos numa situação única, em recessão, ainda por contabilizar, e na expectativa de muitas falências e desemprego, mas à beira de receber muito dinheiro de Bruxelas. Como pode este dinheiro ajudar negócios em dificuldade?

Mais do que ajudar negócio em dificuldade ou novos negócios, acredito que estamos numa altura de mudança, onde as necessidades das pessoas mudaram e, como tal, isto vai abrir espaço para uma série de outras oportunidades: sejam negócios antigos que têm de se readaptar, seja negócios novos, eles têm que dar resposta a necessidades atuais dos clientes.

Este dinheiro é uma excelente oportunidade para nós obtermos aquele tal recurso que falávamos há pouco: que é dinheiro. Mas há muitos mais recurso, porque ter dinheiro e não saber o que fazer, não estar com o negócio estruturado, não ter pés e cabeça, como se diz na minha terra, a coisa também não vai funcionar.

Não é só jorrar dinheiro para cima, é preciso sustentabilidade, as devidas cautelas, planeamento.

Qual é a melhor forma de apoiar as empresas nesta altura? Como é que o Estado pode apoiar as empresas ou deve apoiar as empresas, empresários e novos empreendedores nesta altura?

Foco a minha resposta nos novos empreendedores, que é aqui a minha área de estudo.

Eu acho, cada vez mais, que o dinheiro tem que ser colocado à disposição, mas tem que ser muito criterioso. Temos que ver quais são, e há estudos recentes, ainda há pouco tempo foi apresentado pelo Costa e Silva uma "Visão estratégica para Portugal 2020-2030", se calhar tínhamos que definir aqui quais são os clusters de interesse e com potencial em Portugal e temos que canalizar esse dinheiro para novos negócios, novas oportunidades, para esses mesmos clusters, onde os empreendedores têm que mostrar capacidades pessoais mas também de desenvolvimento de projeto, e que os negócios façam sentido e sejam sustentáveis a longo prazo.

Isto não é rocket science, já se fez, é uma coisa perfeitamente normal, estamos a passar por uma crise de saúde que se transforma agora numa crise económica e temos que ter atenção aqui a estes pormenores para que não seja jorrar dinheiro sem consequências.

Como é que imagina o tecido empresarial português depois desta crise, vai haver mudanças?

Eu parto sempre deste princípio: as necessidades das pessoas e dos clientes mudaram e as empresas têm que se adaptar a estas mudanças. Há uma frase que diz que "os que sobrevivem não são os mais fortes, mas aqueles que mais rapidamente se adaptarem à mudança". E é isso. A vida mudou e por muito que a gente às vezes queira lutar contra isso, eu não conheço ninguém que tenha ganho a luta contra a realidade. O mundo mudou, temos que aceitar, temos que rapidamente adaptar os nossos tecidos empresariais, as nossas empresas. E temos que abrir espaço e o mercado já está a abrir espaço para novas empresas, para novas ideias, para novas oportunidades. Nós na academia até costumamos dizer que as crises são fontes de oportunidade e é precisamente em momentos como este onde surgem novas ideias, novas brechas no mercado para se empreender. Eu estou à espera que isso acontece agora aqui também.

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